Energia nuclear: a solução mais limpa e promissora para o século XXI

O físico Albert Einstein afirmou em 1946 que “a liberação da energia atômica mudou tudo, menos nossa maneira de pensar”. A frase, claro, refere-se às bombas nucleares, mas se encaixa perfeitamente quando o assunto é a questão moderna da energia

Felipe de Rossi Audibert
Revista Brado
7 min readAug 16, 2020

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Este texto foi produzido em colaboração com Lorenzo Kill, editor de economia da Revista Brado.

Complexo de energia nuclear de Angra dos Reis (RJ) 01/08/2019 REUTERS/Lucas Landau

Em 1964 o físico russo Nikolai Kardashev propôs um método para medir o grau de desenvolvimento tecnológico de uma civilização: a escala de Kardashev. Independentemente de sua estrutura, o que ela inaugura é a ideia da íntima relação entre evolução tecnológica e o domínio da energia. Evoluímos muito desde a idade da pedra, mas quando se trata de recursos energéticos, ainda queimamos carvão mineral — técnica questionável, visto que existe uma fonte de energia 11 milhões de vezes mais potente (massa por massa) que o carvão: a polêmica fissão nuclear.

Mas, afinal, o que é uma fissão nuclear?

Falando da forma mais simples possível ela ocorre quando um átomo mais pesado é dividido em dois átomos mais leves. Para entender melhor, é necessário um conhecimento básico do modelo atômico moderno. Todo átomo é formado primariamente de 3 coisas fundamentais: nêutrons, prótons e elétrons. O que determina o tipo do átomo (hidrogênio, ferro, oxigênio…) é a quantidades de prótons presentes no seu núcleo, e o que mantém o núcleo estável são os nêutrons. Aceite por agora que os nêutrons e prótons possuem massas parecidas e muito maiores que o elétron, assim a massa do átomo vem quase toda de seu núcleo.

Voltando ao mundo real, um exemplo do que acontece em um reator comum é o seguinte:

Um átomo de urânio-235(92prótons+143nutrons) é atingido por um nêutron livre (a bolinha azul em cima) forçando a divisão em dois elementos mais leves, três nêutrons livres e algumas outras partículas carregando uma grande quantidade de energia. Fonte da imagem:Wikimedia Commons.

Mas o mais impressionante vem a seguir: se forem pesados todos subprodutos dessa reação e comparados com as massas iniciais do átomo de urânio e do nêutron, o que sobra é em torno de 0,07% mais leve (conversão de massa em energia, E=mc²). E mais: os 3 nêutrons resultantes sairão e provocarão mais vezes esse fenômeno, criando uma reação em cadeia, que pode ser controlada (dado os infindáveis desafios técnicos) como um carro controla explosões em seu motor, para produzir o que defenderei ao longo do texto como a mais limpa, promissora e confiável fonte de energia do século XXI — pelo menos até atingirmos fusão nuclear em escala comercial, mas isso é tema para textos futuros.

Para analisar o contexto da produção de energia, emergem dois grandes polos: França e Alemanha. A primeira é o país com a segunda maior rede de usinas nucleares e o segundo que implementa uma forte política de desnuclearização e investimentos massivos em renováveis (em especial eólica e solar). Já a segunda, Alemanha, apenas no ano de 2016, aumentou em 4% os painéis solares e em 11% as turbinas eólicas. Mesmo assim, a produção caiu 3% e 2% respectivamente, isso simplesmente porque não foi um ano ensolarado nem ventoso, expondo a primeira grande falha das energias renováveis: a sua instabilidade.

Distribuição da energia por tipo de produção, mostrando a tendência global de investimento em renováveis e abandono da energia nuclear, além de um total domínio dos combustíveis fosseis (os 3 maiores e mais poluentes). Fonte: bp stats review 2020

Outra consequência da diminuição das fontes nucleares é a necessidade de suprir a demanda com carvão e gás natural, como demonstra o perfil de produção da Alemanha comparado com o da França (mesmo a energia na França sendo muito mais barata).

Fonte: bp energy outlook 2016 (Michael Shellenberger). Tradução: A França gera duas vezes mais energia limpa do que Alemanha.

O impacto econômico da energia nuclear

Quanto às vantagens econômicas de se aderir à produção de energia nuclear, normalmente elas estão localizadas em uma margem de médio a longo prazo, tempo no qual ela se destaca fortemente frente às outras formas de se produzir energia. Em média, o custo inicial para se construir uma usina nuclear com capacidade produtiva de 1000MW é de 6 bilhões de dólares, com um prazo médio de seis anos. Esse valor é bem distante do custo inicial de uma usina de gás natural, totalizando US$ 920 milhões, com um prazo médio de dois anos para finalizar a construção, referente a uma usina com capacidade produtiva também de 1000MW.

O destaque da produção nuclear provém dos baixos custos com matéria prima se comparado com outras formas de energia não renováveis. Um tubo de combustível de urânio com o tamanho aproximado de uma “pilha AAA” possui o potencial de produzir o proporcional a meia tonelada de gás natural. Com o combustível nuclear, para produzir o total de 1000MW, o custo médio será de 64 milhões de dólares, enquanto para produzir a mesma quantidade com gás natural o custo seria de aproximadamente 450 milhões de dólares — uma diferença absurda ao fugir das perspectivas de curto prazo. Devido ao seu grande custo inicial e demora para iniciar a produção energética, o investimento em energia nuclear leva um prazo de aproximadamente 16 anos para superar financeiramente a energia à gás.

Essa demora para tornar a energia nuclear rentável é uma das grandes causas de afastamento do interesse de políticos e investidores. As políticas públicas não costumam focar no longo prazo, já que políticos e partidos têm a necessidade de mostrar resultados ao povo o quanto antes, como forma de mostrar o seu papel e garantir a permanência no poder, desinteressando a formação de medidas que demoram vários anos para se mostrarem produtivas.

Por outro lado, a maior parte dos grandes projetos científicos e ambientais associados ao planejamento de longo prazo, exemplificados pelo projeto ITER (fusão nuclear), são fruto do esforço de uma ou várias nações. Nessa dualidade do agir estatal, permeia uma importante variável, para além das questões comerciais delicadas: o que mais entrava o avanço é o medo coletivo criado pelas bombas atômicas e pelos famosos acidentes como os de Chernobyl e Fukushima. O receio é constituído de três partes principais: acidentes, resíduos e a produção de bombas nucleares. Entretanto, esse temor é, em grande medida, infundado.

Rapidamente é possível quebrar o primeiro preconceito com a percepção de que todo resíduo produzido de 1950 para frente caberia em um campo de futebol com 10 metros de altura. Isso equivale a cerca de um décimo do volume derramado durante o vazamento da plataforma Deepwater Horizon no golfo do México, maior vazamento de petróleo acidental da história. Claro que por ser radioativo, o resíduo nuclear deve ser enterrado com as proteções adequadas, mas isso não exclui o fato de que a produção energética nuclear representaria um estrondoso avanço no que diz respeito às agressões ambientais.

O outro medo -e mais realista -, o uso das tecnologias de enriquecimento de urânio para produzir bombas, é um tema que necessita, sem dúvida, de um controle próximo de todos os países, mas é possível que essas tecnologias podem ser usadas como moedas de troca da diplomacia, para permitir um controle internacional mais eficaz, como foi feito no Irã e na Coréia do Norte (antes, é claro, do conflito com os EUA, que resultou na obtenção de misseis intercontinentais nucleares).

Por último, a preocupação com as mortes causadas por um acidente se deve mais à campanha promovida contra as tecnologias nucleares quando se perdeu os interesses políticos nela do que à realidade em si. Embora de grandes proporções, a produção energética nuclear é mais estável e possui um risco de acidentes muito menor que o petróleo, por exemplo. Além disso, as mortes causadas por acidentes em cada tipo de produção energética também mostram que o perigo da fissão nuclear não é tão grande quanto se tenta induzir. Observe o gráfico abaixo.

Gráfico de mortes por twh (Terawatt-hora =10¹² Wh) de energia produzida (da esquerda para direita:Carvão, petróleo, biomassa, gás natural e nuclear). Fonte: Markandya,A. e Wilkinson,P. 2007. Electricity generation and health. The Lancet.

Além disso, o desenvolvimento da inteligência artificial e outras tecnologias pode facilitar ainda mais a produção segura da energia nuclear, reduzindo os erros humanos — responsáveis pela maior parte dos acidentes nucleares até então.

Para além das questões ideológicas e políticas, é necessário encarar os desafios energéticos desprovido dos preconceitos e medos. Empresas e países arredor do mundo trabalham em novas gerações de usinas mais seguras, eficientes e que podem até mesmo reaproveitar os resíduos radioativos e as ogivas de antigas bombas para construir o que pode ser, no futuro, uma das grandes soluções humanas para a questão ecológica e uma das tecnologias que melhor alimente e impulsione os desenvolvimentos do novo século.

Para entender melhor como o desenvolvimento da inteligência artificial pode promover uma produção mais segura da energia nuclear, clique aqui e acompanhe o texto “Progresso e sustentabilidade podem caminhar lado a lado”, do editor de Ciência e Tecnologia e colunista de Meio Ambiente da Revista Brado, Pedro Fabriz.

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Felipe de Rossi Audibert
Revista Brado

eng-elétrica UFES, Aluno LabTel, membro da Vitória Baja e colunista de ciência e tecnologia da revista Brado.