Nada é por acaso em O Farol

Vinicius Machado
SALA SETE
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4 min readJan 7, 2020

A mente de Robert Eggers é repleta de simbolismos. Seu primeiro filme na carreira, A Bruxa ligou o alerta no público para prestar mais atenção aos seus próximos trabalhos. Não por menos, já que diretor trata o terror como um elemento muito mais baseado na atmosfera de suas obras do que em sustos ou momentos isolados. Sua estrutura é completamente voltada para criar um ambiente assustador mesmo sendo histórias cotidianas. São pequenos detalhes que causam calafrios e muita tensão, além de discutir, por meio de uma história antiga, temas atuais, como a figura feminina e toda a descoberta sexual de sua protagonista.

Em seu mais novo lançamento, O Farol, Eggers parte para a figura masculina na intenção de explorar questões sobre a virilidade, insanidade e sexualidade dentro de um ambiente completamente hostil e solitário. Thomas Wake (Willem Dafoe), responsável pelo farol de uma ilha isolada, contrata o jovem Ephraim Winslow (Robert Pattinson) para auxiliá-lo na manutenção. No entanto, cada um deles carregam traumas e segredos prestes a se revelarem por conta do isolamento.

Filmado na proporção de 1.19:1, uma tela quadrada, com câmeras da década de 30 e lentes da década de 10, o público tem a impressão de realmente estar assistindo a um filme antigo. A tela granulada, o preto e branco, a montagem e a fotografia, muitas vezes feita sob luz naturais e velas ao redor do ambiente — Eggers e Jarin Blaschke, diretor de fotografia, já haviam trabalhado assim em A Bruxa — ajudam na experiencia de imersão. Eggers puxa elementos clássicos do expressionismo alemão ao usar o olhar como forma essencial de expressão em seus personagens.

Todos esses elementos técnicos não são realizados por vaidade ou capricho do diretor. Pelo contrário. Tudo contribui para a construção da atmosfera dentro da narrativa. São esses elementos que se tornam quase personagens ao lado da dupla. A sensação de claustrofobia ao expectador não é por acaso, tanto pelo formato de tela, quanto pelos enquadramentos ou o próprio cenário, um farol, que mesmo tendo sequências fora dele, ainda causa a impressão de que os dois personagens se mantém presos na ilha, como se houvesse ainda assim paredes os impedindo de ir adiante ou, quem sabe, voltar para casa.

O olhar é parte essencial na construção do universo de Eggers (Imagem: A24)

E se nada é por acaso em O Farol, o simbolismo da construção também não é. O formato cilíndrico, semelhante a um falo é quase a materialização da masculinidade imposta no filme. Não à toa, os dois possuem a missão de proteger e cuidar desse falo. Ao longo da trama, Thomas e Ephraim vão criando camadas e mais camadas para compor essa tensão quase sexual que envolve uma certa violência contida da maneira mais primitiva possível. O que no início eram dois homens tentando impor respeito por diálogos e hierarquia, agora se torna uma disputa de quem urra mais alto e mostra melhor seus músculos.

Todos esses elementos se direcionam para o sexo. Enquanto indivíduos, cada um possui sua forma de satisfazer suas necessidades sexuais, seja na paixão pela natureza de seu trabalho, como Wake, ou pela imaginação de fora do farol, como Winslow. A partir disso há um jogo com o público sobre o que é real e o que é abstrato até as duas figuras se encontrarem e despejarem um no outro todos esses sentimentos reprimidos. No entanto, o ideal aqui nunca é definir a veracidade dos fatos, mas usar o imaginário como um auxílio na condução da história, que também envolve mitologias e relatos de marinheiros de séculos passados.

Willem Dafoe em uma de suas atuações mais teatrais e impressionantes da carreira (Imagem: A24)

Há uma toxicidade imposta de maneira intrínseca em cada um deles, mas a transformação é tão sutil que a evolução da trama segue linear até o espectador se dar conta do que realmente está acontecendo. A habilidade do roteiro escrito por Eggers e seu irmão, junto à direção e ao talento impressionante dos atores — Pattinson e Dafoe parecem estar no auge artístico em todos os aspectos — faz com que não exista um ponto específico em que o espectador identifique o início daquela loucura. Ela não aparece de início, mas ao decorrer parece que sempre esteve ali, se alimentando aos poucos até, de fato, se sobressair em direção ao climax.

Vendido como terror, O Farol aborda a insanidade perante o isolamento e virilidade entre dois homens que buscam se sobressair num espaço onde cabe somente um. Egger usa tudo e todos os elementos possíveis para contar essa história e nada aqui acontece por acaso. O diretor de 36 anos é um dos mais inteligentes de sua geração ao saber contar grandes histórias em ambientes quase estáticos e acrescentar algum debate dentro de tudo isso. Afinal, tratar a violência masculina como forma de satisfação sexual é um dos pontos que mais se aproximam das discussões contemporâneas sobre a masculinidade, mesmo que a história se passe no fim do século 19.

Filme visto na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

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Vinicius Machado
SALA SETE

Jornalista, cinéfilo, fanático por Star Wars e editor do blog Sala Sete. Escreve sobre filmes e não dispensa uma boa conversa sobre o assunto.