Guerra ao Terror: 20 anos do 11 de Setembro

Entenda as causas e as consequências dos ataques que, passadas duas décadas, ainda chocam o Ocidente

João Pedro Sabino Frizzera
Revista Brado
9 min readSep 11, 2021

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“Onde você estava quando aconteceu o 11/09?”. Ao longo da minha vida, essa pergunta sempre surge quando o dia 11 de setembro se aproxima, quase sempre seguida de uma resposta mais ou menos precisa. “Vi tudo na recepção do Hotel no meio das minhas férias”; “Eu estava no meio de uma aula, quando a interromperam para mostrar o que estava acontecendo”; e “Ouvi tudo pelo rádio e então telefonei na hora para um amigo, que morava nos Estados Unidos, para ver se estava tudo bem com ele” são poucos de inúmeros relatos dos que se lembram daquele dia. A lembrança tão vívida de momentos assim não é por acaso: os ataques ocorridos em 11 de setembro de 2001 são de longe o maior evento que as gerações nascidas após a queda do Muro de Berlim presenciaram, e provavelmente assim permanecerá por vários anos.

O que talvez não seja tão lembrado por todos são as razões de algo tão inacreditável ter acontecido. Não digo no sentido de como os terroristas do grupo Al-Qaeda conseguiram capturar com sucesso quatro aviões comerciais quase simultaneamente — uma história que francamente todos nós estamos cansados de ouvir — mas no sentido de como as coisas chegaram àquele ponto. Não pretendo me alongar demais, porém ter em vista alguns momentos mais marcantes é necessário para chegar a essa resposta sem superficialidades.

World Trade Center em Nova York, ainda majestosamente preservado em algum momento do passado. Foto: Allan Tannenbaum/Getty Images

Talvez a melhor forma de começar essa história é seguir os passos de um homem, conhecido popularmente como Osama Bin Laden, apesar de não ser esse seu nome de nascença. Seja como for, Osama era de uma das mais abastadas famílias da Arábia Saudita e pôde viver com grande conforto por boa parte da juventude, mas com a morte de seu pai ele passou a viver no Líbano, até o início da Guerra Civil do país em 1975.

Retornando para casa, passou a ter grande amargor da vida boêmia que havia tido até então, bem como da situação de colapso social e violência no Líbano, que ele passou a enxergar como resultado da intromissão do Ocidente sobre o mundo muçulmano e da deturpação de seu estilo de vida tradicional. Inconformado com a situação na qual a região se encontrava, ele se radicalizou e foi apresentado às milícias mujahideens — lutadores, em árabe; em português: mujahedins — que resistiam à ocupação da União Soviética no Afeganistão.

Com a fortuna de sua família e com o apoio dos EUA, da Arábia Saudita e do Paquistão, Bin Laden criou campos de treinamento de guerrilheiros no Afeganistão, onde formava adeptos à sua visão de “guerra santa” — jihad — contra os inimigos do Islã. Naquele momento, os inimigos eram os comunistas soviéticos, mas com o final da guerra no país em 1989, ele e seu grupo, agora chamados de “A Base” — Al-Qaeda, em árabe — voltam seus olhos para novos alvos.

Para ele, todos os países que o auxiliaram até então eram aliados meramente circunstanciais, necessários em um primeiro momento, para futuramente livrarem-se da influência norte-americana e ocidental no Oriente Médio. Para atingir esse fim, ele acreditava, era preciso justamente atrair a ira dos EUA em um confronto direto com o mundo muçulmano inteiro, cujo resultado seria o da união desse sob um único Estado.

Destroços da embaixada americana em Nairóbi, Quênia, 1998. A magnitude dos ataques trouxe enorme atenção pública para a Al-Qaeda e Bin Laden pela primeira vez. Com a conclusão das investigações, o terrorista foi listado entre os 10 mais procurados do FBI. Foto: AP Photo/Dave Caulkin

Poucos anos depois, os ataques começaram em peso. Primeiro contra um hotel iemenita em 1992 onde americanos estavam hospedados a caminho da Somália; depois dois bombardeios simultâneos nas embaixadas americanas do Quênia e Tanzânia em 1998; e por fim um ataque ao navio USS Cole, da Marinha estadunidense, que navegava próximo ao Iêmen em 2000. Como se pode ver, a organização de Bin Laden já havia atingido grande maturidade e projeção, ao ponto de realizar ataques de grande complexidade em variados locais, mas, até então, nunca em solo americano. Esse sempre foi um dos desejos de Osama, que levou anos de planejamento e treinamento para ser atingido. Como se diz costumeiramente, o resto é história.

Se Bin Laden pretendia ou não atrair os EUA, e consigo o Ocidente, para um sangrento conflito no Oriente Médio com o 11/09, não há como ter certeza absoluta. Isso porque, ao contrário de unir o mundo muçulmano como um todo — que na sua visão ergueria armas contra a “dominação americana” — Osama acabou por atrair a rejeição quase unânime da comunidade internacional. Até países como o Irã, inimigos declarados dos EUA, prestaram homenagens às vítimas dos atentados às Torres Gêmeas.

Notem a ênfase que dei para a palavra quase. A notável exceção foi o regime do Talibã no Afeganistão, que a Al-Qaeda utilizava como base de operações. Depois que o país se negou a extraditar membros do grupo, um time de agentes da CIA chegou clandestinamente à região, já no dia 26 de setembro, e começou a tecer uma estratégia de invasão ao país. Os militares reuniram várias milícias antitalibã no país, em especial a Aliança do Norte, com apoio reforçado dos EUA e do Reino Unido.

Rapidamente, o país foi retomado por essa coalizão, até que sucessivas falhas por parte das milícias locais, que inclusive teriam fracassado em destruir por completo as lideranças da Al-Qaeda quando tiveram a chance, forçaram os EUA e seus aliados a optar por ocupar o país para estabilizá-lo, começando assim a longa ocupação que somente nos últimos dias terminou, 20 anos depois.

Silhuetas nas montanhas: militares americanos entrincheirados em meio a duros combates durante a Operação Anaconda, em março de 2002. As batalhas dessa operação marcaram a transição definitiva para uma nova fase do conflito, em que os EUA e seus aliados tomaram o papel de protagonistas na luta antiterrorista em detrimento do mero apoio às forças locais. Foto: U.S. Army/Spc. David Marck Jr.

Além do Afeganistão, as ações dos EUA se estenderam para outros países que, na sua visão, apoiavam de alguma forma o terrorismo. O termo “Eixo do Mal” passou a ser utilizado para caracterizar esse grupo, que incluía Irã, Iraque e Coreia do Norte. Para aqueles mais atentos às notícias internacionais, são justamente esses Estados que nos últimos anos foram centro de controvérsias com o Ocidente.

Agora, nos atentemos às consequências do atentado ao World Trade Center. Da mesma forma que não é incomum considerar a Primeira Guerra Mundial como o marco inicial do século XX, também podemos afirmar que o verdadeiro início do século XXI e de tudo que vemos daqui adiante foi o dia 11 de setembro de 2001. Concluir isso é um tanto intuitivo, na realidade. Talvez os leitores já tenham se deparado com alguém que viu os ataques e comentou sobre a a sensação de que aquilo não aconteceu há tanto tempo. Tenho a impressão de que quando as pessoas dizem isso não é somente porque todos nós temos cada vez mais a sensação de que o tempo como um todo está passando mais depressa, mas porque ainda estamos vivendo em um mundo largamente moldado pelo 11/09.

Em outras palavras, é como se tudo que resultou dos ataques desse dia ainda estivesse acontecendo, sem que possamos finalmente dizer que tudo pertence ao passado. Pelo contrário, não é à toa que chamamos o período que vivemos de pós-11/09, pois o ataque permanece mais atual do que nunca.

Esclareçamos uma coisa: 20 anos já se passaram. Duas décadas inteiras desde aquele fatídico dia e parece que o mundo se recusa a esquecer ou seguir em frente. A geração de jovens nascidos na época já possui hoje idade para votar, dirigir, exercer sua profissão e alguns até podem estar entre aqueles que foram evacuados no final do mês do Afeganistão.

Muito se compara o 11/09 com os ataques de Pearl Harbor na Segunda Guerra Mundial, mas isso é um grande erro. Para aqueles que viveram Pearl Harbor, ao final de tudo eles tiveram sua revanche. Menos de quatro anos depois, os inimigos que os atacaram foram derrotados — muito além do limite razoável até mesmo para uma guerra, diga-se de passagem — , apaziguados e com isso vieram as celebrações de vitória. Nada disso aconteceu após o 11/09. Sem revanche, sem vitória à vista e sem nunca terem alcançado a paz, tudo de pior que resultou desse ataque ainda permanece, e pouco importa se Osama Bin Laden foi morto ou se uma nova torre foi erguida em Nova York.

No lugar da vitória total como em 1945, o mundo nunca foi capaz de superar o 11/09. Ao contrário da guerra contra o Eixo que trouxe a destruição de suas pretensões de poder, os últimos 20 anos foram de guerra contínua entre o Ocidente e um inimigo sem rosto, cujas consequências ainda vão ter que ser plenamente avaliadas pelas gerações posteriores. A desestabilização do Oriente Médio, que no final criou um terreno ainda mais fértil para atividades terroristas do que havia em 2001 — a exemplo do surgimento do Estado Islâmico após a Guerra do Iraque — , e a institucionalização de mecanismos de espionagem sobre as próprias massas são apenas a ponta do iceberg.

Como comemorar algo em meio a tudo isso? Como explicar tudo isso? Na falta de explicações, eu diria que apontar uma causa talvez nos seja útil. Talvez o real problema tenha sido que a Guerra Mundial ao Terror estava fadada ao fracasso antes mesmo de começar. Nunca foi uma guerra contra nações, como normalmente são. Nações possuem algo que as sustenta, que é a identidade do povo que a compõe, ao contrário de um inimigo que não é visto em um mapa. Quando seu inimigo não é algo real, mas uma ideologia, não há como trazer reparações, justiça ou sequer trazer um fim, pois o mundo moderno é complexo demais para trazer fins somente com a força.

Seja como for, se o objetivo era trazer vingança às 3.000 vidas que pereceram naquele dia, tudo foi feito da forma errada. Se Pearl Harbor foi o disparo que projetou os EUA para a posição de superpotência que é até hoje, o 11/09 foi o chute com o qual eles perderam a legitimidade no auge de sua força, quebrando a ilusão de que trilhavam um caminho para contribuir para a paz e estabilidade global.

“Milhares de Laços Amarelos”. Pintura do artista Miki Kardi/September 11 Memorial & Museum

Por fim, gostaria de dizer que este texto foi uma espécie de testemunho da minha parte. Eu não me lembro do 11/09, apesar de já ser nascido naquele dia, mas ainda assim terei de viver boa parte da minha vida — quiçá ela inteira — lidando com o legado da violência que já completa duas décadas. Duas décadas de fiascos cujos efeitos bateram novamente às portas do mundo com o retorno do Talibã ao poder. Se desejamos que o terrorismo tal como o compreendemos seja superado, é hora de começarmos a refletir seriamente sobre o que foi feito de errado e as razões que nos levaram a essa situação. Desde as causas que levaram Bin Laden a se rebelar até as causas reais da Guerra Mundial ao Terror, passando por toda a nebulosidade que ainda há sobre o 11 de setembro e a invasão do Afeganistão, é preciso repensar as atitudes e erros de uns com efeitos coletivos sobre a humanidade. Talvez isso nos leve a uma mentalidade mais humanista e zelosa, que passe a guiar nossas relações entre países e culturas e permita uma ruptura com a história de horrores e fracassos que nos trouxe até aqui.

Que os últimos 20 anos jamais se repitam.

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João Pedro Sabino Frizzera
Revista Brado

Estudante de Relações Internacionais pela Universidade Vila Velha | Colunista de Política da Revista Brado.