VERDINHA

A PLANTINHA MUNDO AFORA

Saiba quais são as políticas relacionadas à Cannabis ao redor do mundo, como elas funcionam e seus efeitos na sociedade.

Revista Torta
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Por Sarah Sandrin

Editado por Arthur Almeida, Giovana Silvestri e João Vitor Custódio

No século XVII, o vice-rei de Portugal mandava sementes para que a planta fosse cultivada em grande escala, para que assim pudesse utilizá-la como produtora de fibra para suas velas e caravelas. || Foto Vinicios Rosa Modelo: Felipe Campos

Pelo mundo, iniciativas de legalização e descriminalização da maconha têm apontado uma mudança gradual. Diversos países já legalizaram o uso da maconha totalmente e alguns a liberaram apenas o uso medicinal. Mas, afinal, qual a diferença entre legalização e descriminalização e como elas funcionam?

E mais… Por que alguns países possuem leis mais flexíveis e outros não? O que acontece onde a legalizaram? Bem, a Torta vai responder essas e outras questões, acompanhe até a última linha!

Legalize já ou descriminalize já?

Na década de 1930 foi proclamado oficialmente o combate ao uso da maconha, que teve início na Conferência Internacional do Ópio, em Genebra. || Foto Vinicios Rosa Modelo: Felipe Campos

Como já citado no texto Legalizou. E agora?, da RT, a principal diferença entre essas duas políticas de drogas consiste na penalidade que é aplicada.

Na política de legalização, todas as possíveis sanções são eliminadas. Enquanto na descriminalização o ato deixa de ser ilícito apenas do ponto de vista penal, ou seja, ainda pode haver punições administrativas, como multas, serviços comunitários ou ter que frequentar cursos oferecidos pelo Estado.

Ainda assim, as quantidades permitidas para o porte geralmente são estabelecidas por regulamento ou lei própria.

No Brasil, a maconha é proibida por determinação do Poder Executivo, que a classificou como planta proscrita na Lista E da Portaria no 344/98 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

Embora estejam surgindo iniciativas que buscam recolocar a maconha em uma nova ordem, o que vigora nos dias de hoje ainda é uma política pautada na Lei no 11.343/2006. Essa lei reserva 23 artigos para a garantia de direitos do consumidor de drogas — prevenção, atenção e reinserção social –, mas 46 artigos, isto é, o dobro, para a sua violação, por meio da repressão.

Controversas mundiais na proibição

Há indícios de que a luta contra a maconha não teve como origem a preocupação para com a saúde pública, visto a falta de credibilidade dos estudos da época, segundo o artigo A Legalização da Maconha e os Impactos na Sociedade Brasileira. || Foto Vinicios Rosa Modelo: Yasmin Moscoski

A Cannabis é uma droga ilícita em países que assinaram a Convenção Única das Nações Unidas há mais de 50 anos. No entanto, de acordo com o Relatório Mundial sobre Drogas, divulgado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc), mais de 192 milhões de adulto no mundo todo utilizaram maconha ao menos uma vez em 2016.

A inclusão da maconha em tratados sobre drogas da Organização das Nações Unidas (ONU) é controversa. Existem estudos que comprovam que o uso da planta causa menos danos ao usuário do que o uso de estimulantes ou drogas legais, como o álcool e o tabaco.

De acordo com a pesquisa “Comparative risk assessment of alcohol, tobacco, cannabis and other illicit drugs using the margin of exposure approach publicada na revista científica Scientific Reports, a maconha é quase 144 vezes menos mortal do que o álcool.

Movimentos e mudanças políticas

O grupo a favor da legalização aponta como benefício a diminuição da violência, a arrecadação de impostos para o governo e o enfraquecimento do tráfico. || Foto Vinicios Rosa

A primeira onda global de mudança política para com a Cannabis foi a remoção de sanções penais por posse de pequenas quantidades. Isso ocorreu na década de 1970 nos Estados Unidos da América (EUA) e na Holanda.

Esses países também deixaram de impor sanções penais em pequenas vendas de maconha no varejo em lojas de café. Isso não representou, porém, a legalização da produção e venda da planta.

Duas tendências transformaram a política da Cannabis na América do Norte desde os anos 1990. A primeira foi a legalização do consumo medicinal em alguns estados nos EUA (por exemplo, California, Colorado, Oregon, e Washington) e no Canadá.

O uso medicinal foi, inicialmente, permitido a partir da determinação de condições médicas, mas foi progressivamente se ampliando e permitindo que quase qualquer adulto nas jurisdições pudesse obter uma recomendação médica e comprar a planta de dispensários de varejo.

A segunda mudança mais radical foi a legalização da produção em larga escala comercial e a venda para uso não-medicinal, as vezes chamado de uso recreativo.

Isso aconteceu pela primeira vez pelo voto popular no Colorado e Washington em 2012, prosseguindo por mais outros oito estados e territórios dos EUA. No entanto, a Cannabis continuou a ser ilegal sob lei federal.

Vizinho sulamericano: o primeiro país a legalizar totalmente

Um argumento recorrente é que a legalização diminuiria os custos com presidiários no país, revertendo o dinheiro para outros setores, como o da saúde e da educação.|| Foto Vinicios Rosa

Um levantamento realizado em 2015 pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), ligada ao Ministério da Justiça, analisou 47 países da América e da Europa. A pesquisa revelou que 41% dos países descriminalizaram o porte de drogas para o uso pessoal.

Em 2014, o Uruguai foi o primeiro país do mundo a legalizar a produção, a distribuição e o consumo da planta. Em julho de 2017, passou a ser o primeiro a vender maconha ao público com fins recreativos. Antes disso, só a posse e o consumo eram descriminalizados.

O acesso à maconha é permitido de três formas: compra em farmácias, associação a um clube de Cannabis e cultivo doméstico para uso pessoal. Cada usuário pode adquirir até 40 gramas por mês.

“E aí seus maconhista, beleza?”

O Canal do Youtube UmDois, referência quando se fala de cultura cannábica, publicou o vídeo “Descriminalizar, funciona?”. Nele, Will Sassano conta sobre suas experiências com a descriminalização da maconha ao redor do mundo. O youtuber aponta 3 principais países: Portugal, Holanda e Espanha, e como funciona o consumo da maconha neles.

Na Espanha, a lei tolera o consumo e o cultivo em ambientes privados, sem fins lucrativos e para adultos, os famosos “clubes de maconha”.

O surgimento da maconha no Brasil se deu pelos escravos, que a traziam da África durante o século XV. || Foto Vinicios Rosa Modelo: Felipe Campos

Na Holanda, a posse, o consumo e a venda no varejo de menos de cinco gramas de maconha em coffee shops são tolerados desde 1976, assim como o cultivo de menos de cinco plantas. Apesar de não ser legalizada, é tolerada em todas as formas de consumo.

Em 2001, Portugal tornou-se o primeiro país do mundo a descriminalizar todas as drogas. Quanto à maconha, a lei permite portar 25 gramas sem ser considerado um criminoso por isso. Ainda assim, portar grandes quantidades de drogas, ou vendê-las continua levando à prisão.

Outros países e suas normas

Há casos de parcialidade, como na Austrália, a liberação depende de cada Estado. Assim como nos Estados Unidos, onde Alasca, Oregon, Colorado e Washington, mais a capital Washington DC, legalizaram o uso da maconha e outros 29 só a liberaram para fins medicinais.

Em outros, mesmo não legalizando por completo, alguns países liberam a maconha para consumos pessoal e terapêutico. São os casos da Alemanha, Bélgica e Jamaica.

Em 15 países, a maconha segue proibida, descriminalizada para o uso pessoal. Na Colômbia, o tráfico é reprimido, mas a posse de até 20 gramas não resulta em detenção ou processo judicial. A Argentina permite o consumo em local privado, se for de pequena quantidade.

Os efeitos da legalização

O artigo “Public health implications of legalising the production and sale of cannabis for medicinal and recreational use”, publicado pela The Lancet, faz uma análise sobre os efeitos da legalização da maconha na saúde pública dos EUA.

De acordo com a revista inglesa, a legalização ainda está nas fases iniciais, portanto, a avaliação de seus efeitos sobre a saúde pública é difícil. O estudo aponta um provável declínio nas prisões associadas à Cannabis para adultos nos estados norte-americanos que têm uso legalizado e as vendas no varejo.

Outro fator importante foi a redução do mercado ilícito da planta dentro desses estados. Como alguns deles têm uso recreativo legalizado, ocorreu um aumento da venda ilícita nos estados que não têm.

Nesse aspecto, o efeito da legalização teve menor impacto no Uruguai do que no Canadá e nos EUA. Isso porque, no máximo, metade do número estimado de pessoas que usam maconha tem registro para uso legal, não comprando das cerca de 80 farmácias autorizadas a fornecer a planta.

Ainda de acordo com a pesquisa, nos países onde ela foi legalizada, foi observado um aumento na variedade de produto. Estes incluem comestíveis, óleos de vaporização e os extratos e ceras com mais do que 60% de tetrahidrocanabinol (THC). Essa gama de produtos agora compõe 21% da receita de vendas no estado de Washington.

O uso da planta não se extinguiu com a sua proibição e foi se tornando cada vez mais popular entre jovens entre 16 e 25 anos. || Foto Vinicios Rosa Modelo: Felipe Campos

Em relação ao consumo, as pesquisas domiciliares apontaram que adultos usuários da planta utilizam com mais frequência desde a liberação. Em contrapartida, nenhum aumento de consumo de Cannabis tem sido observada entre adolescentes e adultos jovens menores de 21 anos.

Na Holanda, a legalização foi um ponto chave para que mais pessoas que desejam parar de consumir a substância, procurassem ajuda profissional.

Políticas de redução de danos

A análise da The Lancet sugere que, depois da legalização, os governos podem adotar políticas efetivas quando relacionadas aos danos do álcool e tabaco.

Um exemplo é tributar a potência de comestíveis e extratos de maconha como foi proposto no Canadá. Mas, a implementação desses impostos pode vir a ser um desafio por causa dos custos e dificuldades em testar as concentrações de THC nos produtos.

Há também os programas para prevenir o consumo de Cannabis na adolescência. Uma análise das medidas implementadas na América do Norte, mostra que existe uma fraca evidência de que as campanhas de mídia em massa ajudem a reduzir o consumo de cannabis e danos em pessoas jovens.

Entre os países sul-americanos, apenas Chile e Uruguai constam entre os maiores consumidores de maconha.|| Foto Vinicios Rosa Modelo: Felipe Campos

Contudo, após a legalização, as pessoas terão informações precisas sobre os produtos de maconha como às doses de THC, os riscos e benefícios do uso da planta mais potentes e as formas de minimizar os danos.

Por fim, outra opção é a breve intervenção psicológica que usa reforço motivacional, terapia cognitivo-comportamental e gestão de contingência. Essa estratégia pode aumentar a cessação em pessoas que consomem a planta já que apenas uma minoria permanece sem usá-la após 6–12 meses.

Segundo a base de dados da UNODC, em 2016, 2,6% da população brasileira consumiu a planta.|| Foto Vinicios Rosa

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