O perigo por trás do conforto
Como a modernidade está atrasando a nossa evolução
Se fôssemos perguntar à uma pessoa jovem qual imagem de uma vida feliz ela tem, qual seria a resposta? Provavelmente, uma casa muito boa, um carro de última geração, um emprego de destaque, estabilidade financeira e (talvez) uma família perfeita. Essa é a definição de pleno conforto para muitos. Independente se essa pessoa já nasceu em um ambiente assim, ou trabalhou a vida inteira para conquistar cada item descrito acima, ela evidentemente estará feliz com tudo isso. O mundo é como um filme da Disney ou um comercial de margarina para ela, certo? Pelo menos aparentemente, sim. Mas será que isso é bom?
Ultimamente muito tem se estudado sobre os efeitos do conforto trazido pela modernidade na nossa vida. Praticamente não precisamos mais sair de casa, já que quase tudo está à nossa disposição à um clique de distância. E opção é o que não falta. Quanto mais possibilidades, maior é a dúvida sobre o que escolher. Isso se aplica a várias áreas da vida, desde uma simples peça de roupa à uma carreira profissional. E ao escolher apenas uma, cria-se uma ideia de que o que os outros escolhem sempre parece ser mais interessante. E advinha o que potencializa essa insatisfação e insegurança? As redes sociais de um modo geral (já foquei nesse assunto anteriormante).
A questão é que, na maioria das vezes, o conforto faz a pessoa se estagnar ou se acomodar. E isso vai acontecendo gradativamente sem ela perceber. A procrastinação começa a tomar conta, assim como a fragilidade e a insatisfação pelas coisas, até as mais insignificantes. Tudo parece incomodá-la. E quanto mais confortável, mais insatisfeita ela parece estar.
O ser humano é movido por sentimentos. Por mais que tentemos negar isso, buscar formas racionais de nos convencer do contrário ou tentar parecer o ser vivo mais racional de todos, no fundo somos sensíveis e altamente sentimentais. E é essa negação que muitas vezes nos impede de evoluir, já que qualquer problema emocional ou sentimental que tivermos deve ser encarado e lidado adequadamente, seja por conta própria (meditando, fazendo alguma atividade artística) ou, em um cenário mais grave (caso o indivíduo apresente um grau maior de ansiedade, fobia, pânico, paranoia, TOC, depressão e outros distúrbios que o impeça de fazer alguma atividade do dia-a-dia), com ajuda profissional.
Diversos estudos da área da psicologia e psiquiatria evidenciam essa correlação entre supressão emocional e transtornos mentais. Sentimentos negativos reprimidos por muito tempo uma hora pedem por atenção, e é extremamente necessário escutá-los nos momentos de breakdown ou meltdown (desestabilização emocional marcada por crises de choro).
Como já citei em um outro texto meu aqui no Medium, a vida tem formas peculiares e eficazes de nos ensinar lições valiosas. E através do sofrimento podemos aprender várias coisas. Desenvolvemos empatia, gratidão, paciência, compreendemos o verdadeiro sentido do amor próprio e amadurecemos com isso. Ignorar a dor e maquiá-la com distrações só a intensifica. Mas é exatamente isso que é difundido na nossa cultura, a ideia de que devemos nos divertir a todo momento, buscando refúgio em séries da Netflix, vídeos aleatórios do YouTube, nos stories do Instagram, e assim por diante. Afinal, ninguém quer chorar, não é mesmo?
Você tem noção de quanta importância é dada as coisas fúteis e superficiais que roubam o tempo das pessoas deixando-as cada vez mais solitárias ou miseráveis? E pelo fato de muitos desses efeitos serem subconscientes, logicamente elas não estão tomando uma posição ativa sobre o que acontece ao redor delas, mas sim passiva, deixando tudo o que é útil, importante e enriquecedor passar despercebido.
Esse é o perigo da zona de conforto, da praticidade e da instantaneidade. Não há evolução. Não se vê mais a apreciação do momento presente e do que está à volta das pessoas; elas estão muito focadas em não perder um post sequer com medo de ficar de fora do que está acontecendo na vida dos outros (o conhecido FOMO — fear of missing out), ou deprimidas demais por não terem a mesma vida que os outros têm (de filme da Disney ou comercial de margarina, e que na verdade é momentânea); ou ainda, estão sofrendo por antecipação, se sentindo sempre inferiores e “inadequadas”.
Muitos poderiam dizer que não há mais o que fazer, que o mundo está perdido e que estamos fadados a viver assim. Eu me atrevo a dizer o contrário. E por mais que não exista uma fórmula perfeita para resolver todos os problemas que estamos enfrentando atualmente, a esperança jamais vai morrer. Há sempre uma oportunidade para a mudança.
Antes de mais nada, é preciso reconhecer quem você é e qual a sua posição em relação ao que acontece na sua vida. Você sempre se permite ser influenciado nas tomadas de decisões? Sempre precisa pedir permissão ou busca a aprovação alheia? Você enxerga os problemas diários de forma passiva? Se a sua resposta for sim, então você tem vivido a vida dos outros ao invés da sua. A sua opinião e decisão deve levar em consideração os seus valores e não os de outra pessoa. Você não pode controlar o que os outros pensam de você e está tudo bem. Caso houver críticas, saiba distinguir as construtivas das destrutivas; sendo que as últimas vêm de um local de insegurança, medo e imaturidade. Tenha sempre isso em mente e não desperdice a sua energia.
Valorize o seu tempo e comece a refletir se todo esse conforto vale mesmo a pena. Uma hora nós vamos morrer, e tudo o que terá contado será justamente como utilizamos o nosso tempo. Abrir mão daquilo que faz a nossa vida ser mais fácil (porém não necessariamente mais produtiva) pode ser doloroso, mas é um sacrifício que vale muito a pena a longo prazo. Tudo o que nos faça verdadeiramente felizes ou satisfeitos requer renúncia, disciplina, determinação e perseverança. Jamais se sinta envergonhado em assumir que algo não vai bem e faça o possível para melhorar, sendo honesto consigo mesmo e com o mundo. Assim, sua vulnerabilidade será muito importante para o seu desenvolvimento e servirá de inspiração para outras pessoas.
Autocuidado, como o próprio nome já diz, é algo que só você pode fazer por você mesmo. Cerque-se de pessoas que abram os seus olhos quando, sem querer, você se ver num ciclo perigoso novamente, pois essas são as pessoas que querem ver o seu desenvolvimento e se preocupam com o seu bem-estar. Valorize o seu tempo, aqui e agora. E a vida pode ser sim muito mais leve, basta você se permitir.
Recomendo a leitura do livro “F*deu Geral — Um livro sobre esperança?” do autor Mark Manson, o qual faz um recorte amplo e necessário sobre a cultura moderna, abordando política, religião, tecnologia a valores humanos a partir de uma perspectiva filosófica ao longo da história.
Outro artigo que me inspirou muito foi “The Comfortable Life Is Killing You” (A vida confortável está te matando”) do Erik Rittenberry. Citando vários autores e pensadores que se voltaram para esse tema, o artigo traz aspectos da natureza humana que estãos sendo afetados pela glorificação da modernidade.
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