LUTE COMO UMA GAROTA: Sojourner Truth

“E não sou uma mulher?”

Mayra Chomski
Revista Subjetiva

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Série inspirada no livro “Lute como uma garota: 60 feministas que mudaram o mundo”, de Laura Barcella e Fernanda Lopes, publicado pelo Grupo Editorial Pensamento.

Semana passada começamos nosso especial contando a história da escritora, filósofa e defensora dos direitos das mulheres Mary Wollstonecraft, que foi considerada uma das primeiras feministas do mundo, que viveu apenas 38 anos devido a complicações pós parto em 1797. Neste mesmo ano, em Ulster, Nova York, vinha ao mundo a pequena nascida escrava Isabella Baumfree. Anos mais tarde, Isabella se tornaria a abolicionista, escritora e ativista pelos direitos da mulher, Sojourner Truth, a primeira ex-escrava americana a vencer uma causa em Tribunal.

Sojourner Truth (1797–1883)

Sojourner Truth, nascida escrava e com o nome de Isabella Van Wagenen, foi uma das 13 crianças de James e Elizabeth Baumfree, também escravos como todos seus irmãos que foram vendidos antes que ela os conhecesse. Aos nove anos é comprada em um acordo, de 100 dólares, por John Neelys. Nas mãos desse senhor, a menina passa os piores momentos de sua vida, em que foi espancada e estuprada. Dois anos depois é vendida por 105 dólares a Martinus Schryver, de Port Ewen, onde fica por 18 meses em sua posse e depois é vendida em 1810 por 175 dólares a John Dumont, de West Park, Nova York.

Em 1815, Truth conhece um escravo da fazenda vizinha chamado Robert, porém o relacionamento é proibido por seu senhor, pois ele não queria que seu escravo tivesse filhos com uma escrava que não fosse sua. Por não obedecer seu senhor, Robert foi espancado e Truth nunca mais voltou a vê-lo. Dois anos depois, Truth é obrigada a se casar com um senhor mais velho, Thomas. Ao todo ela teve 5 filhos, Diana fruto do relacionamento com Robert e Thomas, Peter, Elizabeth e Sophia, filhos de Thomas.

A partir de 1799, o Estado de Nova York começa a estabelecer uma legislação em torno da abolição da escravidão. Com isso, Truth fica esperançosa, pois Dumont havia lhe prometido que daria a alforria um ano antes da emancipação promulgada pelo Estado, se ela se mante-se produtiva e fiel. Porém, Dumont não cumpre com sua promessa, colocando a culpa no ferimento da mão de Truth que a fez ficar “menos produtiva”.

Indignada, continua a trabalhar até fiar cinquenta quilos de lã e no final de 1826, foge levando apenas o filho mais novo, pois era o única que seria legalmente liberta de acordo com a lei de emancipação.

“Não fugi, pois pensava que fugir não era correto, mas me retirei, acreditando que isso estivesse nos conformes.”

Sem rumo, foge para o Canadá e encontra a família Van Wagener, que a acolhe, comprando seus serviços de Dumont. Ela vive com a família, com seu filho caçula, até o “New York State Emancipation Act” ser aprovado em 4 de julho de 1827. Os outros filhos ficaram sob a posse de Dumont, porém, Peter, de cinco anos, acaba sendo vendido ilegalmente por Dumont. Quando Truth toma conhecimento da venda, pede ajuda aos Van Wageners e recorre ao Tribunal. Todos, inclusive ela, sabiam que seria muito difícil ganhar na justiça, mas Truth sempre foi muito inteligente e persistente, então depois de meses de julgamento, ela se torna a primeira mulher negra a mover um processo contra um homem branco e ganhar. Este episódio a torna uma nova voz da luta das mulheres negras da época. Isabella, futuramente Sojourner Truth, torna-se uma das poucas grandes escravas líderes abolicionistas, no lado de outros abolicionistas como Harriet Tubman e Frederick Douglass.

Em 1844 ingressa na Northampton Association of Education and Industry, em Massachusetts, que foi fundada por abolicionistas, que apoiavam os direitos da mulher, tolerância religiosa e o pacifismo. Durante esse tempo, em suas viagens e na comunidade, Truth conhece figuras importantes do abolicionismo e do sufragismo, entre elas Susan B. Anthony, Harriet Beecher Stowe, William Lloyd Garrison e Olive Gilbert, que anos depois trabalhariam juntas na produção de sua auto-biografia “Narrative of Sojourner Truth: A Northern Slave” (A Narrativa de Sojourner Truth: uma Escrava Nortista).

“Narrative of Sojourner Truth: A Northern Slave”

No livro “Narrative of Sojourner Truth: A Northern Slave”, Sojourner ditou sua “narrativa” para a companheira feminista e abolicionista, Olive Gilbert. Publicado pela primeira vez em 1850, revela as diferenças marcantes entre a escravidão no norte e no sul. Por exemplo, enquanto condições hediondas pudessem ser encontradas em qualquer região, os escravos do norte eram muito mais isolados de outros afro-americanos e, portanto, mais psicologicamente dependentes de seus senhores. “A Narrativa de Sojourner Truth” se tornou um documento essencial da história norte americana, por conter o olhar de uma mulher inteligente, complexa, que sofreu sua vida inteira e ainda teve forças para lutar pelo direito de todos.

Entre 1861 e1865 acontece a Guerra Civil Americana, no qual coloca em lados opostos o norte e o sul dos Estados Unidos da América, onde uma das discordâncias entre os lados era sobre a abolição da escravidão em todo país. Truth vê a oportunidade de conseguir algo para os negros, então apoia ativamente as tropas negras durante a Guerra Civil e pressiona para que o governo desse em troca terras para esses soldados. Durante a guerra, tem a chance de conhecer dois presidentes, em 1864 conhece Abraham Lincoln na Casa Branca e depois conhece Ulysses S.Grant, na tentativa falha de conseguir doação de terras para ex-escravos.

“E não sou uma mulher?” — Sojourner Truth

Consagrada no meio abolicionista após sua auto-biografia, participa da Convenção dos Direitos da Mulher em Akron, Ohio em maio de 1851. Neste local realiza o célebre discurso “Ain’t I a Woman?”, que acontece no segundo dia da Convenção. Estavam presentes homens e mulheres de vários lugares do país. Os ministros da igreja começaram a se expressar sem pudor suas opiniões, falando que as mulheres não deveriam ter os mesmo direitos que os homens, pois são frágeis, inferiores intelectualmente e porque Jesus era homem e não uma mulher. Sojourner Truth que ouvia tudo em um canto da igreja, levanta-se e caminha em direção ao pódio e começa seu sermão direcionado a esses pastores e as mulheres brancas presentes, pois muitas das feministas brancas só enxergavam as próprias dificuldades, porque enquanto elas estavam lutando para poder trabalhar e votar, as mulheres negras já trabalhavam escravizadas a séculos sem direito algum.

Discurso de Sojourner Truth

Muito bem crianças, onde há muita algazarra alguma coisa está fora da ordem. Eu acho que com essa mistura de negros (negroes) do Sul e mulheres do Norte, todo mundo falando sobre direitos, o homem branco vai entrar na linha rapidinho.

Aqueles homens ali dizem que as mulheres precisam de ajuda para subir em carruagens, e devem ser carregadas para atravessar valas, e que merecem o melhor lugar onde quer que estejam. Ninguém jamais me ajudou a subir em carruagens, ou a saltar sobre poças de lama, e nunca me ofereceram melhor lugar algum! E não sou uma mulher? Olhem para mim? Olhem para meus braços! Eu arei e plantei, e juntei a colheita nos celeiros, e homem algum poderia estar à minha frente. E não sou uma mulher? Eu poderia trabalhar tanto e comer tanto quanto qualquer homem — desde que eu tivesse oportunidade para isso — e suportar o açoite também! E não sou uma mulher? Eu pari 3 treze filhos e vi a maioria deles ser vendida para a escravidão, e quando eu clamei com a minha dor de mãe, ninguém a não ser Jesus me ouviu!

E não sou uma mulher?

Daí eles falam dessa coisa na cabeça; como eles chamam isso… [alguém da audiência sussurra, “intelecto”). É isso querido. O que é que isso tem a ver com os direitos das mulheres e dos negros? Se o meu copo não tem mais que um quarto, e o seu está cheio, porque você me impediria de completar a minha medida?

Daí aquele homenzinho de preto ali disse que a mulher não pode ter os mesmos direitos que o homem porque Cristo não era mulher! De onde o seu Cristo veio? De onde o seu Cristo veio? De Deus e de uma mulher! O homem não teve nada a ver com isso.

Se a primeira mulher que Deus fez foi forte o bastante para virar o mundo de cabeça para baixo por sua própria conta, todas estas mulheres juntas aqui devem ser capazes de conserta-lo, colocando-o do jeito certo novamente. E agora que elas estão exigindo fazer isso, é melhor que os homens as deixem fazer o que elas querem.

Tradução do discurso por Osmundo Pinho.

Discurso de Sojourner Truth, ‘Ain’t I Woman?’ (Eu não sou mulher?) / Retirado da página do Coletivo Nuvem Negra

Sojourner Truth morre aos 84 anos, no dia 26 de Novembro de 1883, em Battle Creek, no Michigan. Dedicou toda sua vida em prol a causas que acreditava, viajando o país todo levando suas mensagens.

“Se a primeira mulher que Deus criou foi suficientemente forte para, sozinha, virar o mundo de pernas para o ar, estas mulheres juntas deverão ser capazes de lhe dar outra vez a volta e colocá-lo novamente direito. E agora que elas estão a pedir para fazer isso, é melhor que os homens o permitam.”

Sojourner Truth não teve uma vida fácil, e, como podemos ver, foi uma trajetória longa, de muito sofrimento, mas também de muita luta. Nascida como Isabella e escrava, não conheceu seus irmãos e nem teve muito tempo com seus pais. Fugiu de seu dono com um dos seus filhos no colo. Lutou contra o impossível sendo a primeira mulher negra a ganhar na justiça contra um homem branco. Converteu-se ao Cristianismo e viajou pelo país para ajudar nas causas abolicionistas e promover os direitos das mulheres. Na Convenção dos Direitos das Mulheres de Ohio, Truth fez o seu famoso discurso “Eu não sou uma mulher?”. Falou para muita gente sobre a escravatura, a reforma do sistema prisional, a pena de morte e os direitos das mulheres. Além de falar também atuou efetivamente recrutando soldados negros para a Guerra Civil. Essa foi a abolicionista, escritora, palestrante e ativista dos direitos da mulher, Sojourner Truth.

“Estou muito feliz ao ver que os homens estão conseguindo seus direitos, mas quero que as mulheres também consigam os seus, enquanto a água se agita, vou entrar nesse lago.”

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