Olavismo cultural: Uma seita?

O olavismo cultural tem o poder de subverter a boa moral e civilidade das pessoas em algo completamente imoral e incivilizado — poderia chamar esse processo de barbarização das pessoas, ou lavagem cerebral mesmo.

Revista Machado
Revista Machado
7 min readApr 15, 2023

--

pessoas que nunca mudam e envelhecem sendo verdadeiras crianças no quesito moral e intelectual, ou meros idiotas com sofomonia. É fato inconteste entre pessoas já crescidinhas que o amadurecimento é um longo processo de mudanças, pequenas ou grandes, que faz com que percebamos o quão estúpidos éramos quando comparamos o nosso eu de agora com o eu de algum tempo do passado. Não consigo imaginar ser a mesma pessoa que eu era há três meses atrás, que dirá há dez anos! Estamos sempre aprendendo e mudando nossas opiniões, para o bem ou para o mal, e Deus permita que seja para o bem.

Eventualmente vamos nos equivocar, mas não é para isso mesmo que vivemos? Temos apenas uma vida e qual a graça disso tudo se fôssemos sempre os mesmos? Talvez por medo haja pessoas que nunca mudem de opinião, forçando a ser uma versão de si mesmas que já não cabe mais, apenas por medo de uma turba ínfima, mas barulhenta e desagradável, julgá-las como assim ou assado. Às favas todas essas pessoas! Quando mais novo, pensava que todas as minhas opiniões, elas todinhas, eram absolutas e ai quem discordasse de mim. Olhando em retrospecto, vejo o quão mesquinho e insuportável e burro e equivocado eu era. E se não houvesse a chance de mudar, que horror seria me suportar. Já é difícil suportar essa versão de mim, que ainda está inacabada, imagina ter que suportar uma versão fétida e rabugenta como era o meu eu de passados não tão longínquos? Certo que a juventude é um poço de burrices disfarçadas de certezas, o que dá no mesmo, e tudo faz o maior sentido do mundo, e todos são os vilões quando nós somos os mocinhos, os inteligentinhos, os únicos que possuem uma verdade que ninguém mais possui, e por isso mesmo aqueles pobres coitados precisam ser salvos e iluminados com a verdade. Sim, eu sei de tudo isso. Já fui assim. E, infelizmente, percebo que é algo universal e atemporal, já que conheço alguns que são pequenos jovens e estão, nesse exato momento, mergulhados nesse poço pútrido e repleto de certezas que os fazem se sentirem como pertencentes a uma classe iluminada, quase como uma seita, de salvadores do ocidente e cavaleiros templários modernos montados em jegues. Por falta de aviso é que não foi, e assisto a esse espetáculo de horror, nada digno de Shakespeare, com tamanha tristeza.

Olavo de Carvalho iludiu milhares, dos quais eu fui o mais iludido.

Existe uma seita que cooptou a atenção e os afetos de jovens que se sentiam mal representados em suas igrejas, assim como também em campo político. Uma figura inusitada, mas com boa oratória e bastante carismática, conquistou o coração desses jovens pela irreverência e mistura de conhecimentos intelectuais, que a colocariam como a mais importante figura brasileira do século. Olavo de Carvalho iludiu milhares, dos quais eu fui o mais iludido. No entanto, continua a iludir e cooptar para a sua seita discípulos que o veneram e o imitem em tudo o que há de mais caricato e desprezível. O olavismo cultural, seita cultural-política-religiosa, tem o poder de subverter a boa moral e civilidade das pessoas em algo completamente imoral e incivilizado — poderia chamar esse processo de barbarização das pessoas, ou lavagem cerebral mesmo. Olavo escrevia brilhantemente e tinha uma autoestima elevadíssima, o que permitia se autoproclamar como o mais importante filósofo brasileiro vivo, mesmo este não frequentando a Academia, tampouco tendo o reconhecimento de seus pares. Mas se vendia assim e muitos compraram essa imagem. Fui um desses, lá pelos idos de 2014 — época em que descobri a política e queria aprender mais sobre o assunto.

E o que estava ao meu alcance era esse senhor que morava na Virginia, EUA. Tornei-me um olavista, acreditando em tudo o que o líder da seita dizia, até que anos mais tarde comecei a reavaliar meu comportamento raivoso e, consequentemente, me afastar das bravatas e baixarias ditas por aquele que se auto proclamava o ser mais inteligente do Brasil, na época. Obviamente, minha descrença na figura infalível e inspirada de Olavo de Carvalho me rendeu alguns comentários irônicos, mas não tão ácidos. Até que a minha oposição ao então presidente Bolsonaro, criatura, em parte, moldada pelo Olavo, jogou a pá de cal na minha reputação diante dessas pessoas. De alguém que era querido e exercia influência sobre um círculo de jovens, dos quais alguns eram muitíssimos íntimos, passei a ser visto como alguém a ser evitado, demonizado e, finalmente, descartado. Tudo porque cometi a blasfêmia de criticar duramente Olavo-Bolsonaro, fusão essa que é mais conhecida como bolsolavismo.

Estes mesmos que se dizem cultos, se auto proclamam intelectuais, são os que mais atacam a intelectualidade, a Academia, enfim, a Verdade.

Essa é, em parte, um pouco da minha história pessoal recente. Mas também uma crítica ao movimento que tomou conta do debate público brasileiro, inferiorizando e desmoralizando-o ao máximo, com suas figuras simplórias e caricatas, divulgadoras de informações falsas, manipuladoras e ávidas para extrair cada centavo do povo pobre, que estava desiludido quanto à política brasileira, e que ansiava por um salvador — ou salvadores — em quem confiar, mesmo que isso significasse um culto reacionário a tudo quanto é atraso, além de uma idolatria doentia que resultaria em atentados nunca antes vistos na História recente do Brasil.

Estes mesmos que se dizem cultos, se auto proclamam intelectuais, são os que mais atacam a intelectualidade, a Academia, enfim, a Verdade. Pois ao criar uma verdade paralela de um Brasil Paralelo, os salvadores da nação e do Ocidente querem mesmo é poder político e monetário, vendendo cursos sem credibilidade alguma, com o fim último de formar uma nova leva de “intelectuais” para combater o que eles chamam de “marxismo cultural”. Termo este inventado e que não encontra embasamento algum, além, claro, naquilo que eles acreditam ser a verdade máxima — de uma realidade inexistente. Vale ressaltar que, para os adeptos dessa seita, a verdade liberta — mas para ser liberto mesmo, é preciso se inscrever em um seminário online de filosofia ad eternum, que promete aquilo que não pode cumprir, e engana quem quer ser enganado.1

Olavo não era um católico ortodoxo — já que ele era um grande admirador e difusor das ideias perenialistas, mais conhecida como tradicionalismo.

Mas por que o olavismo cultural seria uma seita? Porque, creio, há muitas semelhanças com aquilo que é próprio das seitas: Uma espécie de esoterismo, em que os adeptos se sentem atraídos e logo conhecedores de uma verdade que poucos têm acesso; o caráter religioso da coisa; a figura de um líder inquestionável; o sentimento de pertencimento; uma retórica “nós” contra “eles”; o uso de linguagem de ideologias que o líder, de certa forma, respeita; o pensamento único, que não tolera divergências; etc etc.

O olavismo tem como base, se assim posso dizer, ou liga, o catolicismo romano. A maioria dos seus adeptos são católicos, embora uma parcela significante seja de protestantes que flertam com o catolicismo romano. Embora haja essa influência da religião católica, Olavo de Carvalho era um crítico contundente do Papa Francisco e não poupava acusações contra a Igreja Católica. Mas na realidade, Olavo não era um católico ortodoxo — já que ele era um grande admirador e difusor das ideias perenialistas, mais conhecida como tradicionalismo.2 Ou seja, contradições atrás de contradições. Este é o olavismo cultural. Os que romperam com a seita são vários e foram perseguidos pelos bárbaros culturais com a aprovação do líder, que começava com os ataques e deixava sua horda terminar o trabalho sujo.

Todavia, em algum momento esse projeto não se sustentou em pé, pois impossível de ser realizado, e os resultados foram os mais trágicos possíveis.

Olavo não poupava ninguém que o criticasse e, caso fosse mesmo um grande filósofo, rebateria as críticas com embasamento teórico; mas o que fazia o “professor”? Recorria aos níveis mais baixos que uma discussão pode chegar, usando de argumentos ad hominem. Que ele tenha certo conhecimento e escreva bem, vá lá; mas isso não anula o fato de que ele só sabia xingar as pessoas, numa espécie de cortina de fumaça, enquanto as críticas eram deixadas em segundo plano, pois no fundo Olavo sabia que estava sendo refutado. Talvez o seu medo tenha sido o de ser revelado como uma grande farsa e perder o status de líder de algo que nem ele mesmo sabia ao certo o que era. Que sua intenção era formar uma nova elite cultural, isso é fato. Todavia, em algum momento esse projeto não se sustentou em pé, pois impossível de ser realizado, e os resultados foram os mais trágicos possíveis. Ora apoiava o Bolsonaro, se oferecendo a ajudá-lo como se fosse mesmo um guru, indicando nomes para ministérios do ex-presidente, ora tentava se afastar do mesmo, xingando-o como era sua práxis, e fingindo que não havia influenciado ideologicamente o governo Bolsonaro. Mas quem ousasse apontar suas incoerências, era execrado pela horda olavista. E vimos esse movimento ganhar força até mesmo dentro de grupos evangélicos reformados.

Este pequeno ensaio não daria conta de abordar sobre todos os aspectos e faces do olavismo cultural, tampouco sobre a figura do Olavo de Carvalho. Foi uma tentativa de síntese sobre o período que o movimento se tornou mais evidente e forte, entre 2018–2020. Há muito o que desfazer no quesito cultural quando se trata do olavismo, visto que alguns projetos (Brasil Paralelo, p. ex.) obtiveram êxito, trazendo alguns danos à sociedade brasileira. Sem falar nas mentes cauterizadas por ideias de tempos medievais, uma exaltação de um estilo de vida que não encontra sentido algum (jovens se vestindo como europeus dos séculos XX e XIX, numa pantomima trágica e de mau gosto), e uma repulsa pela Academia e por qualquer instituição sólida, num rompante tosco reacionário-revolucionário de aniquilamento daquilo que é constitucional.

Ao fim e ao cabo, resta dizer que Olavo não tinha e jamais terá razão.

1 Quão obscurantista é o emplasto filosófico de Olavo de Carvalho? Disponível em: <https://diplomatique.org.br/resposta-a-pergunta-quao-obscurantista-e-o-emplasto-filosofico-de-olavo-de-carvalho/>.

2 SPLENDOR, Veritatis. Sobre o Perenialismo. Disponível em: <https://www.veritatis.com.br/sobre-o-perenialismo/>.

Allenylson Ferreira, idealizador e editor da Revista Machado.

--

--