O que ainda não te contaram sobre os antidepressivos

Apesar de constituírem um dos grupos farmacológicos mais utilizados em todo o mundo, ainda existem peculiaridades que são desconhecidas por grande parte da população

Carolina Miôtto Castro
Revista Brado
6 min readAug 26, 2020

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Christina Victoria Craft / Unsplash

O transtorno depressivo maior, mais conhecido como depressão, é uma condição médica que acomete mundialmente mais de 300 milhões de pessoas de todas as idades. Esse transtorno, assim como o transtorno bipolar¹, é um distúrbio do humor. Entretanto, no caso da depressão, a etiologia está relacionada com a diminuição da neurotransmissão no sistema nervoso central (SNC). Quanto ao diagnóstico, o indivíduo deve apresentar fundamentalmente humor deprimido e a perda de interesses ou prazer, associado a outros sintomas, como alterações no apetite e peso; alterações no sono e na atividade; falta de energia; e sentimento de culpa, por exemplo, durante pelo menos duas semanas. Além disso, um ponto importante que também irá diferenciá-la do transtorno bipolar é a presença do episódio maníaco, que é ausente na depressão maior.

No entanto, o foco deste texto não é o transtorno em si, mas os fármacos responsáveis pelo seu tratamento: os antidepressivos.

Primeiramente, cabe dizer que, apesar do nome sugestivo, os antidepressivos não tratam apenas depressão. Esses medicamentos também são indicados para outras situações como: transtornos de ansiedade; transtorno obsessivo-compulsivo (TOC); transtornos alimentares; fibromialgia e outras condições dolorosas; e até mesmo dependência de nicotina.

Várias cartelas de medicamentos demonstrando a variedade de opções presentes no mercado. Foto: Volodymyr Hryshchenko / Unsplash

Observadas as diversas indicações, é de se esperar que existam diferentes tipos de antidepressivos. Atualmente, o mercado apresenta variadas classes desse fármaco, entretanto, gostaria de destacar 5 principais: os inibidores da monoaminoxigenase (IMAOs); os tricíclicos (ADTs); os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs); os inibidores seletivos da recaptação de serotonina e noradrenalina (ISRSNs); e os inibidores da recaptação de noradrenalina e dopamina (IRNDs).

Os IMAOs foram a primeira classe a ser descoberta, logo após a Segunda Guerra Mundial. Inicialmente, a droga tinha o objetivo de tratar tuberculose, porém foi notado que também possuía um efeito benéfico no humor do paciente. O mecanismo de ação desse fármaco é baseado na inibição irreversível da enzima monoaminoxigenase, cuja função é degradar neurotransmissores que estão relacionados com a depressão (como serotonina e noradrenalina, conhecidas em conjunto como monoaminas). Dessa forma, se não temos a ação dessa enzima, como resultado, ocorre o aumento da neurotransmissão, principal objetivo do tratamento. Os principais exemplos dessa classe são a tranilcipromina e a moclobemida. Entretanto, nos dias de hoje, os IMAOs vêm sendo cada vez menos utilizados, uma vez que apresentam muitos efeitos colaterais e, além disso, uma série de restrições alimentares e algumas interações medicamentosas que dificultam a adesão ao tratamento.

Cloridrato de amitriptilina, um exemplo de antidepressivo tricíclico. Foto: Arquivo Pessoal

Os tricíclicos, por sua vez, começaram a ser comercializados a partir da década de 60 e são uma das classes mais bem estudadas e conhecidas. Os ADTs têm como forma de atuação o bloqueio da recaptação das monoaminas, aumentando a sua disponibilidade na fenda sináptica. Como representantes desse grupo, podemos citar a imipramina, a clomipramina e a amitriptilina. Entretanto, apesar de sua grande eficácia, os ADTs não são seletivos em sua ação, ou seja, atuam em vários receptores diferentes e, consequentemente, podem causar diferentes efeitos colaterais.

Já os ISRSs, como o próprio nome diz, são responsáveis por inibir seletivamente a recaptação de serotonina, aumentando sua concentração na fenda sináptica. Esses fármacos apresentam eficácia semelhante aos tricíclicos, porém, por serem seletivos, causam bem menos efeitos colaterais, o que contribui para sua maior adesão, sendo atualmente uma das primeiras escolhas para início do tratamento. Alguns exemplos dessa classe são a fluoxetina, a paroxetina e a sertralina.

De forma semelhante, os ISRSNs e IRNDs também inibem a recaptação dos neurotransmissores, porém, no caso do primeiro, inibem seletivamente serotonina e noradrenalina, enquanto o último inibe (de forma não seletiva) a noradrenalina e a dopamina. Exemplos de ISRSNs são a venlafaxina, a desvenlafaxina e a duloxetina. Por outro lado, o principal representante dos IRNDs é a bupropiona, que, apesar de não ser a primeira escolha no tratamento da depressão, é muito eficiente para combater a dependência à nicotina, uma vez que o fármaco mantém as concentrações de dopamina elevadas no sistema nervoso do paciente, aliviando os sintomas de fissura.

É importante lembrar que dependendo da história e do exame clínico, o médico irá optar pela melhor opção para o paciente, visto que existem diferentes objetivos no tratamento e diferentes efeitos colaterais e cuidados dependendo da classe.

Quando falamos de um remédio psiquiátrico, que terá ações no SNC, é necessário ter em mente alguns cuidados que são imprescindíveis para o sucesso do tratamento e que, infelizmente, não são de total conhecimento da sociedade.

O primeiro deles diz respeito à dose do medicamento. Em geral, recomenda-se iniciar com uma dose mínima, porém eficaz, e com o passar do tempo ir aumentando até chegar na dose cheia, com o maior efeito terapêutico e com a menor quantidade de efeitos adversos possíveis. Isso é relevante visto que o SNC do paciente precisa se adaptar a essa nova alteração nos seus circuitos neurais com o aumento dos neurotransmissores.

Outro ponto significativo é o chamado período de latência. Para que o tratamento realmente promova o efeito terapêutico desejado, é necessário que o medicamento seja utilizado por pelo menos duas semanas, período que o paciente pode, inclusive, referir piora de seus sintomas. Entretanto, pelo desconhecimento, muitos indivíduos cessam a utilização do fármaco, sem indicação médica, acarretando em prejuízo no seu tratamento e, consequentemente, agravando sua condição clínica. Portanto, é de suma importância estar sempre atento às manifestações sentidas e relatá-las sempre que possível ao seu médico, para que se escolha a melhor conduta, seja a real retirada do antidepressivo, a troca por outra classe, o acréscimo de outro fármaco ou outra ação adequada para a situação.

Por fim, cabe dizer que o uso dos antidepressivos, a respeito do tratamento da depressão, não é para sempre. Após a melhora do quadro, o médico indicará a forma mais adequada de proceder a descontinuação do medicamento. Em geral, deve-se diminuir a dose lentamente com o passar das semanas, a fim de evitar uma síndrome de abstinência. E, também, lembrar que com a retirada do fármaco podem surgir alguns sintomas, que correspondem a uma nova adaptação do seu SNC.

Profissional da saúde orientando sobre a utilização do medicamento. Foto: Rhoda Baer / National Cancer Institute / Unsplash

Portanto, tendo em vista todos esses aspectos, a busca pelo entendimento do funcionamento dessa classe farmacológica não somente é imprescindível para a manutenção e tratamento de um quadro clínico que acomete grande parcela da população, mas também torna o conhecimento uma medida profilática que previne efeitos indesejados quando há o uso inadequado. Além disso, o profissional da saúde também é protagonista nesse processo, devendo, por sua vez, elucidar todos os pormenores que podem agravar o problema, por meio de explicação no momento que é receitado o medicamento, de forma clara e simples, a fim de democratizar a informação que pode vir a salvar vidas.

Nota de rodapé

¹ Meu texto anterior para a Revista Brado, “A saúde mental por trás das obras de Van Gogh”, que aborda o Transtorno Bipolar. Caso se interesse pelo tema, clique aqui para ler.

Para saber mais

O artigo publicado pela Revista Brasileira de Psiquiatria, “Psicofarmacologia de antidepressivos”, de Ricardo Alberto Moreno, Doris Hupfeld Moreno e Márcia Britto de Macedo Soares, explica de forma mais detalhada a atuação dos antidepressivos. Caso queira se aprofundar, clique aqui para acessar.

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Carolina Miôtto Castro
Revista Brado

Estudante de Medicina pela Universidade Vila Velha | Colunista da Revista Brado