Minuciosa Oração: Capítulo III — Santo Nome

Fellipe Fraga
Saber Teológico
Published in
6 min readFeb 28, 2019

Nessa pequena série, vamos estudar os aspectos da “Oração do Pai Nosso”, que Jesus ensina aos discípulos como modelo, para que sirva como aprendizado sobre nossa forma de orar.

A série é dividida em dez capítulos, falando de cada trecho da oração e explorando a oração de forma cuidadosa.

Gruta do Pai Nosso — Jerusalém — Texto em Aramaico e Hebraico

Neste terceiro capítulo trataremos da Santidade de Deus, e porque Jesus disse “Santificado seja o Vosso Nome”.

O Nome de Deus

“O nome de Deus não é uma simples combinação das letras D, E, U e S” — John Stott¹

O Senhor é tratado com muitos adjetivos ao longo das escrituras. Não somente como Senhor, mas também como Pai, Altíssimo, Soberano, entre tantas outras. O Tetragrama יהוה (YHWH), transliterado como Yahweh e traduzido como Jeová é um dos objetos de controvérsia, não havendo concordância.

Os nomes hebreus eram carregados do significado vinculado ao portador daquele nome. O Senhor, ao apresentar-se para Moisés, o orienta a dizer que o Eu Sou o enviou:

Moisés perguntou: “Quando eu chegar diante dos israelitas e lhes disser: O Deus dos seus antepassados me enviou a vocês, e eles me perguntarem: ‘Qual é o nome dele? ’ Que lhes direi? “Disse Deus a Moisés: “Eu Sou o que Sou. É isto que você dirá aos israelitas: Eu Sou me enviou a vocês”. Êxodo 3:13,14

Anos mais tarde, no Sinai, Deus assim se mostra no esplendor de sua Glória.

Então o Senhor desceu na nuvem, permaneceu ali com ele e proclamou o seu nome: o Senhor. E passou diante de Moisés, proclamando: “Senhor, Senhor, Deus compassivo e misericordioso, paciente, cheio de amor e de fidelidade, que mantém o seu amor a milhares e perdoa a maldade, a rebelião e o pecado. Contudo, não deixa de punir o culpado; castiga os filhos e os netos pelo pecado de seus pais, até a terceira e a quarta gerações”. (Êxodo 34:5–7 — NVI)

O tetragrama tem como possível significado exatamente o uso do verbo Ser em diversos tempos verbais. Eu Sou, Eu Serei. Deus se apresenta na Eternidade em seu próprio nome, que é completo em sua magnificência e soberania.

Assim explicita John Stott (p. 68):

“O nome representa a pessoa que o usa, o seu caráter e a sua atividade. Portanto o “nome” de Deus é o próprio Deus, como ele é em si mesmo e se tem revelado. Seu nome já é “santo”, porque é separado e exaltado acima de qualquer outro nome.

Santificação

O nome de Deus, assim, é santo por si mesmo, já dizia Martinho Lutero em seu catecismo menor².

A santificação do nome de Deus acaba por ser algo além da literalidade. Primeiro porque o nome já é santo. Segundo porque extrapola o nome e alcança o Eterno em si mesmo, para que Ele seja santificado em nós.

Santo significa separado. O adjetivo é utilizado para falar, por exemplo, do sábado (Ex 16.23; 20.8,11; 35.2) e de Israel (Ex 19.6).

Na introdução de seu artigo sobre o tema, Hermisten Costa³ assim apresenta:

No Antigo Testamento, Arão, o sacerdote, carregava inscrito em sua mitra: “Santidade ao Senhor” (Vd. Ex 28.36–38), indicando a sua consagração total ao serviço de Deus. Deus é absolutamente santo, majestoso em Sua santidade (Ex 15.11; Sl 99.9; Is 6.3) e deseja do Seu povo uma vida de santidade.

O objetivo é que, no pedido para a santificação do nome de Deus para Ele mesmo o homem reconheça a atitude de reverência necessária para com esse nome que é Santo, de tal sorte que não deve ser dito em vão:

“Não tomarás em vão o nome do Senhor teu Deus, pois o Senhor não deixará impune quem tomar o seu nome em vão.” (Êxodo 20:7 — NVI).

A própria rejeição da santidade de Deus se torna algo profano, já que em sua essência o Senhor é Santo. O nome do Senhor foi profanado entre as nações, como relata o texto do profeta Ezequiel. A santificação do seu nome, por consequência passa pelas promessas que são tratadas ao profeta e cumpridas em Cristo:

“Por isso diga à nação de Israel: ‘Assim diz o Soberano Senhor: Não é por causa de vocês, ó nação de Israel, que vou fazer essas coisas, mas por causa do meu santo nome, o qual vocês profanaram entre as nações para onde foram. Mostrarei a santidade do meu santo nome, o qual foi profanado entre as nações, o nome que vocês profanaram no meio delas. Então as nações saberão que eu sou o Senhor, palavra do Soberano Senhor, quando eu me mostrar santo por meio de vocês diante dos olhos delas. “ ‘Pois eu os tirarei das nações, os ajuntarei do meio de todas as terras e os trarei de volta para a sua própria terra. Aspergirei água pura sobre vocês, e vocês ficarão puros; eu os purificarei de todas as suas impurezas e de todos os seus ídolos. Darei a vocês um coração novo e porei um espírito novo em vocês; tirarei de vocês o coração de pedra e lhes darei um coração de carne. Porei o meu Espírito em vocês e os levarei a agirem segundo os meus decretos e a obedecerem fielmente às minhas leis. Vocês habitarão na terra que dei aos seus antepassados; vocês serão o meu povo, e eu serei o seu Deus. Eu os livrarei de toda a sua impureza. Convocarei o cereal e o tornarei numeroso, e não trarei fome sobre vocês. Aumentarei os frutos das árvores e as safras dos campos, de modo que vocês não sofrerão mais vergonha entre as nações por causa da fome. Então vocês se lembrarão dos seus caminhos maus e das suas ações ímpias, e terão nojo de si mesmos por causa das suas iniquidades e das suas práticas repugnantes. Quero que vocês saibam que não estou fazendo isso por causa de vocês, palavra do Soberano Senhor. Envergonhem-se e humilhem-se por causa de sua conduta, ó nação de Israel! (Ezequiel 36:22–32 — NVI)

Anselmo Ernesto Graff e Dirléia Fanfa Sarmento (2016) ⁴, apontam:

No sentido mais próprio desta petição, Deus é o sujeito da santificação do seu próprio nome através dos seus atos de justiça. De forma especial a salvação da humanidade, vista por antecipação através da sua obra, concedida por meio da pregação do evangelho, mas cuja plenitude só será vista no Último Dia. Isto é compatível com o princípio de que estas três primeiras petições se referem ao nome de Deus, a sua atividade, sem desconsiderar, todavia, a santificação do nome de Deus nos corações dos cristãos. Porém, é importante salientar que o mais refinado objetivo nesta petição é o nome de Deus ser santificado. Nesse sentido, o ser humano não “aparece na foto”, para o nome de Deus ser colocado no centro dela e ela ser preenchida com seus atos salvadores e sua presença por meio da pregação da sua Palavra.

A santificação do nome de Deus é, portanto, a consciência da necessidade de que Ele, santo, deve ser tratado como tal. É Deus o centro das atenções, das orações, do culto e da adoração. É como se disséssemos “Senhor, que nós saibamos separar nossa mente somente ao seu nome, somente a Ti”.

Ainda em Stott (p. 68), “nós oramos que ele seja santificado, “tratado como santo”, porque desejamos ardentemente que a devida honra lhe seja dada, isto é, àquele cujo nome representa, em nossas próprias vidas, na igreja e no mundo”.

Jesus não disse “santificado seja o Teu Nome” à toa, é claro. Há o objetivo pleno de que por meio de Cristo, o Espírito que em nós passa a habitar serve para a santificação de Deus e exaltação dele por meio da nossa vida.

Tudo em nós deve ser feito para a glória de Deus. E a oração, ainda que carregada de petições, é também objeto para que Deus seja também santificado, glorificado, exaltado e louvado.

Non nobis, Domine, sed nomini tuo ad gloriam.

Em Cristo,

Fellipe Fraga.

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Referências:

¹ STOTT, John. Contracultura cristã — A mensagem do Sermão do Monte. ABU Editora. São Paulo, 1981

² “Santificado seja o teu nome. Que significa isto? O nome de Deus é santo por si mesmo. Mas pedimos nesta oração que ele seja santificado também entre nós. Como acontece isto? Quando a palavra de Deus é ensinada de forma clara e pura, e nós, como filhos e filhas de Deus, também vivemos uma vida santa de acordo com ela. Ajuda-nos para que isto aconteça, querido Pai no céu. A pessoa, porém, que ensina e vive de modo diferente do que ensina a palavra de Deus, desonra o nome de Deus entre nós. Guarda-nos disso, Pai celeste.” — LUTERO, Martinho. Catecismo Menor. Disponível em <http://www.luteranos.com.br/lutero/catecismo_menor.html>

³ COSTA, Hermisten Maia Pereira da . “Santificado seja Teu nome”: Santidade de Deus & Santidade do homem. Revista Brasileira de História das Religiões , v. VIII, p. 1–10, 2010.

⁴ GRAFF, Anselmo Ernesto e SARMENTO, Dirléia Fanfa. “A oração do Pai Nosso: fonte de consolo ou mera recitação?”. Fides Reformata XXI, nº 1 (2016): p. 53–69.

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