Ouro líquido: a revolução do pré-sal

Felipe de Rossi Audibert
Revista Brado
Published in
4 min readMar 12, 2021
Ex-presidente lula mostrando as mãos sujas de petróleo, gesto feito primeiro por Vargas em 1952 e repetido por Lula. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Há cerca de 150 milhões de anos, na separação da América do Sul e da África, foram formados grandes lagos para os quais todos os rios próximos escoavam, gerando um mecanismo que por milhões de anos concentrou grandes quantidades de matéria orgânica e rochas formadoras de petróleo. Conforme a separação foi aumentando, os grandes lagos se conectaram com o oceano e formou-se uma camada grossa de sal, chegando a até 2 km de espessura. Com o passar das eras, a pressão e a temperatura modificaram os compostos químicos ricos em carbono no petróleo bruto, enormes massas de energia concentrada e uma riqueza inimaginável só esperando para ser recolhida. Depois de todo esse trabalho da natureza, o simples ato de coletar é um dos mais difíceis e complexos desafios tecnológicos da indústria moderna.

Fonte: Wikigeo

Tradicionalmente, na exploração de petróleo, existe uma rocha chamada “Geradora”, na qual o material orgânico sofre transformações químicas devido à pressão e temperatura por longos períodos. Ao romper essa rocha, o material orgânico fica represado em “bolhas”, embaixo de uma outra rocha impermeável chamada “Trapa”. No pré-sal, porém, não existe a necessidade da Trapa, pois sua função pode ser realizada pela camada de sal, simplificando as condições necessárias e aumentando o tamanho e a chance da formação de reservatórios de petróleo.

No Brasil, essa camada de petróleo no pré-sal se encontra numa faixa de 800 km de comprimento entre o norte de Santa Catarina e o Espirito Santo, tendo 200 km de largura e se localizando dentro da Zona Econômica Exclusiva (ZEE) do país. Essa descoberta foi anunciada em 2006 e a reserva é estimada em mais de 50 bilhões de barris.

Mapa das reservas petrolíferas da camada pré-sal. Fonte: Agência Petrobrás

Para tornar primeiro possível e depois economicamente viável a exploração de uma região tão profunda e de difícil acesso, a Petrobras conta com várias formas de financiar pesquisas, incluindo o seu próprio centro: o Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello (CENPES). Criado em 1963 no campus da UFRJ com 300 mil metros quadrados de área e cerca de 200 laboratórios, o centro realiza pesquisas em parceria com mais de 100 universidades. Ele já foi 4 vezes premiado pela Offshore Technology Conference (OTC) com um dos mais importantes prêmios internacionais da indústria de petróleo e gás, pelas tecnologias desenvolvidas na exploração de águas profundas, sendo a última em 2019.

Duas tecnologias que servem de exemplo na questão da viabilidade são a BSR e a PMCD. A primeira é um tipo de boia instalada debaixo d’água para sustentar o peso dos vários quilômetros de tubos e protegendo eles do balanço da plataforma, além de possibilitar novas profundidades. Já a segunda é uma técnica de perfuração que usa lama pressurizada. Ambas diminuíram o custo de operação e possibilitaram operações mais profundas.

Representação da estrutura submersa em uma plataforma com um BSR em destaque. Foto: Divulgação/Petrobras

Outras tecnologias focam na sustentabilidade do processo. Por exemplo, os reservatórios do pré-sal possuem mais gás carbônico misturado que os convencionais (geralmente queimado, pois não pode ser utilizado). A Petrobras desenvolveu um processo para separar esse gás, por meio de uma membrana de permeação seletiva, e reinjeta no poço, alternadamente com água, aumentando assim a vida útil do poço e evitando a poluição causada pela queima desse gás (atingindo a marca de 3 milhões de toneladas de CO2 em 2015).

A soma dessas tecnologias ao longo do tempo reduziu significativamente o custo de produção por barril, reduzindo em um valor de 7 dólares em 2018 e diminuído o tempo de perfuração de um poço de 310 dias nos primeiros anos de exploração para 127 dias. Isso tudo aumentando gradativamente a produção, que já supera os 1,5 milhões de barris por dia.

Produção diária do pré-sal em barris (ago/08-jan/17). Fonte: Divulgação/Petrobras

Os 50 bilhões de barris colocam o Brasil entre os 10 países com maiores reservas, e sua exploração, suprindo o consumo interno, muda o perfil nacional de importador para exportador. Os custos cada vez mais baixos possibilitam a concorrência e estabilidade no mercado global. A geopolítica do petróleo é em si extremamente complexa e envolve desde desafios técnicos e limites geográficos até o perfil de consumo de energia global e a divisão internacional do trabalho entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Para tratar desse assunto foi escrito o segundo texto dessa colaboração pelo João Pedro Frizzera da editoria de política da revista Brado.

Este texto faz parte de uma publicação dupla, em parceria com João Pedro Sabino Frizzera, colunista de Política da Revista Brado. A segunda parte pode ser acessada no link abaixo:

Clicando aqui você também pode expandir seus conhecimentos acerca de fontes energéticas lendo o texto “Energia nuclear: a solução mais limpa e promissora para o século XXI”, publicado por mim em agosto de 2020 na Revista Brado.

--

--

Felipe de Rossi Audibert
Revista Brado

eng-elétrica UFES, Aluno LabTel, membro da Vitória Baja e colunista de ciência e tecnologia da revista Brado.