EDITORIAL | As milícias nazistas e as câmaras de gás

Chega de chacinas

Revista Brado
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4 min readMay 27, 2022

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Foto: Pablo Jacob/Agência O Globo

N esta quarta-feira (25), exatamente dois anos após o assassinato brutal de George Floyd nos Estados Unidos, um homem negro, com transtornos psiquiátricos, foi assassinado em uma câmara de gás improvisada no porta-malas de uma viatura em Sergipe. Três policiais rodoviários federais imobilizaram Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, e o fecharam no carro com gás lacrimogêneo. O homem foi intoxicado e asfixiado até a morte. Numa câmara de gás.

Isso aconteceu apenas um dia depois da Polícia Militar do Rio de Janeiro, em conjunto também com a Polícia Rodoviária Federal, colocar em campo a segunda maior chacina da história da cidade, com pelo menos 23 mortos, na Vila Cruzeiro. Entre os mortos no morro do Complexo da Penha está Gabriele Ferreira da Cunha, alvejada dentro de casa. Além disso, segundo a Ordem dos Advogados do Brasil, um homem foi assassinado a facadas por policiais e obrigado a comer — sim, comer — cocaína. A Chacina da Penha ocorreu pouco mais de um ano após a pior chacina da história do Rio, a do Jacarezinho, que matou 28 pessoas em 6 de maio de 2021.

Em dois dias seguidos as polícias brasileiras estamparam as manchetes nacionais, e algumas internacionais também, mais parecidas com a SS nazista do que com o que se espera de instituições militares em uma democracia do século XXI. Os casos chocam, seja pela quantidade, seja pela brutalidade, mas não são isolados. Desde o Jacarezinho, o Rio de Janeiro teve mais de 620 ações policiais ‘excepcionais’. Excepcionais porque o estado está sob uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) do Supremo Tribunal Federal que limita — e muito — o poder das polícias fluminenses de realizarem ações em favelas durante a pandemia da Covid-19. Decisão essa que foi tomada após o fuzilamento de João Pedro Mattos, um menino de 14 anos, no quarto da casa de sua tia em 2020.

As polícias brasileiras, sobretudo as fluminenses, mas não só, não protagonizaram nesta semana situações isoladas. Kathlen Romeu, João Pedro Mattos, David Nascimento, Ágata Félix e incontáveis outros não foram casos isolados. Nenhum desses citados tinha passagem pela polícia. Dois deles eram crianças. Uma estava grávida. O outro estava esperando um lanche antes de ser sequestrado, torturado e morto por policiais militares. Genivaldo Santos também não tinha passagens. Era esquizofrênico, segundo a família, e tomava medicamentos há cerca de 20 anos. Por conta desses medicamentos, que estavam em seu bolso durante uma revista, é que ele foi imobilizado e jogado dentro de uma câmara de gás.

Alguns dos mortos no Jacarezinho e no Complexo da Penha tinham, sim, passagens pela polícia. Alguns portavam armas. Alguns atiraram contra os policiais. Mas nenhum deles foi condenado, sobretudo à morte. E quem veste farda não pode fazer o trabalho de quem veste toga. Alguns morreram em combate, é verdade. Não os que tinham marcas de tortura. Não os inocentes alvejados dentro de casa.

No Brasil, este grande campo de concentração que condena jovens pretos e pobres à morte dia após dia sem direito à defesa, operações policiais são como blitzkriegs. As instituições da lei se confundem por aqui com os escritórios do crime. E não é difícil entender que policial que age como bandido é muito pior que o suposto bandido que combate. Porque a Polícia é o Estado. E quando instituições do Estado se profissionalizam em matar, de forma seletiva e deliberada, a fatia majoritária de sua população, temos um Estado criminoso. Uma nação-terror.

Este é o Brasil para boa parte dos brasileiros. Ele não está virando isso: ele é — e não é de hoje. Este ano completam-se três décadas do Massacre do Carandiru. Naquele longínquo, porém recente 1992, quem se debruçasse sobre a política de segurança pública brasileira — herdada não dos porões da ditadura, mas das senzalas — perceberia com certa facilidade que ela está fadada ao fracasso. Passaram-se 30 anos e continuamos colecionando chacinas. Continuamos matando pessoas em câmaras de gás. Continuamos investindo numa guerra às drogas que mata mais — incluindo policiais — do que as próprias drogas.

A polícia brasileira é a que mais mata e a que mais morre no planeta Terra. A conta não fecha. E enquanto as autoridades do país poderiam estar se dedicando a criar uma nova política de segurança pública, temos um presidente carniceiro, um urubu engravatado que celebra a morte em todas as suas instâncias, e que, cumprindo exatamente o que se espera dele, celebrou mais essa chacina recente. E a mesma polícia que é todos os dias executada por essa política de morte tem em grande parte de sua corporação apoiadores ferrenhos não só do sociopata do Planalto, mas dos sociopatas de diversos palácios provincianos que assinam as chacinas maquiadas de operações, intervenções, ou seja lá o nome que se quiser dar nos autos para os assassinatos em massa sobre os quais estamos falando.

Esta Revista sonha e busca um Brasil que não reproduza mais nenhuma prática nazista ou escravocrata. Um país sem câmaras de gás improvisadas, sem chacinas, sem a ordem estatal de aniquilar quem tem mais melanina ou menos posses, e por isso mesmo repudia esses e todos os outros atos covardes, sanguinários e genocidas das nossas forças de segurança, com os quais não podemos de forma alguma nos acostumar. Os responsáveis por esses crimes precisam responder pelos seus atos — embora, convenhamos, imaginar isso já é de um grande otimismo.

O Brasil precisa se libertar de seus Heinrich Himmlers.

Este texto representa toda a equipe da Revista Brado.

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