Seus projetos são anti-frágeis?

Felipe Fabris
Somos Tera
Published in
5 min readApr 1, 2020

Boas práticas da autogestão para desenvolver projetos numa organização que precisa se adaptar e se reinventar o tempo todo.

Photo by chuttersnap on Unsplash

“O acaso favorece as mentes preparadas.”

A frase de Louis Pasteur foi dita no século 19, mas é resistente ao tempo. Quando tudo a que você estava dedicando sua energia repentinamente trinca — ou, em alguns casos, desmorona — pelo acaso de um contexto imprevisível, como você continua? Como sobrevive ao caos?

Aproveitando o momento em que estamos revisitando praticamente todos os projetos que acompanhamos na Tera, vim aqui oferecer algo que talvez ajude a entender o que são projetos em um ambiente autogerido — e como eles diferem da concepção que normalmente teríamos sobre a natureza (frágil) de um “projeto”.

Chris Cowan já tinha feito esse pedaço do Guia das práticas de Holacracia. Meu trabalho, aqui, foi digeri-lo. Acredito que esta leitura pode mudar bastante a perspectiva da maioria de nós sobre projetos — mudou a minha, pelo menos.

Antes de continuar, se você não tem familiaridade com o conceito de auto-gestão, recomendo esta leitura aqui, antes.

Existem 5 especificidades sobre projetos no modelo de auto-gestão:

Qualquer Outcome, ou Objetivo, é um projeto

Porém, não devemos complicá-los. É simples: enquanto as responsabilidades dos papéis definem atividades que são ongoing (recorrentes), os projetos servem para sincronizar expectativas em atividades concretas e com finalidades específicas.

Por isso, a boa prática é definir um projeto como se ele já estivesse feito — assim, sabe-se exatamente onde se espera chegar.

Por exemplo: Novo produto publicado no site (em vez de “Criar Novo produto”, ou só “Novo produto”).

Ao escrever a definição de um projeto, pergunte-se: Com essa definição, dá para dizer se foi feito ou não, ao final?

Outro ponto relevante: não existe nível de granularidade padrão para projetos — se fizer sentido, pode ser um entregável super pequeno ou super grande, tanto faz.

Não existem projetos do grupo/do time

Claro, todos os projetos são feitos para a empresa e, na maioria dos casos, trabalhamos em equipe para entregá-los. Mas é importante ter clareza de como cada pessoa contribui para um projeto maior, especificamente.

Quebrar grandes projetos em pequenas partes que se completam, não quer dizer que eles não se conversam — na prática, têm impacto direto entre si — mas, se resumirmos um projeto a uma grande entrega, dificilmente saberemos se estamos dando passos eficientes.

Então, um grande projeto como “Produto físico adaptado para online”, pode ser quebrado em vários projetos menores que se completam, liderados especificamente pelos papéis que estão fazendo cada entrega.

Aqui na Tera, alguns exemplos são: “Ementas do curso de Ciência de Dados online feitas”, “Ferramentas para facilitação de aulas remotas entregues”, “Checklist de operação para aula online escrito”. Essa formato para o título é herdado dos conceitos de Getting Things Done, do David Allen.

Um macro projeto, que tem seu status reportado pela pessoa responsável pela organização do todo, com certeza ajuda — mas se houver apenas esse, tudo recairá como expectativa para a pessoa reportando o macro-projeto, e isso não é saudável para a autogestão.

Projetos públicos são diferentes de projetos “particulares”

Nem tudo em que trabalhamos nos nossos papéis para atingir um determinado outcome ou objetivo precisa ser reportado.

Nós apenas listamos nas planilhas dos círculos aqueles projetos que foram solicitados aos nossos papéis ou que sentimos necessidade de dar visibilidade para as demais pessoas do círculo.

Porém, como somos individualmente responsabilizados pelos papéis que preenchemos (ou “energizamos”), é importante refletir se nosso trabalho está sendo visível para a organização.

Reflita sobre isso e liste os projetos, por menores que pareçam, que estão acontecendo e fazem seu papel ir além das responsabilidades recorrentes.

Quando escolher algum para dar visibilidade às demais pessoas do círculo ou time, procure ter em mente o porquê dessa escolha —caso contrário, talvez seja apenas um projeto cuja visibilidade interessa apenas a você e não deveria consumir tempo de atenção do(a)s demais.

O projeto é sempre SEU projeto

Na autogestão, não somos designados para projetos — devemos fazer as escolhas e tomar decisões em virtude do propósito de nosso(s) papel(éis).

Então se alguém te solicitar um projeto, é sua responsabilidade refletir se daquela forma como foi feito o pedido faz sentido para você, no papel que você energiza. A pessoa que pediu está apenas tentando resolver a tensão dela, mas ela apenas pediu o projeto — todo o resto é contigo, na sua interpretação.

Sua lista de projetos deve refletir suas próprias tensões. Se alguém te pediu um projeto, a concepção desse projeto deve ser feita com base no seu entendimento, suas tensões e visões sobre o problema. Dessa forma, você não herda a tensão de alguém, no máximo vc é infectada pela tensão — a “doença” se manifesta de maneira diferente em cada um.

Reportar é diferente de fazer

Esse é básico: o projeto não acontece por que você o listou em uma planilha. O aprendizado aqui é que uma lista de projetos é como uma lista de to-do’s — temos que olhar pra ela diversas vezes e repriorizar conforme o tempo passa.

A diferença entre a lista de projetos e a lista de to-dos pessoal é que no ambiente de trabalho não decidimos sozinhos e não somos os únicos afetados pelas escolhas que fazemos.

No modelo de autogestão, também não estamos sozinhos na priorização de todo nosso trabalho (e essa é uma confusão frequente em relação a autonomia e modelos horizontais).

O elo externo (ou Lead Link, na Holacracia) do círculo tem a responsabilidade de definir a estratégia do círculo e pode priorizar projetos que acredita serem mais urgentes ou importantes para a estratégia. Mas, importante: o elo externo priorizar um projeto do círculo não significa que ele vai definir, descrever ou detalhar os passos do projeto — como vimos no item acima, isso cabe ao próprio papel liderando o projeto.

Todo o círculo, ou mesmo toda a empresa, é “cliente” do seu projeto, e você reporta o projeto através do papel que você energiza. Assim, a decisão de priorização deve passar por perguntas como: “Esse projeto vai ajudar a cumprir o propósito do meu papel?” e “Esse objetivo é mais urgente e importante agora do que os outros objetivos que estou buscando neste papel?” — muito mais do que perguntas mais comuns como “Tenho tempo pra isso?” ou “Eu quero fazer isso?”.

Este artigo da Target Teal ajuda a adotar uma mentalidade mais ágil para a execução de atividades e projetos. É um ótimo complemento para o tema.

As últimas semanas trouxeram desafios imensos para pessoas e organizações. Tivemos, de um dia para o outro, que adaptar nossas vidas a uma nova realidade. Na Tera, não foi diferente.

O que nos trouxe até este momento foi o fato das nossas decisões serem orientadas, antes de tudo, por quatro valores: consciência, responsabilidade, otimismo e coragem. Aliados a um sistema de anti-fragilidade, esses valores nos permitiram iterar e construir novos projetos diariamente — para que a distância física não se tornasse uma barreira para a colaboração do nosso time nem para estudantes em busca de aprender de forma prática, acolhedora e interativa.

Indiferente da opção pelo modelo de autogestão, fica cada vez mais claro que a combinação consciente de propósito, valores e design organizacional pode ajudar qualquer tipo de empresa a superar contextos desafiadores como o que estamos vivendo.

Afinal, o acaso favorece as mentes preparadas.

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