Porque, pela primeira vez, me senti acolhida em um evento de tecnologia

Lívia Amorim
SER mulher
Published in
5 min readAug 10, 2016

--

Na semana passada fui ao FrontInBH, um dos maiores eventos sobre front-end do Brasil. Indo direto ao ponto, fui supreendida por uma comunidade aberta e amigável, que me ouviu, me representou e questionou a desigualdade de gênero na área da tecnologia.

Eu escrevi o primeiro parágrafo para publicar no Facebook, mas deletei. Ele não expressa a força que isso tem para mim e outras mulheres. Resolvi ampliar ele aqui no Medium para mostrar porque isso é tão significativo, e o quanto as comunidades de outras regiões podem aprender com esse evento.

Pra começar, um fato: de modo geral, a comunidade de desenvolvimento é nociva. É composta em maioria por homens, que por vezes são machistas e misóginos. Ninguém gosta de uma verdadezinha jogada na cara, “porque nem todos são iguais”, mas é experiência própria. É melhor esperar o pior e estar segura do que tentar agradar um ou outro. Como diria um amigo meu, “cachorro picado por cobra tem medo de linguiça”. Entendam como quiserem.

Quando digo que fiquei “surpresa” no FrontInBH, não é porque sou pessimista ou odeio homens. É vivência. Tanto em São Paulo – minha cidade natal, quanto em Florianópolis – onde vivo atualmente, tive algumas experiências traumáticas que me fizeram pensar duas vezes antes de ir a esses lugares. São histórias que envolvem assédio físico e moral em Meetups e até outros FrontIn.

Nunca comentei sobre isso publicamente, mas a primeira vez foi na Campus Party, quando eu tinha 16 anos (16 ANOS!). Me pareceu divertido passar as férias de janeiro em um lugar diferente, “acampar” com os amigos (e com o meu irmão mais velho) e conhecer pessoas que se interessavam pelas mesmas coisas que eu.

Nessa época eu não sabia o que era feminismo, muito menos o que caracterizava a violência contra a mulher. Foi nesse contexto que, em uma noite daquela semana, um dos caras que eu conhecia se sentiu no direito de entrar na minha barraca enquanto eu dormia. E eu não podia fazer escândalo, afinal, o que pensariam de mim?

E não é só evento. É blog, é podcast, é rádio online, é videocast. Vários projetos que parei porque homens se sentiram no direito de me ofender e ameaçar a minha integridade física (e até a da minha família). Já me calei, deixei de expor a minha opinião e me reduzi a uma insignificância fodida. Deixei de me aventurar nas linhas de código e também liguei foda-se para a cultura nerd. É como o caso do Pink Vader. A gente simplesmente cansa do nosso hobbie quando ele envolve lidar com uma comunidade babaca.

Só voltei a querer codar quando comecei a frequentar a Casa de Cultura Digital de São Paulo. Faz uns seis anos. Lembro que um amigo meu, o Capi, me incentivou a mexer com CSS e JavaScript. Eu dizia que não era boa naquilo e ele me motivou mesmo assim. Me ensinou a usar o GitHub, fizemos uns projetos e participei de uns hackatons. Foi irado. Foi onde conheci pessoas maravilhosas que mudaram a minha vida por completo. :)

Eu nos tempos de CCD, com a galera no Ônibus Hacker.

Voltei a tomar gosto pela coisa e mudei pra Florianópolis. Como eu já estava na vibe, fui no primeiro FrontInFloripa e participei de alguns Meetups. Logo de primeira sofri assédio moral em meio a uma platéia de quase 200 pessoas, onde apenas eu e outras duas pessoas éramos mulheres. Fui assediada em outro happy hour. Mais outro. E mais outro. Isso me fez ficar com um pé atrás de ir sozinha nos lugares. Sempre chamava algum/a amigo/a para ir comigo.

O último evento foi o Code in the Dark Florianópolis, que aconteceu na Lagoa. Só fui porque um amigo meu me acompanhou. Ainda esqueci meu notebook propositalmente para não participar da competição (pronto, confessei). Só de pensar no julgamento, naquelas pessoas, na minha incapacidade intelectual… Era a famosa Síndrome do Impostor dando um oi. No fim das contas eu competi e cheguei na final (com a ajuda de 1,5 litros de chopp). Foi bizarro.

Poucas semanas depois chegou o FrontInBH. Putz. Forcei a barra pra que alguém fosse comigo, mas acabei me ferrando. Fui sozinha. Pensei em não ir, mas eu já estava com tudo pago e tinha ficado de fazer um benchmark por lá. Enfim, eu fui.

Não é a primeira vez que viajo sozinha, muito menos a primeira vez que vou sozinha a um evento, mas foi a primeira vez que eu me senti verdadeiramente segura. Sabe quando você pode falar, caminhar e expor a sua opinião livremente? Conheci uma galera e conversei com todo mundo. Foi conversa de igual pra igual. Coisa linda de se ver.

Tinha umas 30 mulheres e eu já me sentia BFF de todas. Não precisava nem saber o nome, bastava saber que estávamos juntas. Era um sorriso, uma risada, uma história, uma conversa, um abraço. Sororidade.

Eu e as amigas no FrontInBH.

O apresentador, Bernard, conversava comigo e com as minhas amigas. Não se referia só “aos caras”, “aos manos”, “aos véi”. Falava “das mina” e se desculpava quando dava alguma bola fora (porque a desconstrução é um processo). Deu oportunidade e deu voz.

Para completar, uma palestra da Alda Rocha (que para mim foi a Keynote do dia) falando sobre sua vida e suas experiências. Praticamente chegou e disse “miga, vamos, mas vamos fazer juntas que é mais fácil”. E é isso mesmo, vamos juntas. E vamos fazer o que a gente quiser. E vamos mostrar para as nossas irmãs que elas também podem. Que se der merda, estamos lá, e que de lá a gente não sai.

Espero ver mais palestrantes mulheres no ano que vem! :)

Mesmo sendo feminista, estudando gênero e violência na academia, e ensinando meninas a programar no Technovation Challenge, esse evento me ensinou que eu não preciso estar nesses lugares/eventos para provar algo. Nem para a comunidade, nem para eles, nem para mim. É por elas. Por aquelas amigas que estavam comigo e por aquelas que deixaram de ir.

Foto do primeiro Conexão Anitas, com a Heloisa Simon e a Simone Beltrame (minha parça).

Daqui eu não saio. Podem vir, amigas.

--

--