Os limites do presidente da República
Cinco tópicos para compreender o cargo de chefe do Executivo.
Por Giovana Silvestri e Sarah Sandrin
Editado por Arthur Almeida, Giovana Silvestri e Rafael Junker
Consultora de Direito: Giovanna Oliva
As atuais ações do Presidente da República geraram insatisfação na população durante os seus sete meses de Governo. Segundo os dados da pesquisa do Ibope, realizada em junho, o percentual de pessoas que avaliam o Governo como “ruim ou péssimo” subiu de 27% em abril para 32% em junho.
Por isso, faz-se necessário conhecer e avaliar quais medidas que um presidente pode tomar e os elementos da Constituição que orientam suas ações. E, além disso, os limites que ele possui e quais órgãos que podem fiscalizar o Governo.
Afinal, você sabe quem pode ser presidente? Quais são as obrigações do chefe do Executivo e as suas limitações? Quais ações pode tomar sozinho e quais precisa de aprovação? A Torta reuniu em alguns tópicos essas e mais respostas.
Quem pode ser presidente?
De acordo com a Constituição Federal de 1988, os critérios para se candidatar à presidência são:
- Ter mais de 35 anos;
- Ser nativo brasileiro;
- Estar em dia com as obrigações eleitorais;
- Ser filiado a um partido político,
- Ser eleito democraticamente através de uma eleição direta, onde o mesmo deve possuir a maioria dos votos.
O que é ser presidente e o que ele faz?
O Presidente da República é a figura mais importante do poder Executivo, cabe a ele o papel de representar o país. “O presidente da república é uma espécie de representante do Brasil. Ele chefia o governo e o Estado brasileiro”, comentou o professor, Mestre e Doutor em Direito Constitucional, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves.
As principais atribuições do cargo máximo do Executivo giram em torno de executar políticas, gerenciar orçamentos públicos e nomear desde ministros a embaixadores. Dessa forma, é responsável pela administração, gestão e funcionamento do Governo e, assim, do país. Logo, é como se fosse um gerente de uma empresa (Governo), que pode tomar algumas ações em prol dos “funcionários” (cidadãos) e gesticular a renda (orçamento público).
Além disso, tem como obrigação chefiar as Forças Armadas. Segundo a Constituição, ele deve dispor sobre “(…) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva”.
Contudo, essas ações devem respeitar a Constituição brasileira, que estabelece uma série de restrições quanto aos limites do presidente. Pois, dentro do regime democrático do país, o Governo tem uma distribuição de poder entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
Tanto o Senado quanto a Câmara possuem um papel fundamental durante as ações do Executivo, pois a maior parte das decisões que um presidente toma devem passar por votação no Legislativo para entrarem em vigor, salvo alguns casos que detalharemos no decorrer do artigo.
Modo de Governo: Coalizão
O presidente não possui autonomia para governar sozinho. Dessa maneira, ele é responsável por nomear quem serão seus ministros e assessores, sem que seja necessária uma eleição democrática. Com isso, uma forma de Governo muito utilizada é o ‘Presidencialismo de coalizão’, que, na prática, significa governar juntamente com os partidos, distribuindo a eles cargos no governo. No entanto, pouco se sabe sobre como funciona, de fato, a dinâmica interna dessa distribuição.
O artigo de Fernando Limongi, “A Democracia No Brasil — Presidencialismo, coalizão partidária e processo decisório”, explica o termo criado por Sérgio Abranches:
“(…) o uso do termo [Presidencialismo de coalizão] de fato comportava a reivindicação à especificidade: ‘O Brasil é o único país que, além de combinar a proporcionalidade, o multipartidarismo e o ‘presidencialismo imperial’, organiza o Executivo com base em grandes coalizões. A esse traço peculiar da institucionalidade concreta brasileira chamarei, à falta de melhor nome, ‘presidencialismo de coalizão’”.
Logo, o termo expõe: o presidente faz uma troca de cargos políticos (visando influência no Legislativo) por apoio em seu Governo, de maneira a utilizar de sua influência política para manter uma base aliada bem construída dentro do Congresso.
Quanto à nomeação de ministros também há restrições: o presidente os nomeia, mas o cargo só é atribuído se o Senado Federal aprovar. Entretanto, é importante lembrar que estes ministros nomeados pelo presidente representam seus partidos e possuem suas próprias ideologias e agendas políticas, isso também influencia diretamente nas decisões do governo, como apresentado no texto “Coalizão: Uma moeda de troca sem valor”.
Por isso, ainda segundo o artigo de Limongi:
“A necessidade de adjetivar ou qualificar o presidencialismo brasileiro deixa subentendido que este teria algo de peculiar, de especial. Não praticaríamos um presidencialismo normal ou corriqueiro. Teríamos um regime com características próprias. Para bem ou para o mal, o presidencialismo brasileiro funcionaria desta forma particular: como um presidencialismo de coalizão. (…) Parafraseando O’Donnel, estaríamos frente a um novo animal político? Viveríamos sob um presidencialismo de coalizão, com direito a grifo e itálico?”
Quem vigia as ações do presidente?
Em definição, o Poder Executivo é o poder do Estado que possui a atribuição de governar o povo e administrar os interesses públicos, cumprindo fielmente as ordenações legais, como as leis e a Constituição. Sendo o Presidente da República a figura de maior poder dentro do Executivo, cabe a ele cumprir fielmente com o previsto.
Conforme o Artigo 49, Inciso X, da Constituição Federal, o Senado, enquanto componente do Congresso Nacional, tem a competência de fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo (vale ressaltar que essa competência é caracterizada como uma ação atípica do Legislativo). Portanto, fica a cargo do Poder Legislativo fiscalizar as ações do Executivo.
Ao avaliar a inconstitucionalidade de um ato presidencial, são levados em conta duas modalidades, os crimes de responsabilidade e os crimes comuns. Seguem abaixo as definições e os procedimentos de julgamento para cada:
Crime de responsabilidade
É preciso pontuar que, para que uma acusação contra o Presidente da República seja admitida, é necessário que ela seja aceita por, pelo menos, dois terços (66%) da Câmara dos Deputados para que o processo siga adiante. Esclarecido isso, os crimes de responsabilidade são os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I — a existência da União;
II — o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das Unidades da Federação;
III — o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV — a segurança interna do País;
V — a probidade na administração;
VI — a lei orçamentária;
VII — o cumprimento das leis e das decisões judiciais (Artigo 85 da Constituição).
Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento. O caso só segue para o Senado, onde o presidente será realmente processado e julgado, se essa decisão contar com o apoio de 66% dos deputados. Nesse caso, o presidente será julgado perante o Plenário do Senado Federal.
Crime comum
Crimes comuns são aqueles praticados por qualquer pessoa, previstos, por exemplo, pelo Código Penal. Enquadram-se nesse tipo de crime: furto, roubo, corrupção, homicídio, estupro, entre outros. Em casos como esses, o juiz vai estabelecer uma pena ao réu como, por exemplo, prisão em regime fechado, pagamento de multa ou prestação de serviços.
Quando qualquer um desses atos é cometido por um Presidente da República durante o exercício do cargo, a Constituição Federal estabelece um procedimento específico para a condução do julgamento.
No caso do crime comum, o Supremo Tribunal Federal (STF) recebe a denúncia do Procurador-Geral da República e a encaminha à Câmara. Nesse caso, também é preciso que dois terços dos deputados apoiem a abertura do processo. Porém, mesmo com a autorização da Câmara, o Supremo faz um juízo de admissibilidade. Se a maioria recusar, arquiva-se a denúncia.
Todavia, se a acusação referir-se a atos realizados antes do presidente tomar posse, ele só será investigado depois que concluir o mandato. Caso a ação tenha ocorrido durante o mandato e a denúncia for aceita, está aberto o processo. E, nesse caso, o julgamento fica a cargo do Supremo Tribunal Federal.
O que o presidente faz sozinho e o que depende do Legislativo para fazer
Como já explicamos em outros tópicos do texto, o Presidente da República não pode tomar decisões sozinho. Ele deve se ater completamente aos limites propostos na Constituição Federal. Com isso, faz-se necessário explicitar, de fato, quais são os limites de governo de um presidente.
Algumas decisões, como a nomeação e a exoneração de ministros, a aprovação e votação de leis e a assinatura de tratados e de convenções internacionais, são exemplos de ações que o presidente pode realizar de maneira independente, sem a interferência do Poder Legislativo. Desse modo, alguns decretos podem ser deferidos sem aprovação do Congresso.
Para que isso ocorra, os decretos presidenciais devem tratar-se de assuntos exclusivamente administrativos, como, por exemplo, a alteração do percentual de impostos sobre produtos estrangeiros ou industrializados. Nesse caso, o presidente pode realizar mudanças sem precisar de aprovação, desde que atenda às condições e aos limites fixados na Constituição.
O chefe do Poder Executivo também pode emitir Medidas Provisórias (MPs). Elas, “em caso de relevância e urgência”, passam a vigorar com força de lei, porém devem ser encaminhadas imediatamente aos parlamentares.
Além disso, o presidente detém o poder de colocar assuntos em pauta e sugerir Projetos de Lei (PLs) ou Propostas de Emenda à Constituição (PECs). Nesse último caso, o presidente pode propor uma PEC, mas não pode vetar o seu resultado caso ele não corresponda ao interesse do Executivo.
Portanto, mesmo em decretos de foro administrativo, o presidente não possui o poder de aumentar despesas orçamentárias, efetuar a criação ou extinção de um órgão público.
Como vimos, em poucos casos o chefe do Executivo pode fazer alterações sem que elas passem por votação no Congresso. Assim, é muito comum que, em épocas de campanha presidencial, os candidatos façam promessas que envolvam a alteração de lei, como aumentar o rigor das penas de criminosos ou mesmo liberar o porte de armas. No entanto, após tomar posse, não conseguem cumprir-lás.
Algumas propostas necessitam de mudanças na Constituição que podem ser feitas por meio de um projeto de lei ou de uma PEC. As propostas são enviadas para o Congresso Nacional, onde ocorre a votação. Para entrarem em vigor, as PECs precisam ser aprovadas em dois turnos na Câmara e no Senado, com três quintos (66%) dos votos dos parlamentares de cada órgão.
Entretanto, em alguns casos, mesmo que uma PEC seja aprovada pelo Congresso, ela não poderá entrar em vigor quando envolver a realização de mudanças em alguns artigos chamados “cláusulas pétreas”. Estas cláusulas, que não podem ser alteradas, existem para restringir o poder de reforma da Constituição de um Estado.
Em suma, é notório que apenas em situações específicas, o presidente possua autonomia total de governo. Mesmo sendo ele o representante do país e chefe do Executivo, suas ações estão diretamente subordinadas ao poder Legislativo e à Constituição Federal, garantindo que prevaleçam as leis criadas ao longo da história de um país e não apenas a vontade de uma figura de poder.