Nossos direitos cheiram a queimada

Mulheres buscam saída frente à catástrofe climática

Giovanna Mont'Mor
Revista Brado
4 min readSep 18, 2021

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Foto: Syed Mahamudur Rahman/NurPhoto

Agosto de um inverno mais quente se encerrou, e arrastou consigo ao longo dos dias a sensação de que o futuro já não será mais o que fize(r)mos dele. Publicado no último mês, o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), comitê que divulga periodicamente informações científicas sobre o aquecimento global, apontou que talvez a sentença seja outra: o futuro será o que fizemos dele. No pretérito perfeito.

A crise climática é sobretudo uma crise de direitos humanos. Com o aumento de fenômenos extremos, os desabrigados se multiplicam nas áreas devastadas, algo que aprofunda as desigualdades e afeta desproporcionalmente os mais vulneráveis. É isso que indica o relatório “Parem de queimar nossos direitos!”, da Anistia Internacional, também lançado em agosto.

Embora os mais vulneráveis sejam também os mais afetados, são eles os que menos contribuem para o superaquecimento. E quando pensamos nos recortes dentro desse imenso grupo, chegamos à conclusão de que a catástrofe climática já não está no horizonte, mas se faz realidade presente que tem endereço, gênero e classe social: mulheres pobres em países subdesenvolvidos.

Mais dependentes de recursos naturais, essas mulheres são em sua maioria as responsáveis pelo cultivo de alimentos, abastecimento de água e coleta de lenha para suas famílias. Na linha de frente da luta pela sobrevivência, elas encaram um cenário de recursos naturais em crescente escassez, algo que as desloca para as piores posições diante da busca por melhores condições.

Além de terem acesso desigual aos recursos naturais, as mulheres também somam pouca participação política, principalmente em posições de tomada de decisão em relação à questão climática. Sem a ocupação desses espaços, como ecoar a voz daquelas que sequer são vistas?

Sumariamente não escapa dizer que o superaquecimento é resultante das ações humanas e, portanto, é nas estruturas sociais que precisamos modificar essas ações. Logo, as questões de gênero não estão — ou ao menos não deveriam estar — distantes do debate sobre o aquecimento global.

E se agosto nos fez afundar no chão cada vez mais movediço do planeta, o movimento de muitas mulheres reacende a esperança de um outro futuro possível. Há diversas autoras, lideranças políticas, artistas, ativistas, engenheiras, cientistas, jornalistas, entre outras, que têm trazido colaborações fundamentais para lidar com as mudanças climáticas. Um documento divulgado pela Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas em 2019 diz que:

“A participação das mulheres no nível político resultou em maior capacidade de resposta às necessidades dos cidadãos, muitas vezes aumentando a cooperação entre grupos e linhas étnicas e proporcionando uma harmonia mais sustentável. Em nível local, a inclusão de mulheres no nível de liderança levou a melhores resultados de projetos e políticas relacionados ao clima. Ao contrário, se políticas ou projetos forem implementados sem a participação significativa das mulheres, isso pode aumentar as desigualdades existentes e diminuir sua eficácia”.

Agosto também foi o mês em que a luta dos indígenas contra o PL 490 ganhou mais espaço nas discussões. Rememoro o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro na FLIP de 2014, que dizia que para discutirmos o fim do mundo “temos de consultar os grandes especialistas no assunto, que são os índios. O mundo deles acabou há cinco séculos, e eles aprenderam a viver num mundo diferente”.

Acampamento Luta Pela Vida, agosto de 2021. Foto: Cícero Bezerra/CIMI

Com seus cocares, pinturas e cantos, as mulheres indígenas marcharam por Brasília na manhã de 10 de setembro. “Estamos em busca da garantia de nossos territórios, das que nos antecederam, para as presentes e futuras gerações, defendendo o meio ambiente, este bem comum que garante nossos modos de vida enquanto humanidade”, diz a comunicadora da Anmiga sobre a marcha.

Quando me pergunto como o fim do [nosso] mundo pode parecer um monstro à espreita, penso na força que retroage naquelas que há 500 anos marcham apesar do mundo como conheciam ter chegado ao fim.

O futuro parece uma zona onerosa, mas precisamos contar com as mulheres que despendem da resistência as suas maneiras de tecer o cotidiano, encarando nos cantos mais esquecidos do planeta, a vida como ela é e o futuro como virá.

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Giovanna Mont'Mor
Revista Brado

Estudante de Comunicação, instrutora de Yoga, interessada em Cinema, Literatura, Política e Cultura Visual.