A TRIUNFANTE TRAJETÓRIA DA TURMA TITÃ!

Claudio Basilio
sobrequadrinhos
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29 min readDec 7, 2023

Então… aqui no Brasil um certo time de jovens heróis tem diferentes nomes, dependendo do contexto: os marmanjos e as marmanjas que cresceram lendo gibis nos anos oitenta e noventa os chamam de Novos Titãs; os meninos e as meninas viciados no Cartoon Network os conhecem como Jovens Titãs; e os garotinhos e as garotinhas apaixonados por séries televisivas de super-heróis simplesmente os tratam apenas de Titãs. Mas… como o nosso objetivo aqui é discutir os primórdios dessa superequipe nos quadrinhos usaremos a simpática denominação aplicada a eles pela saudosa Editora Ebal na década de sessenta, ou seja: aqui e agora falaremos bastante da gloriosa Turma Titã! Venham conosco, e saibam mais sobre uma saga que começa em 1964, atravessa a década de setenta e é carregada tanto de momentos pueris quanto polêmicos!

Sidekicks

Segundo a Wikipedia a palavra inglesa sidekick é “uma gíria usada para designar um companheiro próximo ou colega geralmente subordinado aquele a quem acompanha”. Como recurso narrativo os sidekicks são utilizados desde sempre na Literatura, seja como alívio cômico (vide Sancho Pança em “Dom Quixote”), seja como um parceiro mais sério (o caso do Dr. John Watson nos contos de Sherlock Holmes) ou pura e simplesmente como alguém com quem o protagonista de uma história possa conversar. Quando o gênero “super-herói” surgiu no final dos anos trinta os sidekicks foram rapidamente adotados nas aventuras dos aventureiros mascarados de uma forma peculiar: visando gerar identificação com a molecada que lia gibis na grande maioria dos casos eles eram crianças e/ou adolescentes alegres que acompanhavam heróis adultos quase sempre sisudos.

Indiscutivelmente o mais famoso sidekick dos quadrinhos de super-heróis é Robin, o eterno parceiro mirim do Batman, que graças aos talentos de Bob Kane, Bill Finger e Jerry Robinson estreou em 1940 na revista Detective Comics #38, da DC Comics. Alguns fãs de HQs (especialmente os mais “crescidinhos”) sempre torceram os narizes para os ajudantes juvenis dos aventureiros mascarados, mas sem dúvida alguma eles conquistaram seu lugar no coração da maioria dos leitores, tanto que vale a pena fazermos aqui um registro curioso: contando todas as aparições de Robin ao lado do Cruzado Encapuzado nos gibis Detective Comics, Batman e World’s Finest com as aventuras solo do Menino-Prodígio publicadas na revista Star Splanged Comics o sempre sorridente Robin teve mais aparições nas páginas coloridas dos comic books durante a Era de Ouro do Quadrinho Americano (período que vai de 1938 a 1956) do que o próprio Batman!

Capa de Star Spangled Comics #65 (1947), que trouxe a primeira aventura solo de Robin. Arte de Win Mortimer.

Nem mesmo o advento da Era de Prata do Quadrinho Americano (iniciada em 1956 e findada no início dos anos setenta) arrefeceu dentro da DC Comics o gosto pelos auxiliares mirins: Batman continuou trabalhando com Robin, o Arqueiro Verde disparava suas flechas ao lado do jovial Ricardito, em 1959 Kid Flash se tornou o parceiro do supervelocista Flash e no ano seguinte o herói aquático Aquaman ganhou a companhia de Aqualad. Em paralelo logo após o fim da Segunda Guerra Mundial ocorreu o “Baby Boom”, um súbito aumento na quantidade de nascimentos que redundou no crescimento do contingente populacional juvenil nos EUA. Com a eclosão do “Baby Boom” surgiu e se alastrou pelo mundo uma cultura focada em adolescentes e jovens adultos que encontrou no Rock and Roll a trilha sonora ideal, e em meio aos heróis infantojuvenis da DC Comics e a radical mudança nos hábitos e gostos das camadas mais novas da população um certo escritor bolou uma ideia.

A Criação De Um Novo Supergrupo

Bob Haney foi um veterano da Segunda Guerra Mundial que após o término do conflito se tornou roteirista freelancer da indústria estadunidense de quadrinhos. Em 1955 Haney virou praticamente um funcionário fixo na DC Comics, e por lá escreveu desde histórias de guerra até aventuras de super-heróis, chegando inclusive a ser o cocriador da esquisitíssima Patrulha do Destino ao lado de Arnold Drake e Bruno Premiani em 1963.

Capa de The Brave And The Bold #54 (1964), que apresentou o primeiro encontro de Aqualad, Kid Flash e Robin. Arte de Bruno Premiani.

Algum tempo depois do surgimento da Patrulha do Destino o editor George Kashdan se aproximou de Bob Haney e pediu que ele elaborasse uma proposta para a criação de um novo supergrupo, já que equipes heroicas estavam “na moda”, se levarmos em consideração o sucesso das revistas Justice League of America (Liga da Justiça) e Fantastic Four (Quarteto Fantástico). Sem pensar muito Haney sugeriu que os sidekicks da DC Comics fossem reunidos num time, mas a sua ideia não era exatamente original: em 1941 Joe Simon e Jack Kirby criaram para a Marvel os Jovens Aliados — uma equipe encabeçada por Bucky e Centelha, parceiros mirins respectivamente do Capitão América e do Tocha Humana Original –, e no ano de 1942 os mesmos quadrinistas conceberam para a DC Comics a Legião Jovem e o Comando Juvenil, dois agrupamentos que reuniam rapazotes sem superpoderes ou trajes espalhafatosos. Ah, também havia a Legião dos Super-Heróis, grupo de adolescentes futuristas criados em 1958 como coadjuvantes das aventuras do Superboy. Mas… inédito ou não, o conceito elaborado por Haney precisaria ser devidamente testado.

Lançado em 1955, The Brave and The Bold é um histórico gibi da DC Comics que a partir de 1959 se tornou um “cenário de testes” para o lançamento de futuros títulos, e nele surgiu a Liga da Justiça, o Esquadrão Suicida e a versão extraterrestre do Gavião Negro. Em 1963 The Brave and The Bold passou a apresentar team-ups (histórias onde dois ou mais personagens que geralmente não trabalham juntos se reúnem em prol de um objetivo comum), o que tornava a revista uma escolha óbvia para avaliar o plano proposto por Bob Haney.

Página de abertura de “As Mil e Uma Sinas do Sr. Ciclone”. Arte de Bruno Premiani e Sheldon Moldoff.

The Brave and The Bold #54 (1964) trouxe “As Mil e Uma Sinas do Sr. Ciclone”, uma aventura escrita por Bob Haney e desenhada por Bruno Premiani onde Aqualad, Kid Flash Robin foram convidados a mediar um conflito entre e os adolescentes e adultos na diminuta cidade de Hatton Corners. A tarefa dos sidekicks seria naturalmente difícil, mas se tornou ainda mais complicada quando entrou em cena o Sr. Ciclone, um criminoso capaz de controlar o clima e que sequestrou todos os menores de idade de Hatton Corners. Com muito esforço e trabalho em equipe os três heróis mirins derrotaram o vilão e reconciliaram os jovens sequestrados com a população adulta do pequeno município.

A Princesa Amazona Adolescente

A aliança de Dick Grayson, Garth e Wally West (respectivamente os nomes civis de Robin, Aqualad e Kid Flash) foi novamente testada por Bob Haney e Bruno Premiani em Brave and The Bold #60 (1965), onde os parceiros mirins se constituíram no grupo batizado de Turma Titã e ganharam a companhia da adorável Moça-Maravilha, a irmã mais nova da Mulher-Maravilha. Aliás… a trajetória editorial da jovem heroína é tão “fora do comum” que nos cabe dar algumas explicações sobre ela!

Capa de The Brave and The Bold #60 (1965), onde o grupo de heróis adolescentes finalmente foi batizado de Turma Titã. Arte de Nick Cardy.

No ano de 1946 a DC Comics a partir do gibi More Fun Comics #101 iniciou a publicação de histórias do Superboy, que mostravam a infância e adolescência do Superman. A versão juvenil do Homem de Aço foi um sucesso, e a equipe criativa da Mulher-Maravilha comandada por Willian Moulton Marston entendeu que seria interessante reproduzir esse conceito, e assim em 1947 a revista Wonder Woman #23 trouxe uma aventura da Princesa Amazona ainda criança.

Página de abertura de Wonder Woman #105 (1959), que trouxe a primeira aparição da Moça-Maravilha, ou sendo mais específico da Mulher-Maravilha como adolescente. Arte de Ross Andru e Mike Esposito.

Em 1959 a dupla criativa constituída por Robert Kanigher e Ross Andru decidiu reaproveitar a ideia da “Mulher-Maravilha juvenil”, elaborando HQs que mostravam a Princesa Amazona na tenra idade (Bebê-Maravilha) ou na juventude (Moça-Maravilha). As versões joviais da principal heroína da DC Comics caíram no gosto popular e em 1961 Kanigher e Andru radicalizaram as coisas, e assim no gibi Wonder Woman #124 graças ao uso da tecnologia das amazonas as três “Mulheres-Maravilhas” se encontraram e dividiram uma aventura repleta de bizarrices sci-fi. Daí em diante, sem maiores explicações a Bebê-Maravilha e a Moça-Maravilha passaram a ser tratadas como “irmãs” e personagens distintas da Mulher-Maravilha original.

Capa de Wonder Woman #124 (1961), onde as três versões da Mulher-Maravilha dividiram uma aventura. Arte de Ross Andru e Mike Esposito.

Com o passar do tempo a Bebê-Maravilha foi deixada de lado, mas a princesa amazona adolescente sobreviveu e ganhou um lugar de destaque no panteão de super-heróis da DC Comics após ter sido “roubada” por Bob Haney, que passou a ser utilizá-la na Turma Titã, onde ela viveu aventuras no mínimo… pitorescas!

É Uma Brasa

No final de 1965 a Turma Titã foi novamente reunida em Showcase #59 (outra revista da DC Comics dedicada ao teste de novos conceitos), e dessa vez Bob Haney foi acompanhado pelo desenhista Nick Cardy. Por fim, no comecinho de 1966 a equipe juvenil ganhou uma revista bimestral própria — cujo nome era Teen Titans — produzida por Haney e Cardy, e que seguia diretrizes criativas singulares.

Capa de Showcase #59 (1965), que através de surfistas e motociclistas deixavam claro para os leitores que as aventuras da Turma Titã seriam dirigidas para o público juvenil da época. Arte de Nick Cardy.

Bob Haney sempre gostou de falar que o seu público era “o garoto de doze anos que mora no interior”, e partindo dessa premissa ele elaborava os roteiros da Turma Titã enchendo a boca dos personagens com diálogos repletos de gírias que “supostamente” os adolescentes dos anos sessenta usavam. Por causa disso os leitores de Teen Titans se deparavam com os jovens heróis usando expressões idiomáticas que poderiam ser traduzidas/adaptadas para o português como “é uma brasa”, “aquele iê-iẽ-iê é demais”, “os adultos são uns quadrados”, e assim por diante. O resultado muitas vezes soava tolo ou exagerado, e para forçar ainda mais a identificação com a juventude estadunidense daquela época a Turma Titã era usualmente chamada por Haney em seus escritos de “Fab Four” (Os Quatro Fabulosos), apelido que “por coincidência” era o mesmo de um certo grupo musical britânico chamado Beatles.

Capa da primeira edição de Teen Titans (1966), série bimestral dedicada a Turma Titã. Arte de Nick Cardy.

Obviamente as histórias da Turma Titã concebidas por Bob Haney e Nick Cardy não estavam restritas apenas a conversas “moderninhas”, já que quase sempre elas seguiam a mesma estrutura narrativa: nas primeiras páginas os titãs estavam escutando um rock “maneiro” na sua base secreta, cuja entrada era escondida por um outdoor que anunciava o seriado live-action do Batman (sim, aquele estrelado por Adam West e Burt Ward!); repentinamente a equipe recebia um chamado para ação, que invariavelmente envolvia um conflito entre adolescentes e adultos; um vilão matusquela surgia e colocava a prova os jovens heróis; e no final de tudo os parceiros mirins derrotavam o bandido amalucado e apaziguavam os ânimos entre os garotos e os maiores de idade que os chamaram.

Capa de Teen Titans #4 (1966), onde pela primeira Ricardito trabalhou com a Turma Titã. Arte de Nick Cardy.

Dentro de todas as características narrativas que citamos algumas aventuras interessantes foram produzidas por Bob Haney e Nick Cardy. Ao lado de Ricardito (Roy Harper, o já citado sidekick do Arqueiro Verde) a Turma Titã auxiliou um jovem atleta que pretendia participar dos Jogos Olímpicos em Teen Titans #4, e na sexta edição da revista os heróis juvenis bateram de frente com o Rapaz-Fera, o membro caçula da Patrulha do Destino dotado da habilidade de se transformar em qualquer animal. No futuro Ricardito e o Rapaz-Fera se tornariam peças importantes dentro da mitologia da Turma Titã.

Capa de Teen Titans #6 (1966), onde a Turma Titã bateu de frente com Mutano, que na época era chamado de Rapaz-Fera. Arte de Nick Cardy.

Entre o auxílio a adolescentes desesperados e o enfrentamento de criminosos esquisitos um fato interessante certamente chamou a atenção daqueles que acompanhavam regularmente Teen Titans: a evolução da arte de Nick Cardy. O desenhista iniciou sua carreira como auxiliar de Burne Hogarth na tira em quadrinhos do Tarzan, e em 1950 passou a trabalhar na DC Comics, onde obteve destaque ao desenhar série mensal do Aquaman. O estilo artístico de Cardy era simples e elegante quando ele assumiu Teen Titans, mas aos poucos o desenhista se soltou, e passou a usar técnicas narrativas mais ousadas, chegando inclusive a aplicar efeitos psicodélicos em algumas das aventuras dos jovens heróis. No cômputo geral entre o lápis e arte-final Cardy se envolveu artisticamente na produção de quarenta e três HQs da Turma Titã, e no meio dessa jornada ele encarou alguns desafios editoriais inesperados… e extremamente polêmicos!

Novos Talentos

Em 1967 a produtora Filmation Associates adquiriu junto a DC Comics a licença para produzir animações dos personagens da editora para a televisão. Assim, em 9 de setembro de 1967 estreou nas tevês americanas “The Superman/Aquaman Hour of Adventure”, que em seus trinta e seis episódios de baixíssimo orçamento contaram com a participação da Turma Titã. Como os direitos sobre o Robin estavam atrelados ao seriado protagonizado por Adam West o parceiro do Batman foi substituído por Ricardito, que ao lado de Kid Flash, Moça-Maravilha e Aqualad estrelou três segmentos roteirizados por George Kashdan, o editor da revista Teen Titans.

A animação da Turma Titã estreou no Brasil em 1978, e foi exibida no SBT / TVS até meados dos anos oitenta, onde recebeu o nome de “Jovens Titãs”. E já que falamos de nomes… a equipe de tradução do estúdio de dublagem Herbert Richers deu para Aqualad, Moça-Maravilha, Kid Flash e Ricardito nessa ordem as alcunhas heroicas de Aquamoço, Garota Maravilhosa, Jovem Relâmpago e Veloz! Nada muito “elegante”, mas certamente “elegância” não era algo que aguardava os aventureiros adolescentes em sua revista no findar da década de sessenta.

Cena de “Operação Resgate”, episódio de “The Superman/Aquaman Hour of Adventure” que teve um segmento estrelado pela Turma Titã e foi lançado originalmente nos EUA em 1967.

Em 1968 a América era uma nação convulsionada: a Guerra Fria entre os EUA e a extinta União Soviética ameaçava constantemente “esquentar”; jovens tomavam as ruas protestando contra a Guerra do Vietnã e exigindo mudanças radicais na sociedade estadunidense; conflitos raciais explodiam em todo o país, em especial no Sul; e muitos lamentavam os assassinatos do reverendo Martin Luther King Jr. e do senador Robert “Bobby” Kennedy, duas lideranças políticas progressistas de peso. Mais ou menos no mesmo período os quadrinistas veteranos da DC Comics começaram a exigir do corpo executivo da editora direitos trabalhistas básicos como planos de saúde ou de aposentadoria. Tais revindicações resultaram na demissão de muitos dos velhos artistas, que foram substituídos por escritores e desenhistas iniciantes que estavam mais interessados em criar histórias com os super-heróis que conheceram na sua juventude do que em direitos trabalhistas, e que provavelmente teriam mais “sintonia” com os anseios dos leitores dos anos sessenta.

Capa repleta de efeitos psicodélicos de Teen Titans #17 (1968), onde na Inglaterra a Turma Titã encarou Mad Mod, vilão que se tornou personagem recorrente da animação “Jovens Titãs em Ação”. Arte de Nick Cardy.

George Kashdan abandonou a editoria de Teen Titans em 1968, e foi substituído por Dick Giordano, um promissor editor e desenhista egresso da Charlton Comics. Giordano assumiu a revista da Turma Titã na décima quinta edição, e aos poucos ele foi modificando o tom dela ao dar oportunidade para novos talentos.

Nova-iorquinos da gema, Len Wein e Marv Wolfman eram amigos e leitores fanáticos de gibis de super-heróis na infância, o que os levou a se tornarem fanzineiros e posteriormente escritores profissionais. Dick Giordano convidou Wein e Wolfman a escrever alguns roteiros para a Turma Titã, e a dupla estreou em Teen Titans #18, onde os fãs se depararam com uma aventura onde os parceiros mirins se aliaram ao Estrela Vermelha, um herói adolescente oriundo da União Soviética. A mensagem que Wein e Wolfman queriam passar era clara: pessoas com visões sobre o mundo diferentes como a Turma Titã (capitalistas) e Estrela Vermelha (comunista) poderiam se unir em prol de um objetivo comum benigno, uma crença muito comum entre vários militantes políticos do final dos anos sessenta.

Capa de Teen Titans #18 (1968), onde a Turma Titã se depara com o jovem herói soviético chamado Estrela Vermelha. Arte de Nick Cardy.

Em Teen Titans #19 o também iniciante Mike Friedrich foi incumbido temporariamente de escrever o roteiro da revista, onde após a derrota do vilão Polichinelo foi definido que Ricardito substituiria Aqualad como membro regular da Turma Titã. A edição seguinte de Teen Titans contaria novamente com um texto de Marv Wolfman e Len Wein, mas dessa vez… uma das maiores polêmicas da história da DC Comics se instaurou!

A Batalha de Jericó

Teen Titans #20 traria “Os Titãs na Batalha de Jericó”, aventura cujo título foi inspirado em “Joshua Fit the Battle of Jericho”, uma tradicional canção gospel de origem afro-americana. Nessa história a Turma Titã iria para um gueto situado numa grande cidade estadunidense e por lá lidaria com a raiva da jovem população negra local contra o racismo estrutural dos EUA, raiva essa que era estimulada e manipulada por gângsteres mais interessados em dinheiro do que em questões sociais. A Turma Titã teria o auxílio de um misterioso aventureiro chamado Jericó, e no final de tudo os garotos do gueto seriam convencidos pelos jovens heróis que o ódio não leva a lugar nenhum. Ah, nas últimas páginas da HQ também seria revelado que Jericó era um adolescente afro-americano, fato que o tornaria o primeiro super-herói negro da DC Comics. Mais aí…

Capa de Teen Titans #20 (1969), que trouxe a polêmica história “Os Titãs na Batalha de Jericó”. Arte de Nick Cardy.

O plot de “Os Titãs na Batalha de Jericó” foi aprovado sem ressalvas por Dick Giordano e a aventura foi integralmente desenhada por Nick Cardy, porém ao receber a HQ pronta Carmine Infantino — então o principal chefe editorial da DC Comics — a detestou e vetou a sua publicação. Neal Adams — que naquela época estava a poucos passos de se tornar um dos maiores desenhistas de super-heróis de todos os tempos — assumiu a defesa de Len Wein e Marv Wolfman, mas não teve jeito: Infantino nunca permitiria que aquele tipo de história fosse enviado para a gráfica e para as bancas de jornal. Sem outra opção em menos de uma semana Adams reescreveu e redesenhou vários trechos de “Os Titãs na Batalha de Jericó”, transformando os jovens do gueto, os gângsteres e Jericó (rebatizado como Josué) em pessoas brancas e tornando uma invasão extradimensional a principal ameaça da aventura, que foi publicada com os devidos créditos a Wein, Wolfman e Cardy. Depois disso, as partes envolvidas tiveram diferentes opiniões sobre essa querela.

Página não publicada de “Os Titãs na Batalha de Jericó”, onde Jericó se revela um jovem afro-americano. Arte de Nick Cardy.

Dick Giordano afirmou que não tinha lembranças específicas dos motivos que levaram Carmine Infantino a recusar “Os Titãs na Batalha de Jericó”; por outro lado, Len Wein acreditava que Infantino ficou preocupado com uma possível repercussão negativa da história no Sul dos EUA, principalmente por ela trazer um super-herói negro. Já Neal Adams entendia que presença de um aventureiro afro-americano não foi exatamente a causa do problema, uma vez que a DC Comics já tinha um personagem negro de certo destaque, no caso o soldado Jackie Johnson, que aparecia nas HQs de guerra do Sargento Rock; segundo Adams, na verdade Infantino rejeitou “Os Titãs na Batalha de Jericó” devido ao seu suposto tom excessivamente político. Seja como for… em 1966 a DC Comics passou por uma situação parecida quando segundo o escritor Jim Shooter o editor Mort Weisinger proibiu a inclusão de um integrante negro na Legião dos Super-Heróis (clique aqui para saber mais!), o que em muitos sentidos reforça a argumentação de Wein. Ah, uma rápida curiosidade histórica: criado entre o final de 1970 e o início de 1971 por Jack Kirby e estreante na revista Forever People #1 (Povo da Eternidade) o engenhosos Vykin é considerado o primeiro super-herói negro da DC Comics.

Página de “Os Titãs na Batalha de Jericó” refeita por Neal Adams, onde Jericó (rebatizado como Josué) é mostrado como um adulto branco.

Independente da polêmica que gerou “Os Titãs na Batalha de Jericó” marcou um momento de mudanças profundas na Turma Titã. Mudanças que envolviam a chegada de novos membros na equipe e até mesmo nos seus uniformes!

Titãs de Macacões

Ao lado do escritor principiante Steve Skeats o lendário desenhista Steve Ditko criou para a revista Showcase #75 (1968) Rapina e Columba, uma dupla de irmãos — Hank e Don Hall — que recebeu de uma misteriosa entidade mística dons especiais: ao falar a palavra “Rapina” o temperamental Hank Hall se tornava um brutamonte dotado de superforça; em contrapartida, ao pronunciar “Columba” o pacífico Don Hall adquiria agilidade sobre-humana. Ainda em 1968 os irmãos ganharam uma série bimestral própria, mas Ditko rapidamente abandonou o barco — provavelmente devido a divergências criativas com Skeats — e a revista da dupla foi cancelada após a sexta edição. Todavia, Rapina e Columba não ficariam muito tempo ao léu…

Capa de Teen Titans #21 (1969), onde os irmãos Rapina e Columba encaram a Turma Titã. Arte de Nick Cardy.

Em Teen Titans #21 Neal Adams continuou a trama “refeita” de “Os Titãs na Batalha de Jericó” e aproveitou a deixa para tornar Rapina e Columba integrantes da Turma Titã. Na sequência Marv Wolfman retomou a equipe juvenil em Teen Titans #22, e decidiu em seu roteiro desvendar um segredo que a muito tempo intrigava os leitores: afinal de contas qual era a verdadeira origem da Moça-Maravilha?

Teen Titans #23 — Capa de Teen Titans #23 (1963), onde a Moça-Maravilha revela seu novo uniforme. Arte de Nick Cardy.

Junto com o desenhista Gil Kane o cordato Marv Wolfman explicou que anos atrás a Mulher-Maravilha resgatou uma bebê de um prédio em chamas. Como os parentes da criança não foram encontrados a super-heroína a levou para a Ilha Paraíso (lar ancestral das amazonas da Mitologia Greco-romana), onde ela foi adotada por Hipólita, a mãe da Mulher-Maravilha. A menina cresceu e recebeu tratamentos médicos e treinamento que a tornaram uma amazona, até que finalmente ela virou integrante da Turma Titã. Na conclusão dessa história foi revelado que o nome civil da Moça-Maravilha era Donna Troy, e para marcar o fim desse mistério ela ganhou um novo uniforme, que até hoje é o seu traje mais conhecido pelos leitores. Contudo, outras mudanças atingiriam em cheio a Turma Titã…

Capa de Teen Titans #26 (1970) onde os integrantes da Turma Titã deixaram de lado seus uniformes. Arte de Nick Cardy.

No final da década de sessenta a DC Comics estava enfrentando uma fortíssima concorrência da Marvel, que publicava HQs supostamente mais “modernas”. Uma das ações realizadas para enfrentar a Casa das Ideias foi a retirada dos superpoderes da Mulher-Maravilha, transformando a heroína numa espiã e artista marcial (saiba mais sobre essa transformação clicando aqui), e Carmine Infantino entendeu que seria interessante aplicar um conceito parecido na Turma Titã.

Cena de Teen Titans #25 (1970), onde Lilith Clay se apresenta para a Turma Titã e pede para ser integrada a equipe. Arte de Nick Cardy.

O veterano roteirista Robert Kanigher assumiu as rédeas da Turma Titã em Teen Titans #25, que trouxe uma aventura onde o vencedor do Nobel da Paz Arthur Swanson foi morto durante um violento protesto que a Turma Titã tentou debelar. Os parceiros mirins foram fortemente repreendidos pela Liga da Justiça por não conseguirem impedir o assassinato de Swanson, e passaram a ser tutelados por Loren Jupiter, um bilionário e filantropo que se ofereceu para treiná-los, desde que eles não usassem por um tempo suas habilidades especiais. Nesse cenário Robin abandonou a equipe, seus colegas deixaram de lado seus uniformes e passaram a vestir macacões e a Turma Titã ganhou dois novos membros: Lilith Clay e Malcolm “Mal” Duncan.

Cena de Teen Titans #26 (1970), onde Mal Duncan é convidado por Loren Jupiter a se tornar membro da Turma Titã. Arte de Nick Cardy.

Lilith era uma garota ruiva dotada de poderes telepáticos e precognitivos e Mal Duncan… bem, Mal Duncan era um jovem negro periférico que apesar de ser um bom boxeador não possuía um codinome heroico ou talentos especiais. Não é sabido se a criação de Mal Duncan foi uma “compensação moral” pelos incidentes ocorridos em “Os Titãs na Batalha de Jericó”, mas sabe-se que “controvérsias” deveriam ser evitadas a todo custo: houve uma cena em Teen Titans #26 onde Lilith dá um beijo fraternal no rosto de Mal Duncan, e para não “melindrar” leitores mais “sensíveis” Dick Giordano ordenou que ela fosse toda colorida com tons de azul, para não dar clareza imediata da etnia dos personagens envolvidos. Pelo visto a DC Comics de fato queria publicar “HQs mais modernas”, mas ainda guardava uma grande preocupação com o “Sul dos EUA”, não é mesmo?

Cena de Teen Titans #26 (1970), que apresentou o famoso beijo “censurado” de Lilith em Mal Duncan. Arte de Nick Cardy.

Os “Titãs de Macacões” apareceram apenas durante três edições de Teen Titans, uma vez que ao se tornar o responsável pelos argumentos da revista a partir da edição #28 Steve Skeats aos poucos devolveu os uniformes coloridos aos super-heróis mirins e trouxe Aqualad e Robin de volta para a equipe, que continuaria a sua trajetória… com mais algumas novidades e percalços!

A Passagem do Tempo

As histórias escritas por Steve Skeats eram divertidas, e ele reforçou as fileiras da Turma Titã ao criar em Teen Titans #32 o irascível Gnarrk, um adolescente pré-histórico trazido para a nossa época após uma viagem no tempo empreendida por Kid Flash e Mal Duncan. Com um certo empenho os jovens heróis conseguiram civilizar Gnarrk, que desenvolveu uma relação afetiva com Lilith, e então… mais uma mudança de comando editorial atingiu a Turma Titã!

Cena de Teen Titans #33 (1971), onde a Turma Titã “civiliza” o pré-histórico Gnarrk na marra! Arte de George Tuska e Nick Cardy.

Dick Giordano saiu da DC Comics para trabalhar com Neal Adams na Continuity Associates, um estúdio que prestava serviços artísticos para editoras de quadrinhos. Murray Boltinoff substituiu Giordano como editor de Teen Titans, e uma das suas primeiras providências foi sem maiores explicações trazer Bob Haney de volta para o cargo de escritor da Turma Titã. Haney não “reinventou a roda” e procurou seguir as diretrizes narrativas de Steve Skeats, mesmo porque os heróis adolescentes já não eram mais retratados como garotinhos com idade entre doze e catorze anos, e sim como jovens prestes a terminar o Ensino Médio. Outra coisa que Haney manteve foi a elaboração de histórias curtas protagonizadas individualmente por alguns membros da Turma Titã, como Lilith, Mal Duncan e Aqualad. Porém… a passagem do Tempo se impôs sobre os super-heróis mirins, e Teen Titans foi cancelada em 1973 após o lançamento da quadragésima terceira edição, e tal cancelamento ocorreu em um certo contexto histórico.

Capa de Teen Titans #43 (1973), onde a Turma Titã enfrentou um grupo de demônios. Arte de Nick Cardy.

No início dos anos de setenta começou a Era de Bronze do Quadrinho Americano (encerrada por volta de 1986), e nela a audiência dos gibis estava ligeiramente mais velha do que nas décadas anteriores, e passou a exigir HQs menos “infantis”. Provavelmente por causa desse envelhecimento do público os sidekicks juvenis já não eram mais tão queridos por quadrinistas e leitores quanto nos anos anteriores. Vejam como ficou a situação dos principais integrantes da Turma Titã: por volta de 1969 um grupo de autores encabeçados por Denny O’Neil e Neal Adams reaproximou o Batman de suas origens sombrias, fato que resultou no afastamento de Robin do Cavaleiro das Trevas. O Menino-Prodígio adentrou os anos setenta liderando a Turma Titã em Teen Titans e fazendo aparições pontuais nas histórias do Homem-Morcego, e ganhou aventuras individuais nas revistas Detective Comics e Batman Family. Kid Flash e Aqualad muito de vez em quando davam as caras nas HQs do Flash e do Aquaman, o que infelizmente não acontecia com a Moça-Maravilha em relação à Mulher-Maravilha, e quanto a Ricardito… em 1971 ele foi personagem central da impactante história “Pássaros Da Neve Não Voam”, publicada na revista Green Lantern #85 (1971) e onde foi revelado que o parceiro do Arqueiro Verde era viciado em drogas ilícitas.

Capa da histórica Green Lantern #85 (1971), que revelou aos leitores que Ricardito era viciado em drogas. Arte de Neal Adams.

Tudo indicava que a Turma Titã viraria uma nota de rodapé na mitologia da DC Comics e os seus integrantes meros coadjuvantes bissextos nos gibis da editora, porém para a surpresa de muitos a equipe formada pelos heróis adolescentes… ressurgiria!

Identidade Heroica

Em meados da década de setenta a DC Comics finalmente perdeu a liderança do mercado estadunidense de comic books para Marvel, o que levou a Warner Communications (conglomerado de mídia que abrigava a editora) a tomar providências: em 1976 Carmine Infantino foi “convidado” a abandonar a chefia editorial da DC Comics e foi substituído por Jenette Kahn, uma recém-formada em Belas Artes muito bem sucedida na produção de livros infantis e que nunca havia trabalhado com quadrinhos. Rapidamente Kahn meteu a mão na massa, e no seu entendimento uma forma da DC Comics recuperar o seu espaço nas prateleiras das bancas de jornal e nas incipientes comic shops era lançar mais e mais títulos, suplantando a Marvel no número total de revistas disponíveis no mercado. Ora, Teen Titans foi um gibi relativamente longevo e trazia heróis conhecidos por todos os fãs, então dentro da plano de Kahn trazê-lo de volta fazia todo o sentido.

Capa de Teen Titans #44 (1976), que marcou a volta da Turma Titã. Reparem que no canto inferior direito Mal Duncan está vestindo a roupa do Guardião. Arte de Ernie Chan e Vince Colletta.

No segundo semestre de 1976, sob o comando editorial de Joe Orlando e apresentando um roteiro escrito por Paul Levitz e Bob Rozakis o amado gibi Teen Titans voltou, com a numeração continuando de onde parou em 1973. Na história publicada em Teen Titans #44 Kid Flash, Mal Duncan, Moça-Maravilha, Ricardito e Robin reorganizaram a equipe e enfrentaram o Doutor Luz, um antigo adversário da Liga da Justiça, mas… o verdadeiro eixo narrativo dessa aventura se encontrava em Mal Duncan, que finalmente se tornou um super-herói de verdade ao vestir um exoesqueleto que lhe conferia superforça e ao assumir a alcunha de Guardião, nome que havia sido usado por um personagem criado por Jack Kirby nos anos quarenta.

Capa de Teen Titans #47 (1977), onde a Turma Titã enfrenta um mal ajambrado grupo de supervilões. Reparem que nela Mal Duncan faz uso do seu instrumento de sopro místico. Arte de Rich Buckler e Jack Abel.

Bob Rozakis passou a tocar sozinho os argumentos do time adolescente nas edições seguintes, e continuou a explorar a questão da identidade heroica de Mal Duncan, que em Teen Titans #45 deixou o uniforme do Guardião de lado ao receber de Azrael, o Anjo da Morte (uma entidade sobrenatural que surgiu só Deus sabe de onde!) um instrumento de sopro através do qual ele poderia executar teleportes ou disparar rajadas sônicas. Uma novidade interessante, que seria seguida pela entrada da misteriosa Arlequina na Turma Titã!

Quando falamos de “Arlequina” não estamos nos referindo a famosa ex-namorada do Coringa que surgiu no início dos anos noventa: a personagem em questão estreou em Batman Family #6 (1976), onde atormentava Robin, ora alegando que era a “filha do Coringa”, ora afirmando com todas as letras ser a “filha do Pinguim”. Em determinado momento a espevitada anti-heroína também falou para quem quisesse ouvir que era a “filha da Mulher-Gato” ou então a “filha do Charada”, mas em Teen Titans #48 os leitores descobriram que seu verdadeiro nome era Duela Dent, e que supostamente ela sempre foi a primogênita do Duas-Caras, um dos mais perigosos inimigos do Batman. E praticamente junto com a Arlequina uma nova aventureira mascarada passou a fazer parte do time de jovens heróis.

Capa de Teen Titans #48 (1977), onde a Turma Titã descobre que supostamente o Duas-Caras é o pai da Arlequina. Arte de Rich Buckler e Jack Abel.

Karen Beecher era uma promissora cientista que namorava Mal Duncan, e que deu o ar da sua graça pela primeira vez em Teen Titans #45. Com o tempo Beecher criou um traje de combate que lhe conferia superforça e poder de voo, e em Teen Titans #48 ela se tornou parte da Turma Titã e assumiu o codinome de Abelha. Bob Rozakis admite que na época em quem a Abelha estreou não passou pela sua cabeça um fato muito importante: Karen Beecher era a primeira super-heroína afro-estadunidense (cidadã dos EUA de ascendência africana) da DC Comics. Em tempo: a amazona Nubia — que fez sua primeira aparição em 1973 na revista Wonder Woman #204 — é considerada primeiríssima heroína negra da editora.

Cena de Teen Titans #48, onde a super-heroína Abelha se apresenta para a Turma Titã. Arte de Jose Delbo e Vince Colletta.

Um aspecto curioso da criação de Karen Beecher envolvia a sua alcunha heroica: ao saber que Bob Rozakis pretendia chamar a personagem de “Abelha” (Bumblebee, no original em inglês) o seu colega Len Wein sugeriu que ela fosse batizada como “Abelha Negra” (Black Bee, na língua inglesa). Segundo Wein “Abelha” soava muito “fofinho”, e havia uma “tradição” de personagens de ancestralidade africana terem a palavra “negro” acoplada aos seus codinomes, como era o caso do Pantera Negra, Golias Negro (ambos da Marvel), Corredor Negro e Raio Negro (estes últimos da DC Comics). Rozakis considerava essa “tradição” tola, e na sua visão ninguém achava abelhas “fofinhas”, e assim o nome heroico de Karen Beecher foi mantido.

Costa Oeste

Em Teen Titans #49 a Turma Titã mudou a sua base para a Trombeta de Gabriel, uma danceteria localizada na Costa Leste dos EUA, o que era coerente com aquele período histórico, que vivia a explosão da Disco Music. Na edição seguinte os heróis adolescentes enfrentaram o Capitão Calamidade, um obscuro adversário do Batman… e enquanto isso na Costa Oeste dos EUA entrou em cena uma novíssima Turma Titã!

Capa de Teen Titans #50 (1977), onde a Turma Titã encara a sua contraparte da Costa Oeste dos EUA. Arte de Rich Buckler e Jack Abel.

A Turma Titã da Costa Oeste era formada por Rapina, Columba, Lilith, Gnarrk, Rapaz-Fera, Águia Dourada e Bat-Girl, sendo que os dois últimos heróis dessa lista nunca participaram da equipe no passado. Então… vamos explicar rapidamente as suas origens!

Águia Dourada era Charley Parker, um órfão que adorava o Gavião Negro e que na revista Justice League of America #116 (1975) ganhou do vilão Mestre da Matéria a capacidade de mimetizar o uniforme e os dons do seu super-herói favorito. Já a Bat-Girl em questão não é a conhecida filha do Comissário Gordon: sua identidade secreta era Bette Kane, e ela era sobrinha e parceira mirim da Batwoman, uma personagem que segundo algumas “lendas” foi criada em 1956 para dirimir “boatos maldosos” que o psiquiatra Fredric Wertham divulgou sobre o relacionamento de Batman com o Robin. A Batwoman “arrastava sua saia” para o Cruzado Encapuzado, e Bat-Girl — que estreou em 1961 no gibi Batman #139 (1961) — era “doidinha” pelo Menino-Prodígio, porém no transcorrer dos anos sessenta ambas foram deixadas de lado pelos quadrinistas da DC Comics, até momento em que Bob Rozakis decidiu resgatar a heroína juvenil e alocá-la na Turma Titã.

Capa de Teen Titans #51 (1977), onde as duas formações da Turma Titã lidam com atentados empreendidos pelo Capitão Calamidade. Arte de Rich Buckler e Vince Colletta.

Graças aos poderes de domínio mental do Capitão Calamidade as duas equipes de titãs se digladiaram em Teen Titans #51 e #52, mas naturalmente os heróis conseguiram derrotar o vilão e tudo ficou em paz. Na sequência Bob Rozakis pretendia intercambiar constantemente os jovens heróis entre os dois grupos, e estabelecer um triângulo amoroso entre Arlequina, Robin e Bat-Girl. Todavia… os planos do escritor não puderam ser implementados.

Página final de Teen Titans #52 (1977), onde todos os heróis que até aquele momento fizeram parte da Turma Titã posam para uma foto. Arte de Don Heck e Bob Smith.

Em 1978 ocorreu a Implosão DC, uma enorme crise administrativa, logística e de gestão que quase levou a DC Comics à bancarrota. Como resultado dessa adversidade quarenta por cento dos títulos da editora foram cancelados sem dó e piedade, e para a tristeza de muitos fãs Teen Titans estava entre eles, mas Bob Rozakis ainda teve tempo de contar uma história muito importante, no caso a verdadeira origem da Turma Titã.

Família Disfuncional

Em Teen Titans #53 foi revelado que logo após os eventos de “As Mil e Uma Sinas do Sr. Ciclone” (publicada em The Brave and The Bold #54, se lembram?) Aqualad, Kid Flash e Robin retornaram para seus lares e descobriram que os integrantes da Liga da Justiça estavam cometendo uma série de crimes. Se aliando a Ricardito e a Moça-Maravilha os parceiros mirins conseguiram deter seus mentores, e souberam que os heróis veteranos estavam sendo mentalmente subjugados por Antítese, uma maligna criatura oriunda de uma dimensão desconhecida. Os heróis adolescentes conseguiram vencer o monstro alienígena, e devidamente abençoados pela Liga da Justiça formaram a Turma Titã, com uma ressalva: o Arqueiro Verde vetou a participação constante de Ricardito no recém-formado time juvenil, mas para os leitores ficou claro o jovem arqueiro era fundador da equipe.

Capa de Teen Titans #53 (1978), revista que revelou a verdadeira origem da Turma Titã. Arte de Rich Buckler e Jack Abel.

A revista da Turma Titã foi novamente cancelada, e em 1979 a equipe teve um brevíssimo revival em The Brave and The Bold #149, onde eles dividiram uma aventura com o Batman escrita pelo inefável Bob Haney, porém todos os sinais mostravam que os sidekicks da DC Comics nunca mais seriam reunidos em um time. Contudo, no início da década de oitenta algo inesperado ocorreu…

Capa de The Brave and The Bold #149 (1979), revista que apresentou um breve revival da Turma Titã. Arte de Jim Aparo.

Após um longo período trabalhando na Marvel o agora experiente escritor Marv Wolfman voltou para a DC Comics, e propôs o lançamento de uma nova série estrelada pela Turma Titã. A maior parte do quadro de colaboradores da DC Comics se opôs a tal proposta, mas Len Wein — que atuava como editor fazia um certo tempo — considerou a ideia de Wolfman interessante e a aprovou. O renomado desenhista George Pérez topou participar do projeto como um favor pessoal para o seu amigo Wolfman, e juntos eles resgataram Kid Flash, Moça-Maravilha, Rapaz-Fera (que passou a atender pelo nome de Mutano) e Robin, e criaram três novos personagem: Cyborg, um atleta mutilado que teve partes do corpo substituídas por componentes cibernéticos; Estelar, uma princesa alienígena de pele dourada capaz de voar e disparar pelas mãos rajadas energéticas; e Ravena, dotada de poderes místicos e filha de um demônio extradimensional. A nova formação da Turma Titã concebida por Wolfman e Pérez estreou em 1980 no gibi DC Comics Presents #26, e imediatamente ficou claro para os fãs que a equipe não era constituída por moleques que falavam gírias descoladas ou por adolescentes desorientados: agora eles eram uma família disfuncional formada por jovens adultos, que graças aos seus fortes laços de amizade encarariam toda e qualquer ameaça numa nova revista mensal lançada no segundo semestre daquele ano.

Capa do primeiro número de The New Teen Titans (1980), série dedicada aos Novos Titãs, uma reformulada formação da Turma Titã. Arte de George Pérez e Dick Giordano.

Antes que nos esqueçamos: o gibi da reformulada Turma Titã se chamava The New Teen Titans, e rapidamente ele se tornou o título de maior vendagem da DC Comics dos anos oitenta. E a equipe foi rebatizada como… Novos Titãs!

A saga dos Novos Titãs talvez seja contada em verso e prosa neste blog… um dia!

Recontando a História

Nas últimas décadas a mitologia da DC Comics passou por incontáveis reboots, o que levou a origem da Turma Titã / Novos Titãs / Jovens Titãs / Titãs a ser recontada, revisitada e modificada várias vezes. Vamos resgatar aqui alguns desses histórias.

Capa de Secret Origins Annual #3 (1989), que repassou toda a história da Turma Titã / Novos Titãs. Arte de George Pérez.

Em 1988 junto com o famoso desenhista Dan Spiegle os escritores Mark Evanier e Sharman DiVono contaram em Teen Titans Spotlight #21 (uma série dedicada a aventuras individuais dos integrantes dos Titãs) uma “história perdida” da Turma Titã, onde no início da sua carreira os imberbes sidekicks encararam um hippie idoso afeito a praticar assaltos. No ano seguinte ao lado um enorme conjunto de quadrinistas convidados o simpático George Pérez elaborou um roteiro publicado em Secret Origins Annual #3 que passou a limpo toda a cronologia da equipe até aquele momento. No ano de 2008 a roteirista Amy Wolfram (que escreveu vários episódios da animação televisiva “Jovens Titãs em Ação”) e o ilustrador Karl Kerschl dedicaram um olhar amoroso ao início da carreira heroica dos aventureiros adolescentes na minissérie em seis capítulos chamada Teen Titans: Year One, e que no Brasil foi batizada como “No Princípio…”. O artista brasileiro Paulo Siqueira e o escritor britânico Dan Abnett trouxeram o Sr. Ciclone de volta e revelaram segredos do passado da equipe em 2015 nas oito edições da série fechada “Caça aos Titãs”, e em 2023 o sempre competente Mark Waid foi incumbido dos argumentos de World’s Finest: Teen Titans, título onde em parceira com a desenhista italiana Emanuela Lupacchino o escritor analisa a origem da Turma Titã sob a perspectiva do Século XXI.

Capa de World’s Finest: Teen Titans #1 (2023), que recontará os primórdios da Turma Titã. Arte de Chris Samnee.

E assim… estamos chegamos no final de nosso longo artigo! Hoje a Turma Titã / Novos Titãs / Jovens Titãs / Titãs é o carro-chefe do canal de tevê Cartoon Network, além de ter ganho uma série live-action que no Brasil está disponível na Netflix. Provavelmente iremos nos encontrar várias e várias vezes com os jovens heróis nas páginas de histórias em quadrinhos ou em nossas televisões, mas antes de irmos embora precisamos situar os colecionadores ávidos de gibis onde as aventuras citadas aqui podem ser encontradas em edições brasileiras:

● “As Mil e Uma Sinas do Sr. Ciclone” (história que marcou a estreia da Turma Titã) foi publicada em quatro revistas no Brasil: O Herói #21 (Editora Ebal, 1968); Os Novos Titãs #100 (Editora Abril, 1994); Coleção DC 75 Anos #2 (Panini, 2010); e DC Comics: Coleção de Graphic Novels #20 (Eaglemoss, 2016);

● A maioria das histórias da fase clássica da Turma Titã foi apresentada aos leitores brasileiro nos cinquenta e um números da série O Herói: Turma Titã, publicada pela Editora Ebal entre 1968 e 1973;

● Entre as edições #1 e #28 da revista Quadrinhos em Formatinho: Mulher Maravilha a Editora Ebal publicou as aventuras da Turma Titã concebidas por Bob Rozakis, num período que vai de 1977 a 1980;

● A maioria absoluta das histórias da Turma Titã produzidas originalmente entre 1964 e 1978 nunca foi republicada no Brasil. Neste caso é possível encontrá-las nas compilações americanas Teen Titans: The Silver Age e Teen Titans: The Bronze Age, duas robustas (e caríssimas!) edições no formato omnibus que ainda estão em catálogo no Exterior.

Os Novos Titãs #49 (Editora Abril, 1990) trouxe a “história perdida” da Turma Titã produzida por Mark Evanier, Sharman DiVono e Dan Spiegle;

Secret Origins Annual #3 pode ser encontrada nas seguintes revistas brasileiras: Superpowers #19 (Editora Abril, 1990) e Lendas do Universo DC: Os Novos Titãs #21 (Panini, 2021);

● A minissérie “No Princípio…” chegou nas bancas de jornal brasileiras em 2009, mais especificamente entre as edições #55 e #60 de Novos Titãs (Panini);

● “Caça aos Titãs” foi publicada na íntegra num encadernado homônimo lançado pela Panini em 2016;

World’s Finest: Teen Titans deverá ser lançada em breve na nossa terra pela Panini. Pelo menos essa é a nossa expectativa!

E assim… gostosamente falamos para todos aqueles que tiveram paciência de chegar até aqui:

E TENHO DITO!

P.S. : este textão é dedicado a Rogério Vieira de Simone, um antigo “parceiro de crime” que desde sempre é o maior especialista em Turma Titã / Novos Titãs / Jovens Titãs / Titãs da América Latina de todos os tempos!

Para Saber Mais:

Wikipedia: Teen Titans

Les Daniels: DC Comics — Sixty Years of the World’s Favourite Comic Book Heroes

Alan Cowsill: DC Comics Year by Year — A Visual Chronicle

Robert Greenberger: DC Comics Encyclopedia: The Definitive Guide to the Characters of the DC Universe

Twomorrows: American Comic Book Chronicles — The 1960s — 1960 -1964

Twomorrows: American Comic Book Chronicles — The 1960s — 1965–1969

Twomorrows: Back Issue #17

Twomorrows: Back Issue #33

DCU Guide: Lista de Aparições da Turma Titã

DCU Guide: Lista de Aparições de Robin (Dick Grayson)

DCU Guide: Lista de Aparições de Ricardito (Roy Harper)

DCU Guide: Lista de Aparições da Moça-Maravilha (Donna Troy)

DCU Guide: Lista de Aparições de Kid Flash (Wally West)

DCU Guide: Lista de Aparições de Aqualad (Garth)

Grand Comics Database: Teen Titans (1966)

Guia dos Quadrinhos: O Herói: Turma Titã (1968)

Guia dos Quadrinhos: Quadrinhos em Formatinho: Mulher Maravilha (1977)

13th Dimension: A Origem Secreta da Turma Titã

13th Dimension: A História de Mal Duncan

13th Dimension: A Animação Sessentista da Turma Titã

13th Dimension: A História da Arlequina

13th Dimension: Uma Homenagem a Nick Cardy

Comic Book Resources: As Primeiras Aventuras Individuais de Robin

Comic Book Resources: A Criação da Moça-Maravilha

Comic Book Resources: A Origem da Turma Titã

Tom Brevoort: Os Titãs na Batalha de Jericó

The Comics Journal: Entrevista com Len Wein

InfanTV: A Animação Sessentista da Turma Titã

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Claudio Basilio
sobrequadrinhos

Apenas um rapaz latino-americano que gosta de falar de Quadrinhos e Cultura Pop. E de outros assuntos também!