Como jornalista, o que aprendi com o curso de Gestão de Produto Digital na Tera

Forçando (bem) a barra, dá pra dizer que a vida de um Product Manager guarda algumas semelhanças com a de um editor, mas o que vi me fez mudar a maneira como vejo uma Redação hoje

Juliano Costa
Somos Tera
7 min readDec 4, 2019

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Das 9h às 19h, por seis dias seguidos (de segunda a sábado), topei o desafio de fazer o Bootcamp de Gestão de Produto Digital na Tera, curso indicado por 11 entre 10 Product Managers (requer fontes) atualmente. A foto abaixo, um clickbait safado, com duas long necks de Heineken ao lado de um copinho de café, é meramente ilustrativa de um momento de celebração — o da apresentação de um Produto Digital, criado e desenvolvido pelos alunos durante as aulas, tudo a partir do conteúdo introduzido pelos "experts" (os professores). Sim, um Produto criado do nada em uma semana. Pauleira. Mas que valeu a pena, por mostrar na prática como é a vida de um PM (conto a ideia lá no fim).

As Heineken te chamaram a atenção? Clickbait safado! O que move o curso é o café. A cerveja pintou só num momento de celebração, no fim

Aqui entra atrasado o meu disclaimer: numa classe com 28 pessoas, eu era o único jornalista. Tinha engenheiro, designer e até uma advogada, mas de jornalismo mesmo era só eu. Por essa amostragem, fica claro pra mim que a tentativa de migração dos jornalistas para a área de produto digital se concentra na área de UX Writing, o que faz total sentido (mas, ó, UX Writing não é só escrever, como mostra aqui a gerente de UX Writing da Loggi — e minha esposa — , Mariane Lorente).

No caso de Gestão de Produto, o buraco é mais em baixo.

Resumindo pra quem não é da área: o Product Manager (ou gerente de produto, em português) é o braço que faz a engrenagem girar — uma engrenagem complexa, com vários componentes (ou “stakeholders”, como prega o jargão), dentre eles o pessoal de UX, além da galera de negócios e, claro, os devs. Resumindo o resumo, vale esta imagem abaixo: o PM entre três círculos que se sobrepõem — os de UX, tech e business. Precisa ter jogo de cintura.

"Você está aqui"

E foi por isso que, em determinado momento de brisada, fiz uma (beeem) livre associação entre o papel de um PM e o trabalho de um editor. Foi numa dessas atividades em grupo feitas para acordar a galera, quando o cansaço começa a surgir depois de trocentas horas de conteúdo técnico (volto a repetir: cerveja é só no fim. O que nos moveu foi o café da máquina barulhenta™).

O desafio proposto era simples: relacionar seu trabalho atual (ops!) com o de um PM. Peguei um punhado de canetinha colorida, uma Bic e mostrei pros meus colegas: eu era a Bic, e cada uma dessas canetinhas representava alguém de uma função diferente — o repórter, o videorrepórter, o fotógrafo, o produtor de podcast, o infografista, o desenvolvedor… O “produto” poderia ser qualquer tipo de conteúdo editorial, em texto, áudio ou vídeo. A ideia era mostrar que, na prática, um editor precisa ser a cola de vários outros profissionais, assim como faz um PM com designers, engenheiros, a turma de BI… Com o perdão do trocadilho, a metáfora colou. Todos entenderam.

Visão estratégica

Falando em conceito: um editor não precisa saber de tudo, claro. Nem um PM. Aprendi na prática, durante o curso, que há muitos PMs com formação mais técnica (engenheiros), mas que mais da metade tem backgrounds distintos (como o caso dessa nossa colega advogada), “de humanas” mesmo. O que conta é visão estratégica, é entender o Produto, focar sempre no cliente. Ora, não é exatamente esse o desafio atual do jornalismo digital?

Falando em fundamentos: nunca mais pensarei numa rotina de Redação sem lembrar das chamadas “metodologias ágeis”. Kanban, Scrum, Lean… tudo isso pode ser implementado em determinados times da Redação (como o "núcleo de especiais"), a fim de se obter uma produção mais assertiva e fundamentada em dados desde o início. Pensar na fluidez do trabalho é tão importante que o NYT tem um TIME DE FLOW.

Se deu no NYT, questão de tempo pra disseminar por aqui. E será que nós, jornalistas, estamos prontos para isso? Como adepto do Darwinismo, acredito que TEMOS que estar, por questão de sobrevivência mesmo. Mas não é fácil. Se usar uma simples planilha de Excel já rende piadinhas maldosas de colegas na Redação (“olha lá o praticante do planilhismo”), imagina um Trello ou um Jira! Questão de “ajustar o mindset”, como se fala na área de Produto Digital.

Por isso, se você é jornalista, já completou 18 anos e deseja trabalhar no mundo digital (editorial ou não), aliste-se agora mesmo num curso de UX ou de Produto. Só vai te fazer bem. ;)

Imagens ao vivo de uma redação qualquer

Criando um produto

O “TCC” da Tera é um produto criado pelos alunos (sozinho, em dupla ou trio). Colei em outros dois e colocamos a cabeça pra pensar. A primeira lição, aliás, mostra como devemos COMEÇAR a pensar: focando no problema, não na solução, levantando hipóteses, fazendo perguntas, pesquisando, realizando entrevistas, prototipando, testando… enfim, toda uma metodologia construída com o cliente no centro. A expressão “entender as dores do usuário” é repetida como um mantra.

A ideia do produto foi um “white label” do iFood específico para quem tem algum tipo de restrição alimentar. Não é pouca gente. Exemplo: quase 2 milhões de pessoas no Brasil têm doença celíaca. Esse pessoal tem hábito de pedir comida? Sim? Não? Por quê? E quem tem intolerância à lactose? E os veganos?

O campo de pesquisa era amplo, mas, a partir das entrevistas, notamos um padrão nas dores desse potencial cliente:

  1. Não me sinto seguro em pedir comida num lugar que não conheço;
  2. Não me sinto acolhido por nenhum dos aplicativos disponíveis de delivery de comida.

Em outras palavras: é como se não bastasse um filtro ou uma aba específica para esse público com uma necessidade muito específica. O mercado de entrega de comida hoje movimenta mais de R$ 10 bilhões por ano (só o iFood tem 20 milhões de pedidos por mês, e esse número só cresce). Quanto a mais movimentaria se os 4% de veganos/vegetarianos que existem no Brasil pudessem abrir um aplicativo sem dar de cara com um hambúrguer de picanha?

Nosso trabalho, então, passou a ser definir as “personas” — um conceito que se difere de “público-alvo”, sendo o primeiro mais restrito, qualitativo, e o segundo mais impessoal, quantitativo. Para compreender a jornada do consumidor é preciso entender seus hábitos de consumo, seus perfis comportamentais.

(Abre parênteses para voltar a falar sobre jornalismo: tenho vergonha de admitir que, em quase 20 anos de profissão, nunca vi um jornalista falar em se aprimorar em “design comportamental”, mesmo num grande portal. Não consigo nem calcular o ganho que um profissional com essa expertise levaria em termos de pageviews e navegabilidade como um todo).

Taí uma coisa que, como jornalista, nunca usei: post it. Galera de produto gosta disso que é uma beleza

Voltando ao nosso produto: ok, compreendido o “market fit”, hora de entender se era viável do ponto de vista tecnológico. Para atender públicos bem específicos, seria preciso investir pesado em taxonomia junto aos restaurantes (para facilitar a tarefa de acrescentar ou remover um determinado ingrediente, como naqueles totens do McDonald’s) e criar um onboarding poderoso de personalização do conteúdo (vocês conhecem o do Deezer? É beeem legal). Ou seja: tudo viável do ponto de vista técnico.

Com isso, e também já as personas bem definidas (jovens, urbanos, ávidos por algo rápido e prático que respeite suas restrições alimentares), passamos para a fase de branding.

Com aquela frase sobre “acolhimento” reverberando na minha cabeça, pensei: “Quando me sinto acolhido? Com a minha mãe, ora”. A questão é que dar um “nome de mãe” também não seria o ideal. Era preciso ser algo descolado. Como uma amiga descolada. E amiga a gente chama por apelido carinhoso, não pelo nome de batismo. Foi daí que surgiu “Duda” — curto, sonoro, simples.

“Ah, mas Duda não remete à comida”. E quem disse que ficaríamos restritos à comida?

Um produto digital está em constante transformação, aprimoramento. Definir um MVP (Minimum Viable Product) é só o primeiro passo, e mostrar quais seriam os seguintes fazia parte do desafio proposto pelo pessoal da Tera. Daí que concluímos que seria interessante sinalizar um “market place” completo (e não só de comida, já descolado do iFood) para esse público bem específico (como os veganos, por exemplo) seria a cereja do bolo. Deu certo. Galera curtiu. :)

Importante destacar que não há avaliações (com notas, aprovação ou reprovação) no curso da Tera, mas comentários sempre muito ricos de orientadores que se fazem presentes, ouvem, discutem. Aliás, muitos desses experts ali são ex-alunos da Tera, o que dá ao curso uma aura de “comunidade”. No final das contas, vira tudo um grande networking, o que é excelente para quem quer crescer nesse mercado digital.

Aquela foto de fim de curso :)

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