REPORTAGEM
ERROS E ACERTOS DE EUPHORIA AO REPRESENTAR O CONSUMO DE DROGAS PELA GERAÇÃO Z
Queda no consumo de substâncias ilícitas por jovens é tendência ao redor do mundo, mas não no Brasil.
Por Giullia Colombo
Editado por Elisa Romera e João Vitor Custódio
A série de sucesso “Euphoria”, da HBO Max, se propõe a retratar a geração Z e uma faceta particular dela: o abuso de substâncias, protagonizado pela vencedora do Emmy de melhor atriz por sua performance no seriado, Zendaya.
Apesar da temática não ser inédita, a série a explora de uma maneira inovadora. Trilha sonora, maquiagem, caracterização, styling e técnicas de filmagem que mesclam câmeras digitais e analógicas são combinadas para criar uma estética e atmosfera sedutora para compor as sensações e efeitos do uso de drogas.
Toda essa composição, contudo, fez com que Euphoria fosse acusada de glamourizar o abuso de drogas por adolescentes. Drug Abuse Resistance Education, importante organização estadunidense que luta contra o envolvimento de jovens com drogas, criticou a série por “glorificar o uso de drogas por estudantes do ensino médio e retratar erroneamente essa realidade”.
Sendo assim, quão fiel ao comportamento da geração Z, em relação a drogas, Euphoria realmente é?
A tendência de queda explicada
Uma pesquisa sobre o uso de drogas ilícitas por adolescentes norte-americanos do Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Michigan revelou uma queda de 25% de 2020 para 2021 — a maior taxa desde 1975.
O professor e pesquisador Richard Miech observa que a expressividade dos números é uma consequência indireta da pandemia e do isolamento social vivenciados nos dois anos em questão, tendo em vista que o convívio deles com outros jovens e potenciais grupos de influência diminuiu.
Contudo, ano a ano, os resultados vêm, de fato, indicando uma gradativa diminuição no uso de substâncias ilícitas por adolescentes do país, mesmo antes da pandemia. Outros estudos confirmam a tendência global.
O Instituto Nacional de Abuso de Drogas, também dos Estados Unidos, confirmou uma diminuição do uso frequente de álcool por jovens de 18 anos — de 72% em 1980 para 29% em 2019.
No Reino Unido, o Serviço Britânico Consultivo de Gravidez também aponta uma diminuição no uso frequente de álcool entre 16 e 24 anos. De 29% em 2005 para 20% em 2017.
As dezenas de pesquisas que mostram essa diminuição no consumo de álcool e substâncias ilícitas diferem da representação que o microcosmo criado por Euphoria propõe, mostrando que a série é apenas isso, um recorte cultural.
Geração Z mais sóbria
A escritora britânica e ex-professora do ensino médio, Chloe Combi, escreveu um livro sobre o comportamento da geração Z. Em 2015, ela entrevistou dois mil adolescentes do Reino Unido para entender as perspectivas deles sobre sexo, relacionamentos, família, escola, crime e saúde.
O trabalho etnográfico de Combi e as pesquisas sobre a relação dos adolescentes com as drogas dá a entender que essa geração tende a possuir um estilo de vida mais sóbrio, uma vez que eles estão mais conscientes dos benefícios de uma vida saudável dado ao vasto acesso à informação do mundo que vivem.
Em entrevista à VICE, a escritora conta que esses jovens são fruto de décadas de uma educação antidrogas e estão cientes das consequências negativas do abuso de substâncias..
Além disso, no âmbito simbólico, temos menos figuras protagonistas da indústria cultural que são tidas como exemplo de estilo de vida associado a esses excessos. Quem aqui não foi impactado pelas imagens de Lindsay Lohan e Daniel Radcliffe, astros pop da geração Z, que foram socialmente condenados pelo abuso de álcool?
Por fim, Chloe Combi relata que a pressão das responsabilidades para o futuro (educação, carreira, meio ambiente) chegam cedo para o Z. O que implica que, apesar do consumo juvenil de algumas drogas ter diminuído, o número de adolescentes usando antidepressivos, por exemplo, aumentou.
Drogas no sul-global
Tal tendência de diminuição de drogas, no entanto, parece estar restrita a alguns países. No Brasil, por exemplo, a situação é contrária e observa-se um gradativo aumento no uso de substâncias ilícitas por adolescentes.
A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), mostrou que, em 2019, 13% dos jovens brasileiros de 13 a 17 anos já experimentaram algum tipo de droga. Em 2015, esse número era de 12% e em 2009, 8,7%.
Há algumas diferenças metodológicas e contextuais entre as pesquisas norte-americana e brasileira que influenciam nos resultados. A primeira, por exemplo, não considera a maconha como substância ilícita, uma vez que é liberada para uso recreativo em alguns estados. Diferentemente do Brasil, onde o uso e a comercialização do entorpecente são proibidos.
Além disso, a pesquisa brasileira é realizada pelo IBGE a cada 3 anos, o que implica que a edição de 2022 ainda não teve seus resultados publicados. Por esse motivo, não há dados que reflitam o uso de substâncias ilícitas por jovens em um contexto pandêmico.
Mesmo assim, o caso brasileiro mostra que os contextos geográficos, culturais, econômicos e sociais que diferenciam o norte do sul global, com certeza são refletidos nos hábitos de consumo de drogas da geração Z ao redor do mundo. Talvez, a questão seja mais um reflexo de um problema social do que geracional.