Crítica: A Maldição da Mansão Bly

Vinicius Machado
SALA SETE
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4 min readOct 8, 2020

Em 2018, A Maldição da Residência Hill chegou à Netflix como uma grata surpresa: uma série de terror, que abordava, além dos fantasmas que assombravam a tal mansão, também vinha cheia de contextos, utilizando o terror somente como pano de fundo para uma história sobre família e sobre os fantasmas internos de cada. Comandada por Mike Flanagan, o seriado foi um sucesso e, obviamente, se encaminhou para uma segunda temporada, posteriormente confirmada como uma antologia.

Dois anos depois, A Maldição da Mansão Bly chega à plataforma de streaming, agora não mais como coadjuvante ou mera surpresa. A série chega sob forte expectativa e uma certa pressão de manter a qualidade de sua temporada anterior, o que não é uma jornada fácil.

A nova temporada conta a história de Dani (Victoria Pedretti), uma jovem babá americana contratada para cuidar de duas crianças órfãs, que residem na Mansão Bly com a governanta, o motorista e a jardineira. No entanto, além de lidar com os fantasmas de seu passado, Dani, precisará também lidar com os segredos sombrios dessa mansão.

Apesar de ainda contar com Mike Flanagan como seu principal realizador, não são todos os episódios dirigidos por ele. O segundo, por exemplo, conta com o promissor Ciarán Foy (Eli), mas mesmo assim há um certo padrão na direção, que fez com que o formato fosse tão aclamado na estreia da primeira temporada. Os movimentos sutis da câmera, que explora e aproveita bem os espaços livres e a profundidade do cenário para gerar tensão são os pilares para manter o espectador grudado na tela.

Os elementos de terror são mais acentuados nos primeiros episódios. Se antes havia uma preocupação em introduzir todos os personagens e preparar o terreno antes de grandes revelações, aqui já não funciona desta maneira. No início, são poucos os momentos em que há um flashback ou explicação sobre algum personagem. O foco é ambientar ao máximo o espectador para o que está acontecendo naquele momento.

O desenvolvimento dos personagens, por ora, se dá às suas respectivas ações no presente, e ao longo da narrativa isso se torna cada vez mais essencial, isso porque uma das principais discussões que cercam a história é concentrada no tempo, passado, presente e futuro. Se Residência Hill abordava a culpa, o medo e os conflitos a partir da falta de comunicação, Mansão Bly é o contrário, justamente utilizando os diálogos e o companheirismo para propor discussões ainda mais maduras.

Divulgação: Netflix

Nenhum personagem possui um grande segredo a ser revelado, mas todos eles precisam lidar com suas perdas pessoais, um ajudando ao outro a superar alguma angústia causada por traumas e consequências de suas escolhas, sem tomar julgamento do que é certo ou errado. Neste momento, nem mesmo os fantasmas escapam de seus erros. Não importa se estão mortos ou vivos, são todos passíveis de erros, muitas vezes consequência de algum acontecimento passado.

O elenco, por sua vez, contribui para essa identificação fácil, seja por já tê-los visto na temporada anterior, como Victoria Pedretti, Oliver Jackson-Cohen e Henry Thomas, interpretando outros personagens. Seja pela força e carisma dos novos, caso da elegantíssima T’Nia Miller, do ótimo Rahul Kohli e das crianças Amelie Smith e Benjamin Evan Ainsworth, que transitam entre a fofura e o macabro.

Ao longo da temporada, a série abre mão de sua estrutura majoritária de terror para se tornar um romance gótico. O tom macabro se mantém. Porém, os planos já não são tão abertos e se fecham mais nos rostos dos personagens, a casa já não é tão protagonista assim, tampouco os objetos e criaturas de fundo. A conexão principal entre Mansão Bly e seu espectador é totalmente voltada pelo desenvolvimento da narrativa e pela identificação com suas peças, mesmo que isso custe um pouco mais da paciência do público, já que entre um outro episódio os elementos se tornam repetitivos e arrastados.

Divulgação: Netflix

Mas este cansaço é logo substituído por apreensão, já que tudo se desenrola melhor por ali. O penúltimo episódio, por exemplo, se dedica praticamente a contar a origem de uma das assombrações e, mesmo podendo ter alguns minutos a menos — há um exagero na poesia da história — é essencial tanto para a trama, quanto para a discussão da mensagem que a série tenta passar.

Se A Maldição da Residência Hill ganhou os espectadores com uma história cheia de mistérios e reviravoltas, A Maldição da Mansão Bly entrega um tom totalmente diferente, mais sóbrio e mais simples, focado no amor, na melancolia e numa história mais madura. É uma temporada que dialoga diretamente com uma geração com dificuldades em lidar com a passagem do tempo, com a inevitabilidade, com o fim e com a expectativa do futuro, sem se dedicar ao presente.

Muito além dos fantasmas que nos acompanham, há também aqueles que deixamos para trás e aqueles que nos deixam também. O que nos resta é saber lidar com esses dilemas e encará-los de forma natural, pois não há nada mais assustador do que passar uma eternidade cultivando o ódio por algo que foge de nosso alcance.

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Vinicius Machado
SALA SETE

Jornalista, cinéfilo, fanático por Star Wars e editor do blog Sala Sete. Escreve sobre filmes e não dispensa uma boa conversa sobre o assunto.