Os Calcanhares de Atlas que fogem do Caos em um carro a noite.

Escrito por Wellington Monteiro

Ensaios Sobre a Loucura
Revista Subjetiva
3 min readNov 7, 2017

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Talvez eu esteja a escrever sobre passarinhos, ou sobre diamantes afiados. Talvez sobre a sacola manchada que voa sem objetivo, ou da pessoa atirada ao chão na esquina. Talvez eu esteja falando de você enquanto olho-me no espelho sem te conhecer. Mas eu quero, quero te conhecer.

Quem sabe aquela primeira pluma que eu vejo ao abrir a janela de manhã seja o significado de nós estarmos isolados em carne, sentido, voz e vida: estamos carentes de existência. Quem sabe o Caos em sua ordem complexa esteja nos atirando para lados opostos por que ele sabe que quando estarmos juntos, tudo há de cair. Somos como os calcanhares de Atlas, se estamos juntos, não haverá equilíbrio, e o mundo irá cair no vácuo e quicar em um colapso lento como um balão que se demora a cair no chão.

Nós somos opostos porque caminhamos para lugares diferentes, e não porque de certa forma nos atraímos. Os opostos nem sempre se atraem, e sentimentos são bastantes complexos para se resumir em pequenas frases, e é por isso que existem os romances.

Mas isso é apenas um parágrafo de um texto maior, é efêmero, como todos.

Mas talvez eu esteja teclando sem finalidade, caminhando sem rumo, vivendo sem princípio, e existindo sem essência, tudo que nem uma pedra no fundo do rio, a qual faz mais de quinhentos anos que não se move, mas que o correr da água faz com que ela acredite que está correndo, que nem nós ao olhar pela janela do carro.

[enquanto as luzes da noite piscam em um amarelo morto, eu seguro sua mão que esta gelada, ela me olha ao perceber o que significa, eu precisava segura-la, digo. ela me retorna com um sorriso de afago, e diz, eu também, e fecha seus dedos sobre os meus, unindo-os em um único punho,

em uno].

Estou correndo? Mas ainda não sei aonde vou chegar. Estou parado para quem corre, e para a Terra sou apenas um pequeno fragmento de pó em um outro fragmento de pó.

Já falei o quanto desejo espirrar por causa desse pó matinal, e espero que tenha ficado claro o quanto te desejo; mas e os passarinhos que cantam de manhã sem nenhuma ambição além de cantar? E sobre como os diamantes de tão sólidos e completos que são, não passam de nada?

Há quem diga que o frio existe para justificar o calor, e que a volta justifica a ida. Tudo isso se demonstra claro pela ideia de estado: o que esta frio esta sujeito a estar quente, o que esta úmido pode ficar molhado, quem esta feliz pode estar triste, o que está sozinho também é sujeito a estar em companhia. [desconsidere o último]

O que esta vazio, é sujeito a ser preenchido? Quando dois recipientes completamente desprovidos de conteúdo se chocam, eles produzem algo? Um som? Uma (outra) vida? Ambos?

No fim tudo se perde em um eco, que se repete infinitamente; como um dragão que come a própria cauda, envolto de nada e circundando nada.

[Talvez eu esteja a escrever sobre a vida, mas apenas vou escrever uma silaba:
ma].

Esse texto faz parte da parceria entre as revistas Subjetiva e Ensaios sobre a Loucura através do tema “Quando a loucura é subjetiva”.

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