Post omnes, o que estamos esperando?

Escrito por M. S. Rubeum

Ensaios Sobre a Loucura
Revista Subjetiva
5 min readNov 14, 2017

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Reflexões de Carmesim

O que há em nosso semblante quando adiamos algo? O que define o nosso desespero? Quem define quando apertar o gatilho? Por que tenho tanto medo do pôr-do-sol? Por que reconheço minha mãe durante acessos de raiva?

Se há algo que aprendi — e confesso que a duras penas — é que ninguém realmente gosta da sua loucura. Que há o real, o irreal e o imaginário. Que o interessante da existência é: nunca sabemos se estamos progredindo ou deteriorando. Você pode cometer um erro, e a quem jurava tanto amor simplesmente lhe condenará. Tornar-se-á um monstro.

Não gosto de lembrar-me do passado, e o som alto das ruas no presente ora me agradam, ora tormentam. Cresci e percebi que é condenável achar que a religião pode infligir na vontade do outro. Talvez nem goste muito de rezar. Meu conceito de Deus sou eu. Não todo poderoso, mas com todas as falhas do acaso e da minha mente. E o acaso somente é possível com ser vigente — e este sou eu! Acho. Tenho medo de assuntos com os quais opiniões se digladiam.

Percebi, de forma mais exata — tenho como fonte um pequeno caderno que carrego e eventualmente utilizo — no dia 11 de Maio, que gosto de apreciar a natureza. Antes me limitava apenas á flora, mas há graça na fauna e no que está além. Talvez em outra realidade — a qual não cabe á mim julgar ser possível ou não — estarei encarando o chegar da manhã em meio ao horizonte. E o que é este horizonte? Talvez esteja na casa de campo da família, mas as aflições e problemas podem impedir meu bem-estar.

Sim, sou amargurado. Quando recebi tal crítica, quis gritar. Pois creio — e julgo na visão de um especialista — que todos somos, mas simplesmente poucos possuem a coragem de admitir. Positivo, é o que são! Covardes! Quem ousa criticar um coração partido é covarde! Pouco importa o quão forte ele se chocou a outro objeto — ou fato — sólido quando se partiu, é dor em todas as formas e só quem já teve um pertence rasgado ou de alguma forma danificado por acidente ou por maldade alheia sabe a perda que o sentimento causa.

Há linha tênue entre a perda e a dor? Sinto cheiro de sopa e as pessoas estão na sala, temos visita. Mas está tarde, não sinto mais vontade de comer. Sempre tenho fome mas creio que esta noite um copo de leite já basta. Quero me afogar em negação, assim como vejo os que conheço fazerem. Talvez assim seja mais feliz. Ou considerado menos louco. Insano na medida do aceitável.

Olhando pela janela escura

Tive um plano. Repetir em frente ao espelho “eu sou Carmesim”. Como se estivesse me condenando. O que serei para sempre, minha sentença é, a partir deste momento, a eternidade.

O fiz. Larguei o lápis e meu papel e… As palavras não saiam da minha boca. E alma confusa, o tempo parece não ter resolvido. Palhaçada! Não! Não queria dialogar, e sim escrever!

Faço meus textos em meio á devaneios, sou a arte e seus pormenores perdidos no tempo. Guarda-roupas e paredes como apoio, minha mão direita dói. Uma carta será!

“Minha cara amiga,
Você nunca lerá esta carta.
Um jeito péssimo de iniciar uma correspondência, porém desejo ser o mais direto possível.
Estou cada vez mais me acostumando com a solidão. De certo modo, me enamorando dela!
Tantos medos e ambições que transitam minha mente, mas creio que no final seremos eu e você. Mas eventualmente retornarei aos meus braços!

Não se magoe, é como sou. Não me sinto mais confortável com nomes que já sei, mas não me interesso nem um pouco por novidade. Tornei-me a novidade!

É loucura que devo chamar? Não me deram nenhum manual, mas somos livres — ao menos para dizer que nos achamos loucos. Até certo ponto.”

Diário de Bordo

Três semanas dolorosas e o pior aconteceu: estou doente. A tontura toma conta de mim e meu charuto de vento tira-me da embriaguez da doença. “Tenho que parar de colocar essa coisa entre os dedos!”, pensei. Ando sem companheiros, muitos se jogaram ao mar. Se mortos, nem ligo.

Capitão Rogério e seu comissário Júnior são minha única companhia nesta jornada. O guia atenta-se á minha dicção, Júnior me ensina os cálculos das léguas. Dois bons homens acreditam em meu potencial.

Esqueci-me dos detalhes da travessia, talvez tenha sido incompetência de minha parte. Quanto cheguei á costa, faltavam-me remédios. Eles eram essenciais, mas deixei-os cair na primeira semana em que entrei naquele navio. O estrago já estava feito, tornou-se uma enfermidade. Sentia muita sede e meu corpo foi levado até uma sala. Das 8h da manhã, até 13h18 da tarde, confinaram-me. Ou talvez eu tenha o feito. Foi involuntário.

Lúcidos

Gosto do som de música abafada. É um som calmo de flauta que toca no início da manhã. Como a música mescla com os sons externos é impressionantemente forma uma atmosfera tão calma. A música para. Agora só se ouve o som das águas se estacionando.

A tarde foi ensolarada, passei um tempo olhando pela janela. Uni-me a um grupo, e todos estávamos tão cansados. Aproveitamos horas ao sol. Com o tempo, alguns adormeceram. Estava a sós com ela, minha pequena irmã. Sua imagem se difundia com os raios, ela desaparecia em uma silhueta. Seu rosto pareceu-me tão familiar, e deparei repentinamente que estava comigo. Em paz.

O Nascer do Sol

Subi as escadas daquela grande casa e lá estava uma lembrança do meu passado — era um velho amigo. Um senhor, que não me via há mais de três anos. Olhávamos o vasto horizonte de morros e ele foi capaz de dar nome a diversos locais. Perguntava-me sobre meus estudos, eu respondia o que me é costumeiro: iam bem.

Ao final da conversa, chegamos ao acordo de que era uma paisagem extremamente bonita, e eu, passaria horas a observar quando me mudasse para lá. Deixaria a vida real mesclar com ficção, abandonaria as verdades e descobriria além dos céus. Tudo começaria em questão de meses.

Pseudônimo

Dois meses depois, por que ainda me escondo tanto? Do que tenho medo? Depois de torturas, dentre chibatadas e meditações. Dentro dos bosques, dos prédios, das ruas. Hoje havia um banco em minha Vila, sentei-me, meu coração encheu-se de animação. Pude finalmente ser eu.

Por que odeio tanto meus próprios relatos? Meu próprio corpo sente-se exposto, como se minha derme fosse puramente sentimento. Vergonha.

Por vezes esqueço-me de reconhecer minhas próprias palavras, como se houvesse uma troca de nomes quinzenalmente — ás vezes até em períodos mais curtos — e uma parte de mim morresse. Deixo documentos abertos, histórias inacabadas. E quando leio, sempre atrevo-me a dizer “Ora, mas de quem é esta bela parla?”

Poderia ser o fim destas afáveis trilogias, mas o tempo não tem pressa.
2681910, Carmesim.

Esse texto faz parte da parceria entre as revistas Subjetiva e Ensaios sobre a Loucura através do tema “Quando a loucura é subjetiva”.

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