Dia Internacional da saúde da mulher

História, avanços e retrocessos. Estamos perto de conquistar nossa liberdade?

Giullia Sudan
Sementes Coletivas
11 min readMay 29, 2021

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No dia Internacional da saúde da mulher temos muitas pautas a comentar, de certa forma tivemos alguns avanços como, por exemplo, a descoberta do clitóris por Helen O’Connell numa data bem recente, 1998. Porém, ao longo do artigo gostaria que refletissem sobre: estamos próximas de conquistar nossa liberdade corporal?

Esse artigo vai dividido em 4 partes: linha do tempo, pautas importantes para o dia internacional da saúde da mulher, mulheres importantes que você precisa conhecer na história da saúde das mulheres e a conclusão.

Linha do tempo — Saúde da mulher no Brasil.

1940- Embora desde 1940 a lei permita o aborto para gravidez resultante de estupro, somente em 1989 foi aberto o primeiro serviço de atendimento às mulheres para o aborto legal, na cidade de São Paulo. Esse serviço permaneceu como único até 1994, ano em que foi aberto, também em São Paulo, outro serviço de atendimento a mulheres vítimas de violência. A partir daí foram abertos novos serviços.

1983- Foi marcado pela mobilização do movimento feminista levando a criação da instituição do programa de assistência integral á saúde da mulher (PAISM). Nele foi reforçada a necessidade de um olhar direcionado às mulheres de modo a reduzir as desigualdades entre os indivíduos e atuar nesse segmento socialmente vulnerável.

1988- A constituição brasileira assegura direitos como: educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Foi importante assegurar esses direitos, pois estávamos no período da ditadura militar onde havia um grande risco da ausência de liberdade individual.

2002- Foi no início do século XXI que foi retirado do Código Civil brasileiro o artigo que permitia que um homem solicitasse a anulação do seu casamento caso descobrisse que a esposa não era virgem antes do matrimônio. Até este momento, a não virgindade feminina era julgada como um crime e uma justificativa aceitável para divórcios.

2004- Tivemos aqui a criação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher que ampliou o cuidado às mulheres além do atendimento materno. Na sua organização as ações de serviço à saúde disponibilizado no SUS seguiram uma lógica descentralizada, regionalizada e hierarquizada em níveis de complexidade.

2011- Neste ano o Ministério da Saúde formulou e implantou um programa para a qualificação obstétrica e neonatal denominado: Rede Cegonha. Esse programa veio ao encontro da perspectiva de qualificação da atenção e reconhecimento de problemas prioritários a serem enfrentados como: a mortalidade materna, na infância até 2 anos. A Rede Cegonha também fixou um olhar especial ao período reprodutivo, planejamento reprodutivo, gestação, partos e nascimentos, pós-parto, e os primeiros dois anos de vida.

2015 — É aprovada a Lei do Feminicídio.

2018 — A importunação sexual feminina passou a ser considerada crime.

Pautas importantes para dar visibilidade no Dia Internacional das Mulheres.

Mutilação Genital.

O que é?

É a intervenção que causa dano ao órgão sexual feminino, normalmente é a remoção total ou parcial da genitália externa feminina por razões não médicas.

A Organização Mundial da Saúde classifica a MGF em 4 tipos:

  1. Clitoridectomia: remoção parcial ou total do clitóris;
  2. Excisão: remoção parcial ou total do clitóris e dos pequenos lábios, podendo haver excisão dos grandes lábios;
  3. Infibulação: estreitamento do orifício vaginal;
  4. O tipo 4 são todas as outras intervenções nefastas sobre os órgãos genitais femininos por razões não médicas.

Pelo fato desse assunto ser pouco comentado e ser tratado como tabu social os números são incertos e fazendo uma pesquisa rápida os únicos dados são de 2013. Temos então que: é prevalente em 28 países africanos e em alguns grupos na Ásia e no Oriente Médio — segundo relatório publicado pelo Unicef em 2013, mais de 27 milhões de meninas e mulheres foram mutiladas somente no Egito, além de 23,8 milhões na Etiópia e 19,9 milhões na Nigéria.

A mutilação genital feminina deve ser pautada por movimentos feministas em todo o mundo pois: primeiro, a falta de dados atualizados nos preocupa, onde estão as meninas e mulheres que sofrem com a MGF? E segundo, com essa prática o corpo de mulheres por todo o mundo é controlado com justificativas como, religiosa, pronta para o casamento, manter a pureza feminina e por higiene, ou seja, partindo da consciência política feminista sem a emancipação de todas as fêmeas humanas na face da terra, nenhuma mulher será livre, nem mesmo dentro de um sistema patriarcal cheio de mini reformas.

Casamento Infantil.

O casamento infantil pode ser definido por uma união formal ou informal antes dos 18 anos conforme a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC). O Brasil é o quarto país no mundo com maior número de casamentos infantis e cerca de 36% das meninas com idade entre 20 e 24 anos casaram-se antes dos 18 anos.

O fato do casamento infantil ainda ser feito no Brasil é sintomático, pois, nossa cultura é fortemente pedófila e pornificada levando ao casamento de meninas ser cada vez mais realizado como projeto político patriarcal com o objetivo de controlar nossos corpos e nosso sistema reprodutor, gerando mão de obra barata para o sistema capitalista explorador e desumanizador.

Aborto legalizado mas não realizado conforme a lei.

Mediante o artigo 128 do Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940 o aborto é permitido quando a mulher sofre abuso sexual, quando a gravidez coloca em risco a vida da mãe e o feto é anencéfalo, ou seja, não possui cérebro.

Dito isto, a lei deveria ser cumprida nessas condições, porém quando conversamos com mulheres ou consultamos dados é muito diferente pois:

Primeiro que muitas mulheres não possuem acesso à informação e não sabem dos seus direitos tendo assim seus filhos fruto do abuso sexual que sofreram, segundo: Médicos podem rejeitar fazer o aborto dificultando a vida da mulher a qual necessita realiza-lo, terceiro: o próprio processo dificulta a realização do aborto pois é demorado, são milhares de depoimentos, procedimentos para comprovar que seu aborto é legal… Isso quando a mulher percebe que foi abusada sexualmente e que está disposta a ir atrás do procedimento.

Outro fator que influencia se a mulher irá realizar o aborto é se na cidade dela tem hospitais para realiza-lo, há muitos casos da cidade não possuir e ela tem que viajar 5,6 horas com a roupa do abuso sofrido e estar levando o ocorrido em mente de tão traumático.

Depois de tantos motivos do porque a sociedade não está apta para realizar o necessário para mulheres temos que levar a informação á aquelas que mais precisam, temos que conversar com nossas amigas, mulheres sejam da nossa família ou não sobre o aborto e mostrar a elas que todas merecem realiza-lo, seja após uma abuso sexual ou não.

Mulheres têm medo de ir ao ginecologista.

Isso é muito comum! A ida ao ginecologista nos domina pelo medo do constrangimento e falta de acesso às mulheres na área. Fazendo uma pesquisa rápida no Google imagens a procura de imagens sobre mulheres indo ao ginecologista nos deparamos com isso:

Com uma manchete nada conveniente: “8 coisas que o ginecologista não tem coragem de dizer a você”. Partindo do pressuposto que nossa cultura é pornificada, facilmente abrindo um site de vídeos pornográficos você verá abusos sexuais com essa temática“ médico e novinha”, aí eu te pergunto, como consegui ir ao ginecologista? Mesmo que falem a nós que podemos optar por médicas mulheres, quase não conhecemos. Veja, é mais que um simples tabu é o medo instaurado de sofrer abusos por profissionais e isso é muito grave, pois necessitamos de passar por consultas.

Por isso é de suma importância pautar o abuso sexual por médicos, somos julgadas o tempo todo por nossas atitudes e no momento em que entramos no consultório médico não é diferente.

Um dado significativo do jornal da USP diz que 4 milhões de brasileiras nunca foram ao ginecologista, cerca de 5% do total. Outro dado é que: 6,5 milhões de brasileiras, 8% do total, não costumam ir ao ginecologista. Esses dados constam de um levantamento feito pelo Datafolha a pedido da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Foram ouvidas, em dezembro de 2018, 1.089 mulheres de 16 anos ou mais, pertencentes a todas as classes sociais de todo o Brasil.

Veja o relato abaixo:

“ Eu estava desesperada precisava de um exame de sangue para saber se eu estava ou não grávida, felizmente na época eu e minha mãe tínhamos plano de saúde então fomos no melhor ginecologista da rede, mas não me surpreendi, ele começou a fazer perguntas totalmente constrangedoras como: “ para quantos você deu?”, “ não sabia que tem que usar camisinha?”, “ era seu namorado né? pois se não você está abandonada”. Enfim ele me tratou igual lixo, me senti muito mal, minha mãe estava na sala comigo e o sentimento que eu tinha no momento era de querer morrer.”

Por causa desse e tantos relatos e dos dados mencionados acima, temos que conversar com outras mulheres e pautar esses abusos, procurar ginecologistas mulheres a fim de amenizar o medo e denunciar profissionais que praticam o abuso, assim vamos cuidar melhor do nosso corpo e cada vez mais abraçar umas às outras.

Quem tem nojo do meu sangue?

A menstruação atualmente é vista como suja e pouco comentada, pois se trata de um tabu social. Ela é uma parte natural das nossas vidas como mulheres e deve ser tratada com normalidade. Mas ela continua sendo motivo de vergonha e objeto de desinformação.

A discriminação varia conforme a cultura, em algumas, a discriminação é institucionalizada, sendo que as mulheres não podem falar sobre o assunto e devem ser mantidas longe da vida social. Em outras, ela é mais velada, mas não deixa de existir, em forma de uma série de constrangimentos impostos às meninas e mulheres como, por exemplo, a clássica mancha de sangue na cadeira do colégio, mesmo que seja pequena, a vergonha toma conta e o medo de alguém ver/comentar é aterrorizante.

Porém, também existe outra forma de discriminação que é obrigar a menina a casar-se pois, ela começou a menstruar logo, já pode constituir família.

Saindo do assunto menstruação, mas focando no sangue como constituição normal do nosso corpo, há mulheres que por não sangrarem na primeira relação sexual com seu parceiro são consideradas não virgens, ou seja, impuras e destituídas de respeito.

Podemos concluir que nosso sangue é simbolicamente demonizado e tratado como impuro e isso é ódio diretamente a mulheres sendo o sangue o símbolo principal da nossa capacidade reprodutiva e o que nos torna únicas.

Pobreza menstrual.

Este assunto gradualmente está sendo pautado e levado a todas as mulheres. A falta de saneamento básico, falta de acesso a absorventes, a estigmatização da menstruação são sintomas de uma sociedade misógina e que mesmo sendo muito comentado pouco é dito sobre o que podemos fazer para auxiliar outras mulheres. Pois bem, podemos: falar mais abertamente sobre menstruação, promover iniciativas de arrecadação e distribuição de higiene menstrual e demandar políticas públicas que contemplem a realidade de meninas e mulheres. E aqui gostaria de acrescentar a necessidade de pautar a saúde higiênica das mulheres encarceradas que já foi aprofundada no artigo sobre Sistema Penitenciário e Mulheres (clique aqui), mas é um assunto urgente e de suma importância a ser visibilizado. Só assim iremos acabar com o ódio ao nosso corpo e promover debates produtivos para o movimento de libertação das mulheres.

O risco falacioso das narrativas liberais sobre a saúde feminina.

Nos dias atuais é preocupante a ideia da liberdade sexual que nos é fortemente apresentada enquanto jovens podendo afetar a nossa saúde feminina nos colocando em risco. A ideia de que somos livres nos traz uma falsa sensação de poder fazendo com que nos envolvamos fortemente com homens seja psicologicamente ou sexualmente nos fazendo estar imersas nessa realidade paralela e muitas vezes nem sabemos dos métodos contraceptivos corretos, não vamos aos ginecologistas para saber como está nossa saúde, não temos conhecimento sobre nosso próprio corpo, tornando as experiências sexuais lamentáveis.

Os homens sabem mais sobre meu corpo.

Essa ideia é a que mais aparece em filmes, vídeos pornográficos e novelas. Na maioria das vezes as mulheres nunca beijaram um homem mas o seu parceiro já ficou com milhares de mulheres por isso é o “pegador” da história e sabe tudo sobre elas.

É de suma importância conhecer nosso corpo e nossos gostos sexuais pois isso cabe apenas a nós, ninguém nunca, vai saber mais do que nós mesmas, por isso temos que nos tocar, investigar, testar o que nos dá vontade, mas também ficar alerta pois tudo é construído socialmente inclusive nossos gostos sexuais e se voce já consumiu pornografia alguma vez na vida é possível que seja fortemente influenciada por ela, por isso, cuidado! Nada que está lá é de verdade e não deve ser entendido como sexo, mas como abuso sexual.

Se questione!

Por isso, quando um homem chegar a você dizendo saber de tudo que as mulheres gostam, corre! É cilada!

Falta de conhecimento aos métodos contraceptivos.

Os métodos contraceptivos são usados há muitos anos para prevenir gestações indesejadas. Aqui vou listar alguns métodos disponíveis atualmente para que chegue a informação a mais mulheres, lembrando que temos um post só sobre essa pauta no nosso Instagram!

  • Pílula contraceptiva oral
  • Injeção anticoncepcional
  • Anel vaginal
  • DIU
  • Implante contraceptivo
  • Preservativo (camisinha): masculino e feminino

A pílula do dia seguinte pode ser utilizada após a relação sexual para impedir a gravidez, porém pode ser utilizada apenas no prazo de 72 horas após a relação sexual e reduz 75% da chance de engravidar. Não é considerada como método contraceptivo! E deve ser tomada apenas uma dose.

Saúde psicológica das mulheres.

Como última pauta, mas não menos importante, temos em primeiro lugar a necessidade de falar que mulheres sempre foram consideradas loucas e os centros psiquiátricos foram os lugares que nos era colocado como centro de reabilitação resultando em sermos o contingente mais medicado do mundo. O impacto que o patriarcado possui nas mulheres é diferencial pois nos sobrecarrega de modo o qual não conseguimos acreditar em nós mesmas, fazer tudo em prol do bem-estar dos homens, sempre estamos erradas, sempre temos que ver o lado positivo das coisas, aceitamos sempre menos do que merecemos, e se questionarmos… somos loucas!

Na pandemia o sentimento de exaustão aumentou pois não temos um escape da vida doméstica, estamos por 24 horas na realidade exaustiva de mães, psicólogas, cozinheiras, prostitutas, babás de homens pois eles não conseguem ficar em casa e tudo isso ao mesmo tempo do sentimento de solidão. Aposto que já vimos e ouvimos pessoas falarem para vermos o lado bom de estarmos mais com nossas famílias,entretanto isso é o pesadelo para muitas mulheres que não aguentam mais seus maridos ou até mesmo estão cansadas de fazer a comida todos os dias para seus filhos e só ficam pensando “ quando terei férias?”.

É necessário ressaltar que os impactos psicológicos são maiores em mulheres, por isso o acompanhamento psicológico é fundamental, para as que não possuem condições financeiras, no SUS( sistema único de saúde) temos o CAPS ( Centro de Atenção Psicossocial) que é possível o acompanhamento psicológico gratuito.

7 Mulheres importantes para a saúde das mulheres na história.

  1. Elizabeth Arden (1878–1966)
  2. Nise da Silveira (1905–1999)
  3. Mamie Phipps Clark (1917–1983)
  4. Gertrude Belle Elion (1918–1999)
  5. Carolina Martuscelli Bori (1924–2004)
  6. Patricia Bath (1945 — dias atuais)
  7. Françoise Barré-Sinoussi (1947 — dias atuais)

Conclusão.

São diversas pautas a serem abordadas hoje e não estamos perto de parar de lutar, mas se cada uma ajudar e passar o conhecimento para frente podemos auxiliar muitas mulheres e talvez transformar a vida delas, como por exemplo, falando do seu direito ao aborto. Como podemos ver na linha do tempo, nossos direitos, o conhecimento sobre nosso corpo, como por exemplo o clitóris, são datas muito recentes e isso nos mostra o quanto nossos corpos foram por muito tempo desinteressantes ao ponto de não serem estudados e se foi, apagaram.

Por isso temos a responsabilidade de debater cada ponto citado acima e dentre tantos outros, não só hoje, mas todos os dias.

A evolução é contínua, lutemos!

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