REPORTAGEM
A PERCEPÇÃO DA CORRUPÇÃO E SEU PAPEL NAS URNAS
O desempenho do Brasil no Índice de Percepção da Corrupção indica retrocessos no combate aos crimes do colarinho branco.
Por Guilherme Matos
Editado por Arthur Almeida e Eduarda Motta
O combate à corrupção é um dos temas centrais do discurso público de muitas repúblicas. No Brasil, há anos essa pauta é utilizada com sucesso como palanque eleitoral por políticos que pleiteiam cargos municipais, estaduais e federais.
Em um passado “distante”, Fernando Collor de Mello, apoiado por grandes veículos de comunicação como a revista Veja e o Globo, construiu uma imagem de “paladino da justiça”. Seu título, anunciado pela Veja em 23 de março de 1988, era: o caçador de Marajás.
O ex-presidente não terminou sua trajetória no Palácio do Planalto como um justiceiro. A conclusão: um escândalo de corrupção, um processo de impeachment e uma carta de renúncia.
Em um passado mais recente, em 2014, com a deflagração da Lava-Jato e a intensa cobertura de cada etapa da operação comandada pelo ex-juiz Sérgio Moro (União Brasil), o discurso anticorrupção voltou ao protagonismo.As conduções coercitivas, narradas por William Bonner enquanto animações de oleodutos jorravam dinheiro, marcaram os brasileiros de tal maneira que essa temática tornou-se o centro das promessas nas eleições presidenciais de 2018.
Tanto que, o vencedor dessas eleições, Jair Bolsonaro (PL), brandia o combate à corrupção como sua maior bandeira. A pauta também foi um dos pontos centrais em seu discurso de posse.
De acordo com levantamento da Fiquem Sabendo, o Brasil realizou o menor número de prisões por crimes do colarinho branco em 14 anos. Isso significa que diminuímos a quantidade de corruptos?
O ranking internacional do Índice de Percepção da Corrupção (IPC) de 2021, calculado pela Transparência Internacional (TI), classifica, do melhor para o pior, os países que mais combatem a corrupção. Divulgado no começo deste ano, ele demonstrou um crescimento do problema. Ficamos na 96°colocação, uma queda de 27 posições, se comparado a 2014, ano em que a anticorrupção tomou os holofotes.
O QUE OS DADOS DA TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL MOSTRAM?
A TI é uma organização não governamental, sem fins lucrativos que atua em mais de 100 países com o objetivo de combater a corrupção. A organização analisa os crimes a partir do contexto de cada país, considerando as características institucionais, legais e comportamentais que permitem sua existência e perpetuação.
Com sua experiência internacional, a TI pode identificar as consequências dos desvios e propinas realizadas por organizações criminosas, além de oferecer soluções transferíveis entre países e contextos.
Para a organização, o agravamento da corrupção está ligada a outros retrocessos. Dos 23 países cujos resultados diminuíram na última década, 19 deles também registraram uma redução nos índices de preservação das liberdades civis. De acordo com a ONG:
“A corrupção possibilita violações de Direitos Humanos, dando início a uma espiral perversa e desenfreada: à medida que os direitos e as liberdades vão se erodindo, a democracia entra em declínio, dando lugar ao autoritarismo — que, por sua vez, possibilita níveis maiores de corrupção”.
A edição de 2021 do IPC complementou denúncias anteriores de 2019 e 2020, trazendo novas evidências sobre a perda de independência e crescimento da influência política sobre órgãos essenciais no combate aos crimes do colarinho branco, como a Polícia Federal (PF) e a Procuradoria Geral da República (PGR).
Vale lembrar que, em 2022, Bolsonaro não compareceu a um depoimento relacionado à sua suposta interferência na polícia e que Augusto Aras, o Procurador Geral da República, foi acusado de ser “uma vergonha para o Ministério Público Federal” devido a sua postura para lidar com denúncias. Esses fatos não contribuirão com a colocação brasileira no IPC de 2022.
O relatório também aponta para a ingerência nos órgãos de controle ambiental que, de acordo com o site da TI, “vêm sofrendo um verdadeiro desmanche”. Além disso, o documento destaca os ataques do presidente a setores da sociedade civil, jornalistas e acadêmicos como métodos para enfraquecer o controle social da corrupção e desgastar a democracia.
Imagine que a corrupção é como manter sua casa limpa. Por mais higiênico e cuidadoso que você seja, a poeira e a sujeira se acumularão. O que você precisa é de ferramentas para limpar a casa, como uma vassoura, um desinfetante, um pano, etc.
O que o governo tem feito desde 2019 é tirar dos brasileiros as ferramentas necessárias para limpar a casa e, por isso, a sujeira se acumulou tanto, leia-se, reduziram as prisões e aumentaram os crimes.
Se a independência e o fortalecimento da PF para o combate à corrupção, iniciada no Governo Lula, foi o que permitiu a existência de operações como a Lava-Jato, foi o ódio cego aos corruptos que permitiu a eleição de Jair Bolsonaro, o enfraquecimento da independência da PF, da PGR e da operação que o elegeu.
É importante destacar que a Lava-Jato não foi o melhor método para combater a corrupção brasileira, como Rubens Glezer explica em artigo na Revista Piauí. Mas, apesar das centenas de erros da operação, não podemos negar que ela era, de fato, uma ferramenta.
A relação do bolsonarismo com o combate à corrupção — feroz no discurso, mas amável nas ações — pode ser explicado por Jason Stanley, autor do livro “Como funciona o fascismo: a política do ‘nós’ e ‘eles’”:
“Divulgar falsas acusações de corrupção enquanto se envolve em práticas corruptas é típico da política fascista, e as campanhas anticorrupção estão frequentemente no centro dos movimentos políticos fascistas. Políticos fascistas geralmente condenam a corrupção no Estado que querem assumir, o que é bizarro, uma vez que os próprios políticos fascistas são invariavelmente muito mais corruptos do que aqueles que eles procuram suplantar ou derrotar”.
2022
Nas eleições deste ano, o crescimento da corrupção alia-se a outras aflições urgentes: a crise econômica, a fome, o desemprego, a perda de direitos, o preço dos combustíveis e dos alimentos, além de uma democracia erodida.
Jornalistas e pesquisadores indicam que essas pautas serão relevantes para os brasileiros ao irem às urnas em outubro. Mesmo assim, os candidatos têm focado o discurso na corrupção.
Sérgio Moro, em entrevista ao Flow Podcast, citou a palavra “corrupção” ao menos 50 vezes, além de abordar o tema em todas as suas entrevistas. Ciro Gomes (PDT) tem tentado atribuir uma imagem de corrupto a Lula (PT), o primeiro colocado nas pesquisas. Bolsonaro tenta remontar o cenário de 2018, apelando para o antipetismo, o pânico moral e o discurso anticorrupção.
Mesmo que os escândalos tenham desfeito a falsa imagem de “paladino da justiça” que Bolsonaro e Moro construíram em 2018, muitos brasileiros ainda cultivam forte aversão aos desvios de verbas e propinas que permeavam Brasília. Por isso, buscam nos presidenciáveis de 2022 uma solução para o problema.
Mas, assim como a sujeira na casa, a corrupção sempre estará se acumulando nos cantos, embaixo dos tapetes e dentro dos armários.