Leia trecho de “Mulheres que não eram somente vítimas”, primeiro romance da autora Regiane Folter

Mormaço Editorial
Revista Mormaço
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3 min readApr 1, 2024

O último anexo era uma fotografia de Mariana que tinha sido impressa pela família Tavares e colada em vários postes no bairro onde moravam. Nela, a garota de quinze anos sorria, tão jovem e, ao mesmo tempo, tão segura de si. Tão ingênua. Esse anexo Maria não se atreveu a fechar rapidamente e observou com atenção o rosto fresco, os olhos alegres, a esperança que reluzia naquela imagem. Era somente uma garota cheia de vida e energia, alguém que com certeza tivera sonhos e se sentira a dona do mundo, daquela maneira que só os adolescentes sabem fazer. Mariana tinha passado rapidamente desse ápice de juventude e força para se tornar um corpo abandonado em uma piscina. Tinha sido tanto e agora estava morta. A ideia de compreender a ironia por trás desse acontecimento infeliz atraia Maria, mas ela simplesmente não conseguia pensar em se aprofundar naquela história. Enquanto encarava os olhos alegres de Mariana na foto, ela sentia o vazio dentro dela duplicar de tamanho. Todos aqueles sonhos, toda aquela ilusão, já não existiam. De Mariana, tudo que tinha sobrado eram relatórios frios e uma fotografia em preto e branco.

Porém, algo instintivo em Maria lhe dizia que ela estava errada. Não era somente aquele punhado de documentos que Mariana tinha deixado atrás de si; ela tivera uma vida breve, mas com certeza havia deixado vestígios da mesma. Outras fotografias, conversas, bilhetinhos trocados na sala de aula, brinquedos, bibelôs, roupas, declarações apaixonadas em redes sociais, discussões, enfim. Rastros de toda uma vida. E agora cabia a ela, Maria, encontrá-los para poder contar a história daquela jovem. Sem conseguir evitar o costume, a jornalista começou a estruturar a matéria em sua cabeça. Não seria uma história sobre a morte trágica de uma garota, e sim sobre a sua vida.

Quando percebeu que estava planejando a matéria que nunca quis escrever, Maria balançou a cabeça e se afastou alguns centímetros do computador, temendo que o contágio se espalhasse. Sua curiosidade jornalística poderia ganhar do seu temor. A história de Mariana lhe atraía, mas também gerava nela um medo tremendo. Mergulhar no caso da adolescente significaria revisitar pedaços de sua própria história, partes sombrias que ela passara os últimos seis meses tentando esquecer.

Regiane Folter é formada em jornalismo e trabalha com produção de conteúdo e marketing. Vive viajando entre São Paulo, capital, onde nasceu, e Montevidéu, no Uruguai, onde vive atualmente. Desde 2017 publica no Medium e em 2020 auto-publicou seu primeiro livro, “AmoreZ”, uma coleção de contos e crônicas sobre o amor. Em 2023 lançou seu segundo livro, o romance “Mulheres que não eram somente vítimas”, com a editora Folheando.

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