Irasonja

Prazo de Validade

Sobre descartar pessoas e sentimentos.

Danilo H.
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3 min readMay 12, 2022

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Depois de muito tempo dentro da sua geladeira, eu finalmente fui “selecionado” pelas suas mãos para sair daquele lugar.

Engraçado, você me disse que eu fiquei por lá por apenas alguns meses, mas eu posso jurar que faz uns dois anos desde que eu resolvi escrever sobre aquele lugar inóspito que aceitei como lar.

Então imagine a minha surpresa ao perceber que o meu destino final era diferente do que eu esperava. Pude olhar no fundo dos teus olhos por alguns segundos e, em seguida, fui arremessado com desinteresse na lata de lixo da cozinha.

Ao que tudo indica, alguns sentimentos “tem” prazo de validade.

Que lugar escuro!
E úmido…
Tem tanta coisa aqui e, ao mesmo tempo,
não há nada.

A sensação é de ser doce e leve como vinho e, de repente, envinagrar.
Perdi o gosto.
Me transmutei em algo que te dá asco.

Notei uma marca no meu braço e tudo fez sentido: eu venci hoje.
Infelizmente não foi no sentido de vencer e sim de ter excedido a minha validade.

Esperei por tanto tempo naquele lugar, tão frio quanto o próprio coração da dita pessoa, para então ser descartado sem mais nem menos.

Não tive direito à fala.
Não pude compartilhar as centenas de pensamentos que me inundam quando penso em você.
Você não quis ouvir.

E o mais irônico de tudo é que estou, novamente, no escuro.

“Trapped” por: Stephen Cheetham

Troquei um calabouço por outro.
Esperei por algo que nunca viria.

Olhos piscam na escuridão como se eu estivesse em um desenho animado… sem a menor surpresa, descobri que não estava sozinho.

Sentei no seu banco de reservas e por lá esperei com inúmeras pessoas que estavam com sede de te ter. Agora estou na última parada desse tipo de devoção que apenas causa dor.

Por aqui, alguns tentam entender onde erraram, outros procuram respostas para perguntas que não devem ser feitas.

E no meio de tanto falatório, eu só queria sumir.

Fui cortado sem mais nem menos e a última coisa que eu queria ser agora é, digo isso com muita dor, eu mesmo.

O sentimento de insuficiência é avassalador.
Um dia você acha que está no caminho certo e, do nada, se vê num imenso limbo.

É pedir demais habitar um lugar que não seja imundo, frio ou desprovido de infelicidade?

A única pergunta que me faço é a seguinte:

Quem foi que definiu o meu prazo de validade?

“Trapped” por: Stephen Cheetham

Já não permiti que pessoas chegassem perto de mim, mas não me recordo de criar filas de prioridade ou de classificar meus sentimentos com o intuito de determinar por quanto tempo alguém permaneceria (ou não) na minha vida.

Um deslize é mesmo suficiente para que tudo acabe ou uma base sólida teria feita toda a diferença?

Mas aí é que está… nunca houve uma base.
Nunca fomos amigos.
Nunca construímos nada.

Um dia eu perdi a graça ou eu já não tinha isso desde o começo?
Por que o “nada” me parece mais pesado do que deveria?

Estou fazendo tantas perguntas porque essa marca no meu braço é ilógica… de repente, alguém define uma data para que algo “dê certo” e, após isso, o sentimento é jogado por cima dos ombros.

Ainda acredito que é um erro não permitir que um sentimento floresça… mesmo que no final das contas nem um botão desabroche, pois o sentimento se encontra no caminho e não no ponto final.

Não se trata de sentar na janela e esperar a viagem acabar, mas sim de ver a beleza pelo caminho e aproveitar cada segundo da jornada.

Bem, de nada valem minhas palavras agora… estão comentando que as paredes desse lugar são isoladas acusticamente, então nada do que dissermos aqui te tocará.

Só nos resta partilhar o único sentimentos que temos em comum contigo: o vazio.

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Danilo H.

Aqui eu escrevo sobre desconfortos, alegrias e sobre nós.