Poelatria

A obra reunida de Leonardo Fróes, a poesia mística dos Evangelhos e a festa de um homem só de Lao Ma

Bravo!
Revista Bravo!
3 min readAug 24, 2021

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O tradutor Marcelo Musa Cavallari

Por Carlos Castelo

A quinzena foi de intensas leituras. Desde lançamentos importantes até livros que já saíram há um tempo, mas merecem figurar nas melhores listas. Como sempre fazemos na coluna, não distinguimos obras de poesia de livros em prosa poética, microcontos ou outras formas breves. Lembrando que O Spleen de Paris é uma colcha de fragmentos, mas foi escrito por Charles Baudelaire.

Para começar, a Editora 34 saiu com a Poesia Reunida (1968–2021), de Leonardo Fróes. Recentemente falamos do autor em Poelatria pela passagem de seus 80 anos. Fróes menciona a natureza não apenas como mero observador, mas em comunhão com ela. Também bebeu bastante na literatura oriental de onde recria alguns de seus poemas, como este abaixo, do livro Argumentos Invisíveis (1995). O texto pode ser lido também como um autorretrato do autor.

Maluco cantando nas montanhas

(baseado no poeta chinês Po Chü-i — 772–846)

Todo mundo nesse mundo tem a sua fraqueza.
A minha é escrever poesia.
Libertei-me de mil laços mundanos,
mas essa enfermidade nunca passou.
Se vejo uma paisagem bonita,
se encontro algum amigo querido,
recito versos em voz alta, contente
como se um deus cruzasse em meu caminho.
Desde o dia em que me baniram para Hsün-yang,
metade do meu tempo vivi aqui nas montanhas.
Às vezes, quando acabo um poema,
subo pela estrada sozinho até a Ponta do Leste.
Nos penhascos, que estão brancos, me inclino:
puxo com as mãos um galho verde de cássia.
Vales e montanhas se espantam com meu louco cantar:
passarinhos e macacos acorrem para me espiar,
eu que, temendo me tornar para o mundo motivo de chacota,
tinha escolhido esse lugar, aonde os homens não vêm.

A poesia também está nos livros sagrados. É o caso de Os Evangelhos — Uma Tradução, realização de fôlego de Marcelo Musa Cavallari.

Para o tradutor, “assim como a Ilíada ou Os Sertões, o Evangelho, em suas quatro versões, é uma obra literária. A Ilíada se refere a uma guerra que pode ter sido um fato histórico. De qualquer modo ela se refere ao mundo grego arcaico e dá acesso a uma enorme gama de conhecimentos sobre a vida nesse mundo. Os Sertões relata a Guerra de Canudos e é o principal instrumento para entender esse evento histórico do Brasil. Nenhuma das duas obras, no entanto, se esgota nessa função transitiva de dar acesso a informações. Como obras de arte, é na fruição delas que se justificam. A leitura de seus textos, a própria experiência de ler os textos, é insubstituível. É no ato da leitura que uma obra literária vem a ser. Lê-se, nesse sentido, pouco o Evangelho.”

Sem dúvida é uma grande surpresa e um arrebatamento ler, do original grego, Mateus, Marcos, Lucas e João. Poesia em estado místico.

Por último, mas não menos importante, A Festa de um Homem Só, de Lao Ma. É uma reunião de cinco célebres livros deste que é considerado o pai do microconto chinês. Já traduzido em diversos idiomas, e agora em português por Caio Yurgel, Ma é um mestre em mesclar verdadeiras aulas de História de seu país com o prazer da leitura.

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