Os limites do presidente da República

Cinco tópicos para compreender o cargo de chefe do Executivo.

Revista Torta
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9 min readJul 26, 2019

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Por Giovana Silvestri e Sarah Sandrin

Editado por Arthur Almeida, Giovana Silvestri e Rafael Junker

Consultora de Direito: Giovanna Oliva

Foto por Vinicios Rosa

As atuais ações do Presidente da República geraram insatisfação na população durante os seus sete meses de Governo. Segundo os dados da pesquisa do Ibope, realizada em junho, o percentual de pessoas que avaliam o Governo como “ruim ou péssimo” subiu de 27% em abril para 32% em junho.

Por isso, faz-se necessário conhecer e avaliar quais medidas que um presidente pode tomar e os elementos da Constituição que orientam suas ações. E, além disso, os limites que ele possui e quais órgãos que podem fiscalizar o Governo.

Afinal, você sabe quem pode ser presidente? Quais são as obrigações do chefe do Executivo e as suas limitações? Quais ações pode tomar sozinho e quais precisa de aprovação? A Torta reuniu em alguns tópicos essas e mais respostas.

Quem pode ser presidente?

De acordo com a Constituição Federal de 1988, os critérios para se candidatar à presidência são:

  1. Ter mais de 35 anos;
  2. Ser nativo brasileiro;
  3. Estar em dia com as obrigações eleitorais;
  4. Ser filiado a um partido político,
  5. Ser eleito democraticamente através de uma eleição direta, onde o mesmo deve possuir a maioria dos votos.
Foto oficial de Jair Bolsonaro

O que é ser presidente e o que ele faz?

O Presidente da República é a figura mais importante do poder Executivo, cabe a ele o papel de representar o país. “O presidente da república é uma espécie de representante do Brasil. Ele chefia o governo e o Estado brasileiro”, comentou o professor, Mestre e Doutor em Direito Constitucional, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves.

As principais atribuições do cargo máximo do Executivo giram em torno de executar políticas, gerenciar orçamentos públicos e nomear desde ministros a embaixadores. Dessa forma, é responsável pela administração, gestão e funcionamento do Governo e, assim, do país. Logo, é como se fosse um gerente de uma empresa (Governo), que pode tomar algumas ações em prol dos “funcionários” (cidadãos) e gesticular a renda (orçamento público).

Além disso, tem como obrigação chefiar as Forças Armadas. Segundo a Constituição, ele deve dispor sobre “(…) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva”.

Contudo, essas ações devem respeitar a Constituição brasileira, que estabelece uma série de restrições quanto aos limites do presidente. Pois, dentro do regime democrático do país, o Governo tem uma distribuição de poder entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

Tanto o Senado quanto a Câmara possuem um papel fundamental durante as ações do Executivo, pois a maior parte das decisões que um presidente toma devem passar por votação no Legislativo para entrarem em vigor, salvo alguns casos que detalharemos no decorrer do artigo.

Modo de Governo: Coalizão

O presidente não possui autonomia para governar sozinho. Dessa maneira, ele é responsável por nomear quem serão seus ministros e assessores, sem que seja necessária uma eleição democrática. Com isso, uma forma de Governo muito utilizada é o ‘Presidencialismo de coalizão’, que, na prática, significa governar juntamente com os partidos, distribuindo a eles cargos no governo. No entanto, pouco se sabe sobre como funciona, de fato, a dinâmica interna dessa distribuição.

O artigo de Fernando Limongi, “A Democracia No Brasil — Presidencialismo, coalizão partidária e processo decisório”, explica o termo criado por Sérgio Abranches:

“(…) o uso do termo [Presidencialismo de coalizão] de fato comportava a reivindicação à especificidade: ‘O Brasil é o único país que, além de combinar a proporcionalidade, o multipartidarismo e o ‘presidencialismo imperial’, organiza o Executivo com base em grandes coalizões. A esse traço peculiar da institucionalidade concreta brasileira chamarei, à falta de melhor nome, ‘presidencialismo de coalizão’”.

Logo, o termo expõe: o presidente faz uma troca de cargos políticos (visando influência no Legislativo) por apoio em seu Governo, de maneira a utilizar de sua influência política para manter uma base aliada bem construída dentro do Congresso.

Quanto à nomeação de ministros também há restrições: o presidente os nomeia, mas o cargo só é atribuído se o Senado Federal aprovar. Entretanto, é importante lembrar que estes ministros nomeados pelo presidente representam seus partidos e possuem suas próprias ideologias e agendas políticas, isso também influencia diretamente nas decisões do governo, como apresentado no texto “Coalizão: Uma moeda de troca sem valor”.

Por isso, ainda segundo o artigo de Limongi:

“A necessidade de adjetivar ou qualificar o presidencialismo brasileiro deixa subentendido que este teria algo de peculiar, de especial. Não praticaríamos um presidencialismo normal ou corriqueiro. Teríamos um regime com características próprias. Para bem ou para o mal, o presidencialismo brasileiro funcionaria desta forma particular: como um presidencialismo de coalizão. (…) Parafraseando O’Donnel, estaríamos frente a um novo animal político? Viveríamos sob um presidencialismo de coalizão, com direito a grifo e itálico?

Quem vigia as ações do presidente?

Foto por Vinicios Rosa

Em definição, o Poder Executivo é o poder do Estado que possui a atribuição de governar o povo e administrar os interesses públicos, cumprindo fielmente as ordenações legais, como as leis e a Constituição. Sendo o Presidente da República a figura de maior poder dentro do Executivo, cabe a ele cumprir fielmente com o previsto.

Conforme o Artigo 49, Inciso X, da Constituição Federal, o Senado, enquanto componente do Congresso Nacional, tem a competência de fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo (vale ressaltar que essa competência é caracterizada como uma ação atípica do Legislativo). Portanto, fica a cargo do Poder Legislativo fiscalizar as ações do Executivo.

Ao avaliar a inconstitucionalidade de um ato presidencial, são levados em conta duas modalidades, os crimes de responsabilidade e os crimes comuns. Seguem abaixo as definições e os procedimentos de julgamento para cada:

Crime de responsabilidade

É preciso pontuar que, para que uma acusação contra o Presidente da República seja admitida, é necessário que ela seja aceita por, pelo menos, dois terços (66%) da Câmara dos Deputados para que o processo siga adiante. Esclarecido isso, os crimes de responsabilidade são os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I — a existência da União;

II — o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das Unidades da Federação;

III — o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV — a segurança interna do País;

V — a probidade na administração;

VI — a lei orçamentária;

VII — o cumprimento das leis e das decisões judiciais (Artigo 85 da Constituição).

Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento. O caso só segue para o Senado, onde o presidente será realmente processado e julgado, se essa decisão contar com o apoio de 66% dos deputados. Nesse caso, o presidente será julgado perante o Plenário do Senado Federal.

Crime comum

Crimes comuns são aqueles praticados por qualquer pessoa, previstos, por exemplo, pelo Código Penal. Enquadram-se nesse tipo de crime: furto, roubo, corrupção, homicídio, estupro, entre outros. Em casos como esses, o juiz vai estabelecer uma pena ao réu como, por exemplo, prisão em regime fechado, pagamento de multa ou prestação de serviços.

Quando qualquer um desses atos é cometido por um Presidente da República durante o exercício do cargo, a Constituição Federal estabelece um procedimento específico para a condução do julgamento.

No caso do crime comum, o Supremo Tribunal Federal (STF) recebe a denúncia do Procurador-Geral da República e a encaminha à Câmara. Nesse caso, também é preciso que dois terços dos deputados apoiem a abertura do processo. Porém, mesmo com a autorização da Câmara, o Supremo faz um juízo de admissibilidade. Se a maioria recusar, arquiva-se a denúncia.

Todavia, se a acusação referir-se a atos realizados antes do presidente tomar posse, ele só será investigado depois que concluir o mandato. Caso a ação tenha ocorrido durante o mandato e a denúncia for aceita, está aberto o processo. E, nesse caso, o julgamento fica a cargo do Supremo Tribunal Federal.

O que o presidente faz sozinho e o que depende do Legislativo para fazer

Como já explicamos em outros tópicos do texto, o Presidente da República não pode tomar decisões sozinho. Ele deve se ater completamente aos limites propostos na Constituição Federal. Com isso, faz-se necessário explicitar, de fato, quais são os limites de governo de um presidente.

Algumas decisões, como a nomeação e a exoneração de ministros, a aprovação e votação de leis e a assinatura de tratados e de convenções internacionais, são exemplos de ações que o presidente pode realizar de maneira independente, sem a interferência do Poder Legislativo. Desse modo, alguns decretos podem ser deferidos sem aprovação do Congresso.

Para que isso ocorra, os decretos presidenciais devem tratar-se de assuntos exclusivamente administrativos, como, por exemplo, a alteração do percentual de impostos sobre produtos estrangeiros ou industrializados. Nesse caso, o presidente pode realizar mudanças sem precisar de aprovação, desde que atenda às condições e aos limites fixados na Constituição.

O chefe do Poder Executivo também pode emitir Medidas Provisórias (MPs). Elas, “em caso de relevância e urgência”, passam a vigorar com força de lei, porém devem ser encaminhadas imediatamente aos parlamentares.

Além disso, o presidente detém o poder de colocar assuntos em pauta e sugerir Projetos de Lei (PLs) ou Propostas de Emenda à Constituição (PECs). Nesse último caso, o presidente pode propor uma PEC, mas não pode vetar o seu resultado caso ele não corresponda ao interesse do Executivo.

Portanto, mesmo em decretos de foro administrativo, o presidente não possui o poder de aumentar despesas orçamentárias, efetuar a criação ou extinção de um órgão público.

Como vimos, em poucos casos o chefe do Executivo pode fazer alterações sem que elas passem por votação no Congresso. Assim, é muito comum que, em épocas de campanha presidencial, os candidatos façam promessas que envolvam a alteração de lei, como aumentar o rigor das penas de criminosos ou mesmo liberar o porte de armas. No entanto, após tomar posse, não conseguem cumprir-lás.

Algumas propostas necessitam de mudanças na Constituição que podem ser feitas por meio de um projeto de lei ou de uma PEC. As propostas são enviadas para o Congresso Nacional, onde ocorre a votação. Para entrarem em vigor, as PECs precisam ser aprovadas em dois turnos na Câmara e no Senado, com três quintos (66%) dos votos dos parlamentares de cada órgão.

Entretanto, em alguns casos, mesmo que uma PEC seja aprovada pelo Congresso, ela não poderá entrar em vigor quando envolver a realização de mudanças em alguns artigos chamados “cláusulas pétreas”. Estas cláusulas, que não podem ser alteradas, existem para restringir o poder de reforma da Constituição de um Estado.

Em suma, é notório que apenas em situações específicas, o presidente possua autonomia total de governo. Mesmo sendo ele o representante do país e chefe do Executivo, suas ações estão diretamente subordinadas ao poder Legislativo e à Constituição Federal, garantindo que prevaleçam as leis criadas ao longo da história de um país e não apenas a vontade de uma figura de poder.

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