Todo programa de sócio torcedor deveria ter uma categoria gratuita

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
Published in
4 min readOct 21, 2022

Programas de sócio torcedor são uma das fontes de receita mais importantes para os grandes clubes de futebol no Brasil, não só por conta de volume, mas por recorrência e por previsibilidade, uma vez que grande parte dos planos oferecidos atualmente exigem uma fidelização mínima de seis meses a um ano. Porém, cabe uma reflexão: programas de sócio torcedor deveriam ser vistos apenas pelo prisma da geração de receita direta? Não se perde a oportunidade de usar o título de ser um “torcedor oficial” para atrair o maior número possível de pessoas para uma base, independentemente de quanto elas podem/querem pagar?

Certa vez, trocando ideia com os amigos Bruno Dias e Luiz Guilherme M. Pereira, M.Sc, ambos comentaram sobre algo que ficou na minha cabeça: programas de sócio deveriam ser tratados muito mais como programas de relacionamento, de fidelidade, do que como um produto comercializável. Claro, as camadas pagas devem seguir lá e são muito importantes, afinal se tem gente querendo pagar para ter benefícios melhores, nada mais justo do que capitalizar em cima disto. Porém, acima de tudo, um clube precisa querer se relacionar com seu torcedor apaixonado e paixão não tem preço. E não estou falando de uma simples carteirinha simbólica; estou falando de dar benefícios reais a estas pessoas em troca simplesmente de conhecê-las melhor. Vários programas de fidelidade de grandes empresas são assim, você se inscreve gratuitamente e passa a usufruir de vantagens, sendo estimulado a comprar outras coisas, que acabam gerando receita em outras frentes. Mas e se a pessoa não gastar com mais nada oficial? Zero problema; tê-la em sua base segue sendo fundamental, pois a chance de monetizá-la indiretamente é enorme. É o modelo das redes sociais, inclusive; elas nos dão o produto de graça para usar, em troca fazem bilhões em anúncios. Afinal, o que vale mais, falar que tem muitos milhões de torcedores espalhados sem conhecê-los ou ter uma base com (bem) menos deles, mas que você sabe exatamente quem são, o que fazem, o que gostam de consumir…? (leiam o primeiro capítulo de “Inovação é o Novo MKT”, do Bruno Maia, onde ele vai mais a fundo no assunto)

Vou usar um exemplo para mostrar o poder que é ter as pessoas “dentro da sua casa”. Até o final dos anos 1990, as indústrias de música e games se equivaliam em receita movimentada. Ambas tinham o mesmo modelo de negócio: cobravam antecipadamente por um jogo ou por um CD; quem comprava os usava até cansar e comprar outro. Daí a internet chegou, permitindo a transferência dessas propriedades entre pessoas, sem autorização ou repasse de royalties às empresas. Enquanto a indústria da música resolveu brigar contra a tecnologia, algo impossível de ganhar (“Você pode lutar contra tudo, mas não pode lutar contra a tecnologia”, disse certa vez Michael Chapman, renomado diretor de cinema e fotografia), a de games entendeu que o caminho era se adaptar e abraçou novos modelos de negócio, como jogos free-to-play, que vendem itens internamente — roupas, armas ou vantagens que melhoram a performance do jogador.

Parece contraintuitivo, mas deu muito certo: ao enxergar o jogo apenas como uma forma de atrair e reter as pessoas dentro de seu ambiente, a indústria de games simplesmente abandonou sua principal fonte de receita e passou a fazer bem mais dinheiro vendendo itens dentro do mesmo. Ao invés de criar uma barreira de entrada e diminuir o número de pessoas que podia falar com, resolveu abrir para todos, com a premissa de que, ao ter mais gente ali se divertindo e usufruindo das qualidades do game, é bem mais “fácil” de convencer estas pessoas a gastar. O resultado é que, desde então, a indústria de games cresceu exponencialmente e hoje vale mais do que as indústrias de música e filmes somadas. Os gráficos abaixo, tirados de um texto do Chris Dixon e disponibilizados pelo venture capitalist Matthew Ball, mostram a comparação.

Você deve estar pensando: então programas de sócio torcedor devem ser 100% gratuitos? Não, seria radical demais abrir mão dessas receitas “garantidas”, mas certamente há meios para ir além do que é feito hoje na maioria dos casos. É necessário criar um relacionamento mais próximo com este(a) torcedor(a), fazer com que esta pessoa se sinta parte relevante de algo maior, ainda mais em um momento em que a disputa pela atenção é cada vez mais acirrada. A partir daí, abre-se um caminho natural para monetizar com outros produtos pagos dentro do ecossistema do clube ou indiretamente junto a outras empresas parceiras.

--

--

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro