O dilema de Kyler Murray

Astro no beisebol e no futebol americano na faculdade, o jovem de 21 anos parece estar indeciso (mesmo após ter assinado contrato com o Oakland Athletics)

Almir Lima Jr.
Segunda Base
5 min readDec 28, 2018

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Murray já assinou contrato com os A’s, mas pode devolver o dinheiro para tentar a sorte na NFL. (Foto: Jose Carlos Fajardo/Bay Area News Group)

Neste sábado (29), Kyler Murray dará o primeiro passo para o resto de sua vida. O jovem texano de 21 anos é o quarterback da universidade de Oklahoma, que enfrentará a poderosa Alabama numa das semifinais dos playoffs do college football dos Estados Unidos. Vinte dias antes, ele recebera o troféu Heisman como melhor jogador universitário do futebol americano no país, se credenciando como uma potencial promessa para jogar na NFL. Um bom desempenho nas finais pode lhe render um contrato como escolha de primeira rodada no draft da liga, o que criaria um interessante dilema na cabeça de Murray, que já tem compromisso fechado com o Oakland Athletics na MLB.

Em junho passado, os A’s resolveram escolher o outfielder Murray com a nona escolha geral do recrutamento do beisebol, com a esperança de tentar tirá-lo do futebol americano com base em um contrato lucrativo cujo bônus garantido na sua assinatura beirava os US$ 4,8 milhões. Em nosso preview para o draft, já destacávamos que Murray seria um caso a parte; ele passou todo o processo avisando os times que iria continuar na faculdade para ser o quarterback titular dos Sooners, substituindo Baker Mayfield (primeira escolha geral do último draft da NFL pelos Browns e um dos favoritos para ganhar o prêmio de Novato Ofensivo do Ano nesta temporada). Oakland se encantou com o outfielder, que demonstrou um grande potencial ofensivo e defensivo como junior no college, e tentaram a sorte. Murray gostou do que ouviu e assinou seu contrato. Em sua apresentação, foi rebater junto com a equipe principal dos A’s no Coliseu.

Murray tentou se garantir. Rechaçar a oferta dos A’s, que lhe garantiria uma quantia razoável mesmo se ele nunca chegasse às Grandes Ligas, para tentar a sorte no futebol americano quando não era certo nem se ele teria sucesso sendo o titular em Oklahoma seria irresponsável. O que ele não imaginava era que seu último ato jogando futebol americano na faculdade seria o seu melhor até então. O novo quarterback dos Sooners foi tão bom quanto a encomenda. Sua primeira oportunidade na frente do holofote foi impressionante; ele completou quase 71% dos seus passes, compilou mais de 4 mil jardas e passou para 37 touchdowns e apenas 7 interceptações, números esses que lhe credenciaram para levar o troféu Heisman para casa.

“Todo mundo sabe que vou jogar beisebol”, disse Murray após a premiação. No palco onde levou a maior premiação que um jogador de college football pode ganhar, ele deixou claro que sua intenção era se apresentar aos A’s para seguir sua jornada na MLB. A conexão dele com o beisebol é de família: seu pai, Kevin, jogou nas ligas menores do Milwaukee Brewers como arremessador antes de focar no futebol americano, onde jogou por Texas A&M no college e pelo San Francisco 49ers na NFL, enquanto seu tio Calvin teve mais sucesso com a bolinha e como outfielder, chegou às Grandes Ligas jogando por San Francisco Giants, Texas Rangers e Chicago Cubs entre 1999 e 2004.

Se você acompanha a MLB há algum tempo, já deve ter ouvido no nome de Scott Boras. Ele é um dos maiores agentes da história dos esportes americanos, um super herói para seus agenciados e um inimigo mortal para aqueles que tem que negociar contratos com ele. Seus jogadores nunca recebem um centavo a menos do que lhes foi prometido; um exemplo recente disso é Eric Hosmer, que se segurou na última offseason enquanto o resto do mercado se desesperava até que o San Diego Padres lhe ofereceu um lucrativo contrato de oito anos na casa dos US$ 144 milhões. É por esses motivos que Boras é um dos agentes mais disputados do beisebol, sendo agente das grandes estrelas do esporte, como Bryce Harper, por exemplo. E agora Murray. Foi Boras quem negociou o contrato dele com os A’s e quem agora garante que o futuro do jovem será no beisebol — se adiantando até a falar que Murray será convidado para a pré-temporada da equipe principal dos A’s, que seria de certa forma improvável já que usualmente os jogadores recém-escolhidos não participam do evento.

Se Murray parece certo em relação ao seu futuro ser como jogador de beisebol, o fantasma da NFL segue pairando sobre sua cabeça. Com a desistência de Justin Herbert, quarterback de Oregon e que era considerado a principal promessa na posição para o próximo recrutamento, em participar da seleção, Murray de repente aparece como a bola da vez. Ele está projetado para ser selecionado entre as duas primeiras rodadas do draft, porém, caso uma equipe que esteja precisando de quarterback (e no caso da NFL, isso sempre é uma preocupação importante para todos os times, já que é a posição mais crucial para o jogo) se enamore com o jogo de Murray, pode selecioná-lo nas primeiras escolhas, o que deixaria o quarterback com a pulga atrás da orelha de vez. Adam Schefter, um dos principais insiders da NFL pela ESPN americana, já reportou que algumas equipes já estão considerando seriamente essa possibilidade

Vamos combinar: se Murray não tivesse o desejo de estar na NFL, ele não teria voltado para a faculdade mais um ano para jogar futebol americano após assinar com os A’s. “Nunca é ruim ter opções. Eu sempre pensei que tinha condições de jogar na NFL”, disse ele antes da partida de hoje contra Oklahoma. A chance de ser uma estrela como quarterback na principal liga esportiva dos Estados Unidos poderia ser muito grande para deixar passar entre os dedos. Ao mesmo tempo, a desistência do beisebol traria apenas perdas financeiras — o contrato com os A’s já previa a possibilidade dele rumar para a NFL e traz uma cláusula em que Murray devolveria toda a quantia recebida por ele até agora.

Por ser quarterback, também seria provável, financeiramente falando, que seus ganhos — tanto contratuais, quanto publicitários — se equiparassem ao que poderia trazer do beisebol, que mesmo perdendo para a NFL e a NBA em popularidade, continua distribuindo os maiores contratos — e as maiores garantias — para seus atletas. Mesmo que ele seja um quarterback medíocre — o que parece não ser o caso — , a máxima acima descrita deve se manter real. Ao mesmo tempo, a carreira no futebol americano é mais frágil, por exigir mais do corpo do atleta — são inúmeros casos de lesões graves que deixam carreiras em risco, forçam jogadores a se aposentarem do esporte antes mesmo de atingirem o seu auge físico ou então comprometem a sua saúde no longo prazo.

De qualquer maneira, ele terá de apostar. A partida contra Alabama, a universidade “toda poderosa” do college football comandada por Nick Saban, pode significar apenas o começo de uma jornada de um jogador que poderia ter um futuro brilhante em dois esportes, mas poderá somente escolher um. Ficaremos esperando para ver se Kyler Murray se tornará realidade ou será pra sempre uma eterna promessa.

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Almir Lima Jr.
Segunda Base

Um projeto de economista em formação pela UFABC. Sofro por Palmeiras, Mets, Jets e Burnley. Aqui tento escrever linhas tortas sobre beisebol, economia e cultura