Tudo na vida te dá e te tira

Sobre tomar decisões, amadurecer e enfrentar os medos.

Yasmin Narcizo
Revista Subjetiva
5 min readMay 13, 2019

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O mundo se divide entre dois tipos de pessoas: as que acreditam em signos e as que não acreditam. Eu ainda não decidi onde me encaixo. Sabe como é, sou libriana, tomar decisões não é o meu forte.

Mas, brincadeiras infames à parte, venho pensando cada vez mais sobre como a capacidade de tomar decisões e enfrentar os seus medos muda completamente o destino das pessoas.

Vou explicar.

Eu sempre fui alguém que odiava mudanças. Eu detestava ter que reencaixar a minha vida toda em um novo esquema e morria de medo de qualquer coisa minimamente mais drástica que pudesse acontecer comigo. Inclusive, já falei aqui como acho criminosa a imagem que vendem da zona de conforto como um lugar errado ou ruim de se estar. Mantinha minha vida controlada, sabia meus próximos passos, sabia onde queria chegar.

Até que eu não sabia mais.

Photo by Adi Goldstein on Unsplash

A primeira grande mudança que veio foi a morte da minha mãe, aos meus 22 anos. Nossas mães são a primeira garantia que temos de que tudo vai ficar bem e provavelmente as únicas pessoas que confiamos que estarão sempre ao nosso lado, independente de qualquer coisa. E aí ela não estava mais lá. Não só tive que reaprender a viver, mas também mudar toda a minha dinâmica familiar junto.

Passado o susto e o sofrimento, as memórias viraram saudade, mas a vida seguiu o seu curso, como acontece pra qualquer pessoa.

Em seguida, comecei a reparar que tudo aquilo que eu achei que queria, talvez eu não quisesse mais. Meu planejamento milimetricamente programado para ter uma casa, carros, casar dentro de dois anos e morar num bairro X começaram lentamente a não fazer mais sentido, conforme os anos foram passando.

Sabe por quê? Porque as pessoas mudam, as vivências nos mudam. E com isso, mudam também as nossas prioridades e desejos. O que eu queria, da noite pro dia, não se encaixava mais no caminho que eu tinha desenhado seguir. E aí, aconteceu uma reviravolta em mim.

Eu mudei tudo. Mudei de emprego, mudei a minha rotina, terminei um relacionamento super longo, saí da casa da minha família para dividir apartamento (também já contei essa história aqui), tudo assim, meio atrapalhado e de uma vez. E se você acha que foi na base da coragem, está redondamente enganado! Foi com medo mesmo porque nada nessa vida me deixa tranquila quando o assunto é mudanças.

Depois de passar por esse processo, eu sinto que sou uma pessoa mais feliz com a minha vida e com a vida que eu posso ter. Fiquei também mais segura das minhas decisões, o que foi ótimo pra me ensinar que sair do planejamento, às vezes, não é tanta maluquice assim.

Nada disso quer dizer que eu não tenha sofrido em alguns aspectos. O problema é que a gente encara os erros como falhas e não entende que, para acertar, primeiro tem que errar e tentar aprender.

A partir daí, comecei a pensar sobre como tudo na vida te dá e te tira.

Sair da casa da minha família me tirou dinheiro e um pouco de conforto, mas me deu mais liberdade e responsabilidade. Ir trabalhar longe de casa, me tirou tempo com meu marido, para assistir minhas séries e fazer jantares deliciosamente elaborados — coisas que amo de paixão, por sinal. Porém, me trouxe a oportunidade de voltar a ler no deslocamento, algo que me fazia muita falta e que me recompensou com ensinamentos de livros incríveis até agora.

E isso não acontece só comigo.

Tenho uma amiga, por exemplo, que hoje vive em um país europeu, estudando. Ela tinha um ótimo emprego aqui no Brasil, morava com os pais e podia usar o seu salário apenas para viajar e gastar com o que quisesse. Pra fechar com chave de ouro, o pessoal do trabalho adorava ela, então seria difícil dela ser demitida. Ela era feliz, claro.

Mas estava inquieta. Estava no mesmo trabalho praticamente desde a faculdade e queria estudar fora, conhecer outros lugares. Morria de medo do que seria da sua carreira, caso largasse o cargo que tinha conseguido, mas não queria ficar parada no mesmo lugar. Eu lembro de ter incentivado muito que ela tomasse a decisão que fosse coerente com o que ela queria e não com o medo que ela sentia. Afinal, quem trabalha bem, trabalha bem em qualquer lugar e a qualquer momento.

O resultado disso é que hoje ela estuda em outro país. O mestrado está acabando, ela deve conseguir um emprego em seguida e morar fora por mais um tempo. Quanto tempo quiser. Por enquanto, ela não pretende voltar.

Não entenda mal o meu recado: não estou dizendo que todo mundo deve ou pode sair tomando esse tipo de decisão assim, do nada. O que me deixa boba é como ficamos tão presos a falsas noções de segurança. Quando finalmente temos dinheiro, conforto ou estabilidade, nos agarramos a isso como se isso significasse felicidade, mas nem sempre isso é verdade.

Temos medo de ver como seria ter um pouco menos grana, mas mais liberdade. Temos medo de ver como seria ter menos estabilidade, mas mais possibilidades. Temos medo de ver que conforto não precisa significar uma casa imensa. Talvez seja ainda mais confortável uma casa pequenininha, ao lado de quem se ama.

A verdade é que quando não tomamos as nossas próprias decisões por medo, estamos entregando as rédeas da nossa vida nas mãos do desconhecido. E aí, nunca se sabe o que tem por vir.

Há 2 semanas atrás, tive a oportunidade de participar da cobertura de um evento no qual estava a incrível Elza Soares. Entre as várias coisas maravilhosas que esse evento me proporcionou, conseguimos uma entrevista exclusiva com essa mulher-potência. E ela não decepcionou: lançou uma frase daquelas de abalar até os ossos.

Elza disse: o medo destrói.

Ela contou que a mãe dela morria de medo por ela querer ter uma vida diferente, ser cantora, sair do que seria esperado de uma mulher na sua época. E, se tivesse se comportado de acordo com o medo da mãe, ela jamais teria tido essa carreira brilhante que tem até hoje, fazendo turnês pelo mundo e sendo um símbolo de força para novas gerações de mulheres.

Pensando, depois entendi o que Elza quis dizer. O medo destrói porque nos congela, nos impede de seguir, porque nos faz duvidar de nós mesmos. Por isso, ele não é uma boa matéria-prima para tomar decisões.

Precisamos ter sempre em mente que tudo na vida dá e tira. Por isso, não há decisões indolores e nem aprendizado ou crescimento sem perdas. O importante é tentar entender se está valendo a pena perder o que se perde para ganhar o que se ganha. E, em seguida, levar os dois lados da moeda em consideração, como se pesasse numa balança.

Uma balança, quem diria, que é o símbolo de libra, o mais indeciso dos signos!

E foi assim que eu, a cagona das cagonas, comecei a dar passos à frente, mesmo com medo: pautada na crença de que estou ganhando o que preciso e me despedindo do que talvez seja supérfluo agora.

Dói. É sofrido. Mas, para tomar uma decisão, basta começar. Qual é o seu próximo passo?

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Yasmin Narcizo
Revista Subjetiva

Jornalista por formação, publicitária na raça e autora do “Não tô sabendo lidar”, à venda na Amazon. Observa o mundo com olhos de quem não entende nada mesmo.