REPORTAGEM

RIOS: DA BÊNÇÃO AO DESCUIDO

Como algumas práticas e evoluções humanas estão destruindo o que antes era a principal fonte de evolução das civilizações.

Revista Torta
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Escrito por Lorrana Marino

Editado por Eduarda Motta e João Vítor Custódio

Rio Batalha, Reginópolis-SP || Foto: Hugo S. de Oliveira

Ao se pensar na história da civilização humana, alguns nomes se destacam: egípcios, sumérios e chineses, por exemplo. Mas, embora sejam precursores da formação dos primeiros estados e avanços científicos, a principal circunstância que fez desses povos os descendentes de sucesso das cidades atuais foi um grande rio.

Nilo, Tigre e Eufrates e o Rio Amarelo foram as grandes “bênçãos” que permitiram que o ser humano se aprimorasse em agricultura, construindo civilizações complexas e dominantes. Mas não é preciso ir tão longe na história para deparar-se com grandes centros urbanos que se erguem no entorno de rios.

De Londres com o Rio Tâmisa, a São Paulo com o Rio Tietê, o padrão se repete por diversas cidades independente da escala populacional. Porém, em contrapartida com a história, o respeito pelos rios parece ter perdido lugar e o resultado são poluição e aterramentos, o que vêm alertando pesquisadores.

Ironicamente, a urbanização e a agricultura são as práticas que mais vêm afetando os rios brasileiros, como explicado pelo artigo publicado no Journal of Environmental Management, liderado pela bióloga do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), Kaline de Mello.

AGRICULTURA

Segundo dados do Fundo das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), 70% de toda a água consumida na Terra é destinada à agricultura. Num recorte brasileiro, o número se repete: 72 a cada 100 litros de água são para a prática citada (Agência Nacional de Águas (ANA) e FAO).

Os números evidenciam a relação direta entre a água e a produção de alimentos. No entanto, a própria agricultura é responsável pelo rejeito de dejetos prejudiciais a um recurso que ela necessita: a contaminação de rios, riachos e lençóis subterrâneos através do escoamento de substâncias químicas e agrotóxicos.

“Apesar desses insumos terem ajudado a impulsionar a produção de alimentos, também deram lugar a ameaças ambientais, assim como a possíveis problemas de saúde humana.” (Tradução do relatório da FAO e do Instituto Internacional de Gestão da Água)

A cana-de-açúcar e o arroz cultivado sob inundação representam as maiores áreas irrigadas do Brasil | Foto: Hugo S. de Oliveira

URBANIZAÇÃO

As constantes enchentes em São Paulo e outros municípios já evidenciam que os limites no bom tratamento e respeito aos rios foram ultrapassados. O problema da impermeabilização dos solos gera, além dos estragos nas infraestruturas das cidades e na qualidade de vida da população, a contaminação das águas.

Metais pesados e outras substâncias contidas no asfalto acabam chegando aos rios, afetando a qualidade da água e, consequentemente, o ecossistema. Entretanto, para além das complicações que os solos de concreto dos grandes centros trazem, há também as problemáticas geradas pela falta de saneamento das regiões mais pobres.

Aproximadamente 47% dos brasileiros não possuem tratamento de esgoto, ou seja, o descarte acontece em fossas ou diretamente em rios. Embora a universalização do saneamento básico tenha leis e projetos que a apoiem desde 2007, a previsão para que toda a população brasileira seja atingida é o ano de 2033.

OUTRAS PRÁTICAS

Em 5 de novembro de 2015 o Brasil se deparou com um dos maiores acidentes ambientais do país: o rompimento de uma barragem em Mariana. O ocorrido jogou cerca de 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração no Rio Gualaxo que deságua no Rio Doce, responsável pelo abastecimento de 12 cidades.

Assoreamento, mudanças nos cursos e diminuição na profundidade dos rios, são alguns dos problemas trazidos pela lama. Essa situação traz à tona outra prática culpada na destruição de rios brasileiros: a mineração.

O descarte de metais pesados envolvidos nesse processo desequilibra o funcionamento natural da vida aquática, podendo exterminá-la; o que gera um impacto direto na população beneficiada pelos serviços ecossistêmicos que o rio proporciona.

“Biomas conservados significam provisão de alimentos, regulação climática e serviços culturais.” || Foto: Hugo S. de Oliveira

Para aumentar a lista, ainda pode-se citar o desmatamento. Segundo Kaline de Mello, em entrevista para a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo Fapesp, “a perda da mata nativa é o que mais ameaça os recursos hídricos nos biomas brasileiros”.

AS PREVISÕES PARA A ÁGUA DO FUTURO

Para além das preocupações climáticas que afetam diretamente o ciclo da água, os cientistas também se atentam para a qualidade das águas do futuro. Segundo os pesquisadores, é necessário uma melhoria nos dados disponíveis, ou seja, pesquisa.

Mello tem previsões negativas caso a situação do desmatamento e do saneamento básico não melhorem para os próximos anos, o que gerará custo elevado para a população em conta de água, devido ao preço do tratamento de recursos hídricos. Em contrapartida, o estudo também traz projeções positivas em caso de cumprimento do Código Florestal, por exemplo.

Em resumo, pode-se concluir que, se os envolvidos com agricultura, mineração e planejamento de cidades se conscientizarem em seguir as leis de preservação, os rios do país terão uma chance de sobreviver, voltando a ocupar a posição de “bênção” no desenvolvimento da sociedade.

A baixa qualidade da água nos rios brasileiros é um dos principais problemas enfrentados pelas grandes cidades atualmente. A falta de planejamento e de investimentos no setor de saneamento está “matando” os mananciais brasileiros. || Foto: Hugo S. de Oliveira

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