Cordão policial bloqueando cruzamento entre a Avenida Norte e a Avenida Pennsylvania. Baltimore, Maryland, 28 de abril de 2015.

Retratos da Revolta de Baltimore

Os rostos de quem acompanha de perto as reações à tragédia da cidade

Daniel Salgado
Revista Poleiro
Published in
7 min readMay 8, 2015

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Por Amy K. Nelson
Tradução por Daniel Salgado

apenas algumas horas a procuradora da cidade de Baltimore, Marilyn Mosby, anunciou que seu gabinete iria indiciar, inclusive por assassinato, os seis policiais envolvidos na morte de Freddie Gray.

Mosby salientou que a prisão de Gray pela polícia de Baltimore foi ilegal. “Nenhum crime tinha sido cometido”, assegurou ela. Hoje, gritos por justiça podiam ser ouvidos por toda a cidade — as pessoas ganharam uma razão para acreditar em um sistema que, no passado, não as fazia se sentirem contempladas.

A prudência da declaração de Mosby chega no fim de uma semana complicada e estranha em Baltimore. Eu gostaria de compartilhar com vocês minha experiência fotografando as ruas nesses últimos dias e de explicar como meus retratos se colocam ao lado — ou mesmo a despeito — das narrativas dominantes que surgiram em Baltimore nesta semana e foram alvo de atenção nacional.

Moradores da cidade de Baltimore e policiais do Departamento de Polícia da cidade fotografados nos arredores do cruzamento da Avenida Norte com a Avenida Pennsylvania. Baltimore, Maryland, 29 de abril de 2015.

Voltando cinco dias no tempo

Segunda à tarde, depois que as escolas da cidade liberaram os alunos, o Departamento de Polícia de Baltimore fechou um importante terminal de ônibus no Mondawmin Mall. Adolescentes foram colocados para fora dos ônibus à força com base em um vago boato de que aconteceria um “expurgo” em retaliação à morte de Freddie Gray. Após acabar com os meios de transporte dos jovens, a polícia então usou uma acusação de “vagabundagem” como motivo para avançar a todo o vapor contra o tumulto, o que levou a um conflito que resultou em uma revolta em larga escala. Violência e saques se espalharam em direção ao centro, ferindo policiais e deixando uma loja e diversos veículos em chamas.

Meus estudantes de fotografia no MICA e eu fotografamos a manhã de terça-feira para documentar e apoiar as vítimas desses trágicos eventos. Vimos diversas comunidades e voluntários contribuindo, limpando as ruas e apoiando uns aos outros. Também vimos muitas lojas com as vitrines quebradas e uma farmácia que estava completamente queimada, de cima a baixo, com seus produtos fundidos em escombros indiscerníveis. Apesar disso, no meio de tudo havia famílias com crianças pequenas ajudando a varrer os cacos de vidro, voluntários distribuindo sacos de lixo e garrafas d’àgua e mais credenciais de imprensa do que poderiam ser contadas. Havia líderes comunitários passando de mão em mão formulários de registro para votação visando encorajar o engajamento cívico.

Moradores da cidade de Baltimore e policiais do Departamento de Polícia da cidade fotografados nos arredores do cruzamento da Avenida Norte com a Avenida Pennsylvania. Baltimore, Maryland, 29 de abril de 2015.

Avenidas Norte e Pennsylvania

Nós assistimos ao deslocamento em massa da polícia para a intersecção das avenidas Norte e Pennsylvania — de alguns poucos oficiais quando chegamos para mais de 100 no espaço de uma hora. Isso os levou a fechar o quarteirão, expulsando todos os que tentavam ajudar pacificamente.

A polícia, então, começou a impedir a passagem na quadra— 27 oficiais vestidos com equipamento anti-protesto estavam lado a lado — enquanto continuava a se organizar por trás da linha. Então, os policiais colocaram uma equipe de franco-atiradores em um telhado próximo enquanto zuniam com um helicóptero, deixando a multidão ansiosa e nervosa. Meus alunos não estavam mais se sentido seguros, então decidimos ir embora em grupo.

Eu voltei naquela noite e encontrei 26 cidadãos formando uma parede humana que separava a multidão da polícia, para proteção de ambos os lados. Meu coração estava apertado durante todo o dia, mas se acalmou frente a esse espírito de altruísmo e generosidade.

Na quarta-feira à tarde, os moradores da cidade ainda estavam no cruzamento, esperando e observando. O Departamento de Polícia também estava lá, esperando e observando, mas desta vez vestindo seus uniformes padrão. A mídia nacional estava por toda a parte, ultrapassando o número de oficiais e entrevistando os moradores. O que os jornalistas diziam parecia focar a incitação do medo, não a minha cidade.

Cansado da abstração das narrativas midiáticas, eu queria observar com cuidado e retratar indivíduos. Eu perguntei a cada oficial do BPD que encontrei entre quarta e quinta-feira se eu poderia retratá-lo e o fiz com todos que consentiram.

Eu também fiz retratos dos membros da comunidade que toparam. Na noite da quarta-feira, eu tirei fotos dos membros da Guarda Nacional que foram convocados pela declaração de Estado de Emergência. Na noite de quinta, fui à prefeitura e circulei pelos acampamentos da mídia, tirando retratos do quarto poder*.

Membros da Guarda Nacional encontrados no cruzamento da Avenida Norte com a Pennsylvania. Baltimore, Maryland, 29 de abril de 2015.

Me parece importante mostrar os rostos de todos esses grupos que são abstraídos na cobertura da mídia nacional e também examinar as figuras da mídia que estão moldando nossas histórias. Tenho suspeitas sobre narrativas simples e acho que a verdade é muito mais complicada. Espero que esses retratos encarnem a complexidade de Baltimore e tragam nuances para as narrativas que circundam os eventos. Essas fotografias são uma pequena maneira de conhecer minha cidade a partir do chão nessa época difícil.

Depois de tantos homicídios recentes de homens negros pelas mãos da lei, é de se esperar que comecemos a questionar o que teve de acontecer para que uma acusação de assassinato finalmente pudesse gerar algum resultado. Infelizmente para Freddie Gray e sua família, a sua vida foi o preço para que descobríssemos.

Espero que um processo íntegro nas cortes e uma justiça que pareça correta para todos os cidadãos possam ser o começo de um lento processo de reconciliação e reforma do sistema. Meu coração está com Baltimore.

Nate Larson é um artista e educador que vive em Baltimore. Leciona no Maryland Institute College of Art (MICA) desde 2009.

Originalmente publicada na Vantage, essa tradução faz parte do Especial Outros Voos — A Revolta de Baltimore. Selecionamos os melhores textos da comunidade americana do Medium abordando os desdobramentos do assassinato de Freddie Gray com o intuito de construir um retrato mais diverso sobre o que está acontecendo nos Estados Unidos em resposta ao trágico incidente.

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