REPORTAGEM

A PERCEPÇÃO DA CORRUPÇÃO E SEU PAPEL NAS URNAS

O desempenho do Brasil no Índice de Percepção da Corrupção indica retrocessos no combate aos crimes do colarinho branco.

Revista Torta
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Por Guilherme Matos
Editado por Arthur Almeida e Eduarda Motta

A corrupção é mais um dos indicadores negativos que têm crescido no Brasil e será uma das pautas de 2022. A diferença é que, em setembro de 2018, 14% dos brasileiros acreditavam que a corrupção era o maior problema do Brasil; em dezembro de 2021 esse número caiu para 4%, segundo o Datafolha.|| Arte: Júlia Silva/Revista Torta

O combate à corrupção é um dos temas centrais do discurso público de muitas repúblicas. No Brasil, há anos essa pauta é utilizada com sucesso como palanque eleitoral por políticos que pleiteiam cargos municipais, estaduais e federais.

Em um passado “distante”, Fernando Collor de Mello, apoiado por grandes veículos de comunicação como a revista Veja e o Globo, construiu uma imagem de “paladino da justiça”. Seu título, anunciado pela Veja em 23 de março de 1988, era: o caçador de Marajás.

O ex-presidente não terminou sua trajetória no Palácio do Planalto como um justiceiro. A conclusão: um escândalo de corrupção, um processo de impeachment e uma carta de renúncia.

Em um passado mais recente, em 2014, com a deflagração da Lava-Jato e a intensa cobertura de cada etapa da operação comandada pelo ex-juiz Sérgio Moro (União Brasil), o discurso anticorrupção voltou ao protagonismo.As conduções coercitivas, narradas por William Bonner enquanto animações de oleodutos jorravam dinheiro, marcaram os brasileiros de tal maneira que essa temática tornou-se o centro das promessas nas eleições presidenciais de 2018.

Tanto que, o vencedor dessas eleições, Jair Bolsonaro (PL), brandia o combate à corrupção como sua maior bandeira. A pauta também foi um dos pontos centrais em seu discurso de posse.

De acordo com levantamento da Fiquem Sabendo, o Brasil realizou o menor número de prisões por crimes do colarinho branco em 14 anos. Isso significa que diminuímos a quantidade de corruptos?

O ranking internacional do Índice de Percepção da Corrupção (IPC) de 2021, calculado pela Transparência Internacional (TI), classifica, do melhor para o pior, os países que mais combatem a corrupção. Divulgado no começo deste ano, ele demonstrou um crescimento do problema. Ficamos na 96°colocação, uma queda de 27 posições, se comparado a 2014, ano em que a anticorrupção tomou os holofotes.

O QUE OS DADOS DA TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL MOSTRAM?

A TI é uma organização não governamental, sem fins lucrativos que atua em mais de 100 países com o objetivo de combater a corrupção. A organização analisa os crimes a partir do contexto de cada país, considerando as características institucionais, legais e comportamentais que permitem sua existência e perpetuação.

Com sua experiência internacional, a TI pode identificar as consequências dos desvios e propinas realizadas por organizações criminosas, além de oferecer soluções transferíveis entre países e contextos.

Para a organização, o agravamento da corrupção está ligada a outros retrocessos. Dos 23 países cujos resultados diminuíram na última década, 19 deles também registraram uma redução nos índices de preservação das liberdades civis. De acordo com a ONG:

“A corrupção possibilita violações de Direitos Humanos, dando início a uma espiral perversa e desenfreada: à medida que os direitos e as liberdades vão se erodindo, a democracia entra em declínio, dando lugar ao autoritarismo — que, por sua vez, possibilita níveis maiores de corrupção”.

A edição de 2021 do IPC complementou denúncias anteriores de 2019 e 2020, trazendo novas evidências sobre a perda de independência e crescimento da influência política sobre órgãos essenciais no combate aos crimes do colarinho branco, como a Polícia Federal (PF) e a Procuradoria Geral da República (PGR).

Vale lembrar que, em 2022, Bolsonaro não compareceu a um depoimento relacionado à sua suposta interferência na polícia e que Augusto Aras, o Procurador Geral da República, foi acusado de ser “uma vergonha para o Ministério Público Federal” devido a sua postura para lidar com denúncias. Esses fatos não contribuirão com a colocação brasileira no IPC de 2022.

O relatório também aponta para a ingerência nos órgãos de controle ambiental que, de acordo com o site da TI, “vêm sofrendo um verdadeiro desmanche”. Além disso, o documento destaca os ataques do presidente a setores da sociedade civil, jornalistas e acadêmicos como métodos para enfraquecer o controle social da corrupção e desgastar a democracia.

Os gráficos mostram, respectivamente, a diminuição no número de prisões e a diminuição da nota brasileira no IPC. A diminuição das prisões indica a prevalência da impunidade que aumenta a corrupção. || Fonte: Fiquem sabendo e Revista Piauí

Imagine que a corrupção é como manter sua casa limpa. Por mais higiênico e cuidadoso que você seja, a poeira e a sujeira se acumularão. O que você precisa é de ferramentas para limpar a casa, como uma vassoura, um desinfetante, um pano, etc.

O que o governo tem feito desde 2019 é tirar dos brasileiros as ferramentas necessárias para limpar a casa e, por isso, a sujeira se acumulou tanto, leia-se, reduziram as prisões e aumentaram os crimes.

Se a independência e o fortalecimento da PF para o combate à corrupção, iniciada no Governo Lula, foi o que permitiu a existência de operações como a Lava-Jato, foi o ódio cego aos corruptos que permitiu a eleição de Jair Bolsonaro, o enfraquecimento da independência da PF, da PGR e da operação que o elegeu.

É importante destacar que a Lava-Jato não foi o melhor método para combater a corrupção brasileira, como Rubens Glezer explica em artigo na Revista Piauí. Mas, apesar das centenas de erros da operação, não podemos negar que ela era, de fato, uma ferramenta.

A relação do bolsonarismo com o combate à corrupção — feroz no discurso, mas amável nas ações — pode ser explicado por Jason Stanley, autor do livro Como funciona o fascismo: a política do ‘nós’ e ‘eles’:

Divulgar falsas acusações de corrupção enquanto se envolve em práticas corruptas é típico da política fascista, e as campanhas anticorrupção estão frequentemente no centro dos movimentos políticos fascistas. Políticos fascistas geralmente condenam a corrupção no Estado que querem assumir, o que é bizarro, uma vez que os próprios políticos fascistas são invariavelmente muito mais corruptos do que aqueles que eles procuram suplantar ou derrotar”.

2022

Meme retirado de página bolsonarista no Facebook. Para os eleitores de Bolsonaro, a corrupção é o pior dos crimes e sobrepõe, até mesmo, ações contra a humanidade. Essa fala, que desafia a imprensa, foi dita no fim de 2020, quando a alcunha de “genocida” começava a colar à imagem do Presidente. || Fonte: Reprodução/Facebook

Nas eleições deste ano, o crescimento da corrupção alia-se a outras aflições urgentes: a crise econômica, a fome, o desemprego, a perda de direitos, o preço dos combustíveis e dos alimentos, além de uma democracia erodida.

Jornalistas e pesquisadores indicam que essas pautas serão relevantes para os brasileiros ao irem às urnas em outubro. Mesmo assim, os candidatos têm focado o discurso na corrupção.

Sérgio Moro, em entrevista ao Flow Podcast, citou a palavra “corrupção” ao menos 50 vezes, além de abordar o tema em todas as suas entrevistas. Ciro Gomes (PDT) tem tentado atribuir uma imagem de corrupto a Lula (PT), o primeiro colocado nas pesquisas. Bolsonaro tenta remontar o cenário de 2018, apelando para o antipetismo, o pânico moral e o discurso anticorrupção.

Mesmo que os escândalos tenham desfeito a falsa imagem de “paladino da justiça” que Bolsonaro e Moro construíram em 2018, muitos brasileiros ainda cultivam forte aversão aos desvios de verbas e propinas que permeavam Brasília. Por isso, buscam nos presidenciáveis de 2022 uma solução para o problema.

Mas, assim como a sujeira na casa, a corrupção sempre estará se acumulando nos cantos, embaixo dos tapetes e dentro dos armários.

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