Entrevista com Mariana Genescá

Mariana Genescá é produtora executiva do longa documental Espero tua (re)volta”, de Eliza Capai. O filme, que acompanha as lutas estudantis desde 2013 até 2018, com a eleição de Jair Bolsonaro, foi lançado no Brasil na 8ª edição do Festival Olhar de Cinema, em Curitiba, onde esta entrevista foi realizada.

Heloisa Nichele
rock.rec.br
4 min readAug 5, 2019

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Equipe do filme “Espero tua (re)volta” na 8ª edição do Olhar de Cinema. Da esq. para dir. Yuri Amaral, Daniel Turini, Mariana Genescá, Nayara Souza e Jaqueline Melo (Fonte: divulgação)

Cinestésico: Como foi o processo do filme desde o início?

Mariana: A gente começou com a ideia do filme em 2016, de lá pra cá muitas coisas aconteceram, o filme foi ganhando outros recortes. Estreamos em fevereiro deste ano no Festival de Berlim, ganhou dois prêmios: o da Anistia Internacional e o Prêmio da Paz, desde então a gente vem com uma agenda de festivais no mundo todo. Ficamos muito felizes de lançar o filme aqui, — Curitiba é o primeiro lugar no Brasil que estamos exibindo — porque foi [Paraná] o Estado que mais ocupou escolas e universidades. Isso é muito representativo pra gente.

O filme fala das lutas estudantis de 2013 a 2018, mostrando as ocupações, a luta contra o aumento das tarifas em 2013, a conquista do Passe Livre Estudantil. Tem três narradores, cada um conta a partir de um eixo da luta: A Nayara, que representa as entidades estudantis organizadas, a Marcela, que é da luta autonomista, e o Lucas “Koka”, que é um pouco dos dois. Isso foi uma coisa que vimos quando começamos a nos debruçar sobre o tema e conversar com os estudantes, encontramos esses três vieses e achamos importante mostrar isso no filme, então são eles que contam essa história. Através deles a gente discute temas como racismo, machismo e questões de gênero, temas e bandeiras que discutiam dentro das ocupações. A gente busca trazer isso no filme, além de mostrar essa coisa cíclica das lutas sociais, como os direitos conquistados podem se perder a qualquer momento, e a necessidade de voltar pras ruas para lutar por isso. Acho que estamos vivendo isso mais do que nunca, começamos 2019 com um presidente de extrema direita, com propostas de acabar com a educação, com a cultura, isso traz ainda mais essa urgência de nos mantermos ativos e lutarmos por esses direitos.

Trailer oficial: Lucas “Koka” Penteado, Marcela Jesus e Nayara Souza contribuem com a narração e escrita do filme

Cinestésico: No filme há materiais de fontes diferentes, quais os limites e diferenças entre o cinema, o jornalismo e o midiativismo? Em que medida é possível usar esses diferentes materiais?

Mariana: Esse filme só existe por conta do trabalho de midiativistas e jornalistas, sem a menor dúvida. A gente usa uma quantidade vastíssima desse material, de pessoas que estavam ali dentro, se expondo, correndo riscos a sua integridade física e psicológica para poder estar ali filmando. Isso é uma conquista desses novos tempos e novas tecnologias, que facilitaram um pouco o uso desses meios. Temos uma série de pessoas que colaboraram, isso é fundamental, trazer para a tela grande, juntando materiais da mídia convencional, até para mostrar como essas ocupações estavam sendo tratadas na grande mídia.

Cinestésico: Para você e para toda a equipe do filme, qual a importância de lançá-lo exatamente nesse momento político?

Mariana: É uma pergunta difícil, eu te confesso que eu jamais poderia imaginar lançar ele nesse contexto. É muito triste lançar nesse contexto, nem nos piores pesadelos poderíamos imaginar que o Bolsonaro seria eleito, mas sem dúvida, é o momento da gente se organizar. Esperamos que o filme seja uma ferramenta usada da melhor forma possível para fazer debates, inspirar novas gerações de secundaristas e estudantes, dar importância para essa luta hoje mais do que nunca.

Cinestésico: As pessoas saem sorrindo da sessão, e nesse momento em que vivemos, o filme é “pra cima”, mostra muitas partes positivas, em meio a essas dificuldades. Pode comentar sobre isso?

Mariana: Que bom, é o melhor depoimento que a gente poderia ter, nosso objetivo é esse, gerar ação. Falando um pouco do cinema de impacto, o cinema tem um papel real, muito sério nisso. A Eliza trabalha com isso há algum tempo, fazendo documentários com temáticas políticas, sociais, é nisso que a gente acredita. Por isso a ideia de circular o filme livremente, nas plataformas, para que cada um possa acessar todas as exibições gratuitamente, isso é o que a gente acredita.

Cinestésico: Sobre a distribuição do filme, qual a importância da coprodução com a Globo News, para ter um público mais amplo, e da plataforma Taturana. E para complementar, como o filme dialoga com públicos mais amplos, e com outras narrativas?

Mariana: Uma das vontades desde o início do filme era dialogar com um público mais amplo. A gente trabalha com filmes sociais que às vezes acabam ficando dentro da nossa bolha, para pessoas que pensam muito parecido com a gente. O grande desafio desse filme foi tentar ocupar novos espaços, na mesma estratégia dos estudantes, de ocupar os espaços públicos, ocupar outras janelas, outras telas, e com isso tivemos o apoio da Globo News e da Globo Filmes.

Foi uma questão no início, mas conversando com estudantes, perguntando como viam isso, acabou que foi uma parceria bastante profícua, tivemos toda liberdade para trabalhar e ainda contamos com o material de arquivo todo da Globo para usar no filme. De fato tinha esse desafio, de dialogar com o público amplo para a gente poder tocar nesses temas, para trazer discussão e reflexão. Então conseguimos essa parceria, o filme vai ser lançado comercialmente em algumas salas de cinema, vai passar no canal Globo News, e depois no Canal Curta, que é outro canal independente parceiro do filme. E em paralelo a isso será lançado na plataforma Taturana, onde estará disponível gratuitamente para exibições coletivas e gratuitas. Na praça, na escola, na universidade, qualquer grupo a partir de cinco pessoas poderá ter acesso e promover debate. Isso para nós foi muito importante, pretendemos abarcar o maior número de pessoas.

Entrevista realizada por Ana Spreizner Baumgaertel e Vinicius vino Carvalho, numa parceria com CWB Resiste e Trópico, editada por Heloisa Nichele. A publicação colaborativa rock.rec.br é uma iniciativa da Sangue TV. Conheça o nosso expediente e colabore.

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Heloisa Nichele
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Fotógrafa, jornalista e produtora de conteúdo audiovisual. @helonichele