Por que NÃO tomar a vacina?

Saiba mais sobre o que pretendem injetar no seu corpo

Isabela Siyao Chen
Revista Brado
9 min readFeb 12, 2021

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Foto: Pixabay

O assunto que começou em 2020 se tornou realidade em 2021: hoje temos finalmente entre nós as primeiras vacinas contra a Covid-19, mas ainda assim vemos uma grande onda de resistência e negacionismo que inibe aqueles que não conhecem o seu funcionamento. O conceito básico da vacina surgiu a partir de outra epidemia que assolou o mundo no século XVIII, a de varíola, que tinha uma taxa de mortalidade que variava de 10 a 40%. Ali descobriu-se que sobreviventes da doença não a contraíam outra vez, levando à ideia de provocar a enfermidade em sua forma branda para que fosse evitada a infecção mais grave.

Dr. Jenner realizando a vacinação em James Phipps, um garoto de oito anos de idade. 14 de maio de 1796. Pintura de Ernest Board (início do século 20)

Essa prática ficou conhecida como variolação, sendo creditada sua aplicação inicial feita por chineses, mas que era conhecida também dos povos africanos e asiáticos, como hindus, egípcios, persas e árabes. Contudo, sua história clássica remonta o ano de 1798, no qual o médico inglês Edward Jenner observou um padrão de imunidade para a varíola entre os ordenhadores contaminados pela Cowpox, doença branda semelhante à varíola que atingia o gado. Com isso, Jenner inoculou em um garoto de 8 anos o pus retirado da pele de uma ordenhadora que sofria com a doença. Ele então contraiu a infecção e se recuperou rapidamente, criando imunidade para a varíola.

Imagem: Reprodução | “Registros indicam que a variolação foi praticada pelos chineses desde o século XV. Eles praticavam variolação por insuflação nasal — essencialmente, você sugava algumas coisas pelo nariz. Esse “material” era geralmente crostas de varíola em pó. Era importante que as crostas fossem retiradas de alguém com um caso leve de varíola e que as crostas fossem secas — se fossem muito frescas, o “variolado” poderia ficar bastante doente”.

Enquanto isso, no cenário brasileiro, as primeiras ações de imunização datam de 1804, mas o primeiro programa de vacinação ocorreu somente em 1903, sendo através do Sistema Único de Saúde (SUS), por meio do Programa Nacional de Imunização (PNI) atuante no país desde 1973, dois anos depois que foi zerado o número de casos de varíola em 1971, e com capacidade de disponibilizar gratuitamente para toda a população brasileira mais de 42 tipos de imunobiológicos e 25 vacinas.

Todavia, em retrospectiva, com um cenário da grande incidência da varíola no Brasil, o médico sanitarista Oswaldo Cruz, nomeado em 1903 como diretor geral de Saúde Pública graças ao seu trabalho na erradicação da Febre Amarela no Rio de Janeiro, adotou uma vacinação autoritária e violenta com objetivo de frear a onda crescente da doença, entrando nas casas e vacinando à força as pessoas presentes, e consequentemente provocando indignação e relutância ao método imunizante, cujas reações entraram para a história como a Revolta da Vacina.

Imagem: Leonidas/Acervo Fiocruz | “A charge da revista O Malho, de 29 de outubro de 1904, parecia prever a revolta que se instalaria na cidade poucos dias depois: nem com um exército, o “Napoleão da Seringa e Lanceta”, como muitos se referiam a Oswaldo Cruz na época, conseguia conter a fúria da população contra a vacinação compulsória.”

Em 8 de maio de 1980, a 33º Assembleia Mundial da Saúde teve o prazer de declarar oficialmente que “o mundo e todos os seus povos estão livres da varíola”, sendo resultado de um esforço global de 10 anos, liderados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em conjunto com profissionais de saúde do mundo todo para administrar meio bilhão de vacinas contra a varíola. A humanidade só foi capaz de se livrar da doença devido à solidariedade global e ao desenvolvimento da ciência em criar uma vacina segura e eficaz, trazendo junto a si a esperança de erradicação de outras doenças infecciosas.

“Enquanto o mundo confronta a pandemia de Covid-19, a vitória da humanidade sobre a varíola é um lembrete do que é possível quando as nações se reúnem para combater uma ameaça comum à saúde”. — Tedros Adhanon Ghebreyesus (diretor-geral da OMS-2020).

Imagem: The Jenner Trust | “Esta foto — um vacinado contra varíola e outro que não havia sido vacinado — foi publicada em 1901 e tirada pelo Dr. Allan Warner no Hospital de Isolamento de Leicester”.

A lógica do propósito da vacina é bem simples e objetivo. Ela é um método imunológico artificial e ativo que busca estimular o organismo a produzir anticorpos contra um determinado patógeno, principalmente bactérias e vírus. Podemos inferir que o sistema imunológico humano é uma cadeia complexa de reações que criam anticorpos por meio da ação das células de memória que identificam um antígeno específico e sinalizam a produção desses anticorpos que neutralizam a ação do invasor, de forma a induzir uma defesa sem precisar ficar previamente doente.

A vacinação é um dos métodos mais seguros, baratos, fáceis e eficazes para proteger a população mundial de várias doenças, porém ainda não é de acesso democrático, principalmente para os países mais desfavorecidos. Segundo a OMS e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), mais de 20 milhões de crianças no mundo não receberam em 2018 vacinas básicas como sarampo, difteria e tétano, e consequentemente foram comprovados no mesmo ano mais de 350 mil casos de sarampo mais que o dobro dos casos registrados em 2017.

A importância da vacina não se restringe à proteção individual, mas principalmente à proteção comunitária, uma vez que reduz a circulação do patógeno e a chance de contágio daqueles que não podem tomar a vacina devido a alergia a componentes do imunizante ou outras limitações como doenças imunossupressores e medicamentos. Segundo estimativas da OMS, a vacinação em massa evita pelo menos 4 mortes por minuto ou um total de 2 milhões de vidas por ano, enquanto a Universidade de Oxford estima 5 milhões de vidas salvas anualmente ao redor do mundo. Além disso, uma pesquisa de 2017 da Universidade da Carolina do Norte estima que entre 2001 e 2020, os Estados Unidos economizaram US$ 350 bilhões em custos com tratamento graças à vacinação –aproximadamente R$ 1,8 trilhão. Além disso, a vacinação em massa é uma aliada na prevenção contra o surgimento de novas mutações que ocorre de forma imprevisível, ou seja, quanto maior for a cobertura vacinal, menor será a circulação viral, e consequentemente, as chances de surgimento de novas cepas do vírus, uma vez que o número de replicações será significativamente menor.

A segurança da vacina não a exime de efeitos colaterais, no entanto eles são mínimos e não fatais, fazendo com que os benefícios a longo prazo compensem qualquer reação adversa temporária, como febre, dor e mal-estar. Todas as vacinas passam por uma série de estudos com alto rigor e fiéis ao método científico, com testes e avaliações antes de serem liberadas para a população, garantindo a total segurança e eficácia em seu funcionamento. No território brasileiro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é a responsável pela regulamentação, monitoramento contínuo e aprimoramento das vacinas.

Imagem: Ministério da Saúde/Brasil

O fator mais importante para desmitificar a vacina é estudar e pesquisar mais sobre. As vacinas não causam mais doenças do que previnem, pois todas passam por testes extremamente rigorosos antes de chegarem à população. Algumas vacinas também ajudam a prevenir câncer, como aquelas que imunizam contra as hepatites e HPV, evitando tumores no fígado e no colo de útero, respectivamente. E, principalmente, as vacinas NÃO SÃO um instrumento de controle da indústria farmacêutica e não podem causar autismo em crianças. Para essa última afirmação é necessário um esclarecimento histórico, uma vez que reverbera até os dias atuais.

Em 26 de fevereiro de 1998, o médico Andrew Wakefield apresentou uma pesquisa publicada na revista científica Lancet expondo 12 crianças que desenvolveram comportamentos autistas e inflamação intestinal, tendo em seus organismos vestígios de vírus do sarampo, correlacionando-o com a vacina MMR, que protege conta sarampo, rubéola e caxumba, aplicada em 11 das crianças do estudo. A hipótese principal da pesquisa é de que a vacina poderia ter causado esses problemas, o que foi suficiente para que muitas famílias deixassem de vacinar contra as doenças citadas anteriormente e fizesse com que o temor se alastrasse para o resto do mundo.

Imagem: Reprodução

Contudo, em 2004, o Instituto de Medicina dos EUA concluiu que não havia provas para inferir que o autismo tivesse relação com o timerosal, componente das vacinas que foi, inclusive, retirado em 1992 na Dinamarca, ao mesmo tempo que o autismo estava mais prevalente do que nunca no país. Além disso, foi descoberto no mesmo ano, mas antes da publicação do artigo na Lancet, Wakefield havia realizado um pedido de patente para uma vacina contra sarampo que concorreu com a MMR, expondo um conflito de interesses, em conjunto com a exposição de uma falha em sua pesquisa original, cujo médico auxiliar disse publicamente que não haviam encontrado o vírus em nenhuma das 12 crianças do estudo e que o Wakefield ignorou essa informação para que não prejudicasse a tendência do estudo. Dessa forma, em 2010 o Conselho Geral de Medicina do Reino Unido julgou o médico “inapto para o exercício da profissão” e a Revista Lancet se retratou uma década depois, afirmando que as conclusões do estudo eram falsas.

Imagem: Reprodução | Estojo médico de vacinação

Outro fator importante é que o mercúrio que contém no timerosal, utilizado como conservante em vacinas multidoses, não é perigoso. Ele é empregado desde 1930 com o objetivo de evitar contaminação por outros microrganismos, como os fungos, sendo recomendado pela OMS por considerar o mercúrio seguro e não cumulativo, uma vez que o organismo é capaz de o eliminar rapidamente. Não obstante, vale lembrar que mesmo que as doenças evitáveis por vacinas estejam quase erradicadas em um país, não significa que não há razão para se vacinar. Muito pelo contrário: são as vacinas que evitam a propagação e a reincidência de casos, até porque aplicar mais de uma vacina, nem que seja ao mesmo tempo, não aumenta o risco de eventos adversos e nem sobrecarga do sistema imunológico.

Com a pandemia da Covid-19, não só a área da saúde, como a população toda sentiu a importância e a necessidade das vacinas para que possamos reconquistar e manter nossos hábitos, independência e rotinas de forma saudável e segura. É indubitável a falta que faz o contato humano e a liberdade de ir e vir sem medo de se infectar e infectar pessoas ao nosso redor, principalmente pessoas queridas por nós. Até porque, mesmo depois de um ano, a pandemia não acabou, mas estamos próximos de controlá-la, mas isso requer que cada um de nós façamos nosso papel e assumamos o compromisso social de se vacinar para cuidar de si e do próximo, de saber que mesmo com vacina ainda devemos usar máscaras e evitar aglomerações.

Imagem: REUTERS/Thomas Peter | Vacina Coronavac

É hora de se posicionar a favor da vida, principalmente quando o alto escalão do governo não é competente para fazer o mínimo, buscando meios de democratizar e conscientizar as pessoas em relação à importância das medidas sanitárias, da vacinação, do cuidado com o próximo, de forma que seja acolhedor e não julgadora, até porque o movimento anti-vacina no Brasil não é forte; aqueles que estão negando negam mais por medo, e nada melhor para combater o obscurantismo como a luz do conhecimento e a empatia.

Façamos nossa parte e assumamos a nossa responsabilidade por um mundo melhor e mais consciente, defendam o SUS e tomem as vacinas, não só os contra o COVID-19, mas todos os indicados e recomendados pelos profissionais da saúde.

Afinal, por que não tomar a vacina?

Nota de rodapé

Para saber mais sobre a importância do SUS na saúde pública brasileira, acesse o texto também publicado na Revista Brado: “SUS: Até qual ponto vale mesmo a pena defender?”. Caso tenha interesse pelo tema, clique aqui para acessar.

Para saber mais sobre as vacinas estudadas em 2020 contra a COVID-19 e outros avanços da medicina, acesse o texto também publicado na Revista Brado: “Os avanços da Medicina em 2020”. Caso tenha interesse pelo tema, clique aqui para acessar.

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Isabela Siyao Chen
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(爱)| Amarela | Paulista | Acadêmica de Medicina | Ambientalista | Voluntária | Colunista da Revista Brado | Um Mistério em Várias Línguas |