O voto impresso ainda não foi abandonado

Felipe de Rossi Audibert
Revista Brado
Published in
4 min readSep 30, 2021
Foto: Antonio Augusto/Ascom/TSE

Há alguns meses, diante de grande perda de força política e um horizonte de derrota nas eleições de 2022, o presidente Jair Bolsonaro e sua base iniciaram uma campanha de ataque ao sistema de urnas eletrônicas vigente no país desde o final dos anos 1990. Embora a fase mais grave — quando se discutiu na Câmara dos Deputados um projeto de implementação do voto impresso — já tenha passado, recorrentemente o tema volta à tona. A última grande menção foi em seu discurso na Avenida Paulista durante os atos antidemocráticos de 7 de Setembro. Mas à medida que as eleições presidenciais de 2022 se aproximam e Bolsonaro sente a provável derrota se aproximar, os ataques ao sistema eleitoral serão frequentemente intensificados — tal como fez Donald Trump nos EUA.

Esse é de fato um assunto sensível, devido ao pouco contato do cidadão médio com o mundo eletrônico/digital (grande parte da população ainda vai em lotérica para pagar as contas) e ainda mais sensível devido ao momento histórico de maré reacionária que vive o país e o mundo.

A primeira parte do problema é a mais fácil de corrigir e é em parte nosso objetivo na editoria: desmitificar e divulgar as tecnologias que significam tanto para nosso dia a dia. Antes de começar, vamos combinar de focar na urna (eletrônica x papel), pois o resto do processo, como a etapa de levar os números para a central, ocorre de forma parecida.

Para começar, o mais importante: não existem meios de se conectar com a urna, pois não existem entradas físicas para um cabo USB ou outro qualquer conector, nem placas como as de wi-fi. O software (o programa) é feito de forma a não saber se comunicar com o mundo exterior — algo parecido com alguém que não aprendeu a falar e que não tem boca, garantido que não vai conversar. Apesar da metáfora forçada, esse é um ponto muito importante pois implica que para tentar qualquer fraude, uma pessoa mal-intencionada teria que abrir a urna, romper vários lacres (lacres físicos, como papéis que rasgam ao abrir), entre outras coisas que na prática são muito difíceis e, se feitas, seriam fáceis de identificar.

Outro ponto importante são os diversos passos de criptografia e assinatura digital que garantem que o programa rodando na urna não foi alterado. Aqui cabe o comentário de que criptografias, se feita corretamente, são muito poderosas no mundo dos computadores: derrotar uma das primeiras criptografias é tema de filme heroico em Hollywood (O jogo da imitação). Exemplo famoso disso é o Bitcoin, uma moeda com 1,1 trilhão de dólares em valor (somando todas as moedas) e sustentada apenas pelo fato de que é impossível quebrar sua criptografia.

Foto: Antonio Augusto/Ascom/TSE

E para testar se esses e outros sistemas de proteção de fato tornam a urna inviolável o TSE promove regularmente (quatro vezes desde 2009) testes públicos de segurança (TPS) nos quais o programa e a urna são entregues a especialistas que tentam violar o sistema por quatro dias e, por fim, melhorias são feitas com base nos resultados. Até hoje não foi encontrada nenhuma falha significativa que colocasse em risco uma apuração.

Isso significa que a urna é 100% segura? Claro que não! É impossível garantir um sistema perfeito, eletrônico ou não. Mas significa que ela é mais segura que as convencionais, além das muitas vantagens, como velocidade, melhor capacidade de auditoria e ser imune a erro de contagem (diferente dos seres humanos contando papéis).

Agora, a segunda parte do problema pode ser cruel. Ela é consequência direta de um conflito importante dentro de uma sociedade: conservar ou mudar. Não existe uma resposta para essa pergunta, depende muito do caso. Esses dois lados funcionam como o freio e o acelerador, e ajustá-los é de muitas formas o que apoia o sucesso de um país. Porém, uma maré conservadora passou pelo mundo (os casos mais notáveis sendo Brasil, EUA e Inglaterra). O problema é que nessa freada muita gente derrapou na curva: o nosso Brasil, tadinho, está voltando de ré. Esse conservadorismo exagerado — que na verdade nem é conservadorismo, e sim reacionarismo — trabalha nas pessoas pelo medo, e claro, o mais afetado é o novo, o diferente, o desconhecido.

Sinceramente, dane-se a urna! Pode ser de papel — vai ser pior, é claro — mas funciona também, afinal é feito na maior parte do mundo. Esse é um problema maior, pois acelerar para um povo significa menos gente morrer, melhor qualidade de vida, adaptar-se a novas conjunturas (não é à toa que os maiores negacionistas climáticos são também reacionários na política). Foi a urna, mas também foram vacinas não tomadas e mascaras não usadas.

Como era antes da urna eletrônica no Brasil. Foto: Paulo Franken/Agencia RBS

Donald Trump acusou de fraude as urnas de papel, Bolsonaro acusa as eletrônicas. O motivo? Medo de perder e recusa em aceitar a derrota. Líderes antidemocráticos, quando fracos, apelam. Jair Bolsonaro apela porque sabe que muito provavelmente vai perder, e é mais fácil acusar o sistema que atestará sua derrota do que trabalhar pela vitória — até porque no caso dele essa causa já está quase perdida. Derrotar Bolsonaro tem que ser o começo, mas não pode ser o fim. A formação de uma sociedade mais aberta, consciente e crítica é dever de toda uma geração.

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Felipe de Rossi Audibert
Revista Brado

eng-elétrica UFES, Aluno LabTel, membro da Vitória Baja e colunista de ciência e tecnologia da revista Brado.