Como Nossos Pais | O doce e o amargo dos relacionamentos contemporâneos

Filme de Laís Bodansky traz reflexão sobre o mito da mulher perfeita

Marlon Faria
Saideira
4 min readSep 1, 2017

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Antes de tudo, preciso dizer que isto não é exatamente uma crítica. Impossível para mim ser isento ao analisar um filme protagonizado por Maria Ribeiro e dirigido por Laís Bodanzky. Quem me conhece bem sabe que Maria é um caso de amor antigo. Do “Saia Justa” ao “Trinta e Oito e Meio”, seu livro. Uma personalidade que gosto, uma leitura de mundo que me interessa e uma maneira de expôr suas percepções com a qual me identifico. Laís não fica atrás. Minha diretora favorita em atuação no Brasil - ou pelo menos a mais consistente delas. Gosto de Laís porque ela trabalha com aquilo que existe de mais cru na existência humana. Seus personagens são desnudos, as fraquezas deles são expostas e desprotegidas. E, na realidade, é assim que nós somos - frágeis e expostos.

Dito isto, encarem esse texto como um depoimento de alguém que saiu “provocado” do cinema.

COMO NOSSOS PAIS narra um recorte temporal da vida de Rosa (Maria Ribeiro). A personagem, que vive em guerra fria com a mãe, interpretada por Clarisse Abujamra, enfrenta um momento delicado de sua vida. Um casamento falido, um emprego que sufoca sua real vocação profissional e uma revelação acerca de identidade de seu pai fazem com que Rosa atinja o limite. Outros pequenos problemas - um deles enorme - vão se sobrepondo aos supracitados e acabam por reduzir a vida da personagem a um eterno ato de enxugar uma pedra gigante de gelo. Não importa o quanto ela se esforce, ou quão rápido ela descasque os abacaxis que a vida lhe oferece, novas situações vão surgindo e fazendo com que ela se anule enquanto mulher, mãe, esposa e indivíduo.

De cara, Laís nos dá uma aula de como criar bons diálogos. Nada aqui é alegórico. Cada frase dita cumpre um papel na narrativa. São palavras que atingem o espectador de forma tão certeira que é impossível não se pegar repetindo as mesmas baixinho, para si mesmo, na tentativa de memorizá-las. O roteiro, co-assinado por Luiz Bolognesi, não tenta ser mais do que o necessário. Aliás, algo que é recorrente na filmografia da diretora. Laís é a cineasta das pequenas histórias. É um mergulho pessoal e preciso na essência de suas personagens. Seu principal artifício é a contundência com que desenha subtramas, deixando para o público a experiência deliciosa de tentar prever acontecimentos, completar lacunas e, por fim, perceber que não é preciso criar arcos dramáticos megalomaníacos para que uma história seja interessante.

O elenco entrega atuações sinceras e uma interação muito bem delineada em cena. As personagens não se isolam em ilhas de sentimentos. Existe uma tensão sutil, mas constante, que é transmitida pelo olhar e que confere verossimilhança. Destaque para a Maria, Clarisse e Paulo Vilhena. Aliás, este talvez seja um dos melhores trabalhos do ator, cuja parceria com Lais já vem de longa data.

Mas foi Jorge Mautner o responsável por me fazer dar aquela chorada discreta. Ator no mais intrínseco significado da palavra. O descompasso na maneira como Homero, seu personagem, vê o mundo é absolutamente fantástico. Um papel complexo, uma persona dúbia e uma interpretação que comove.

A trilha sonora não é onipresente - o que eu gosto. O filme não utiliza esse recurso como um guia para as emoções do espectador. O exercício aqui é mais ‘à mão livre’, por assim dizer. Existe, porém, uma sequência muito bonita ao som da música que dá nome ao longa. Certamente um dos momentos mais simbólicos desta fita.

COMO NOSSOS PAIS é um filme de texturas, sabores, sensações. Uma obra que não nega o contexto feminista de seu surgimento, mas que em momento algum soa panfletário. Embora cumpra papel importante na composição e apresentação de mulheres de atitude. Toda a dinâmica impressa nos faz pegar carona na história de Rosa e aprender junto com ela que a vida não é tão binária quanto parece, que a perfeição é uma utopia (e não é uma meta), que nossos pais são uma versão melhorada de nós (e não o oposto) e que repeti-los não é uma escolha, mas uma condição.

Nota: 🍺🍺🍺🍺🍺

[Agora as críticas do Saideira receberão uma nota. Sendo um chopinho a nota mais baixa e cinco chopinhos a nota mais alta]

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Marlon Faria
Saideira

Journalist, Planner, Copywriter and Podcaster | Rio de Janeiro - Brazil