Dualidades da diversidade

O falso privilégio monodissidente e como isso afeta mulheres não monogâmicas

Beatriz Torres ~ Bia❤
6 min readMay 13, 2019
Privilégio… pra quem?

Primeiramente, vamos abrir espaço para explicar essa palavra: monodissidente é a aquela pessoa que se atrai por mais de um gênero, diferente de pessoas monossexuais, que se atraem por apenas um gênero. Nesse momento, pretendo contemplar aqui indagações de pessoas bi (atração pelo gênero masculino e feminino), pan (atração por todos os gêneros e pessoas agênero) e polissexuais (pessoas que se atraem por mais de dois gêneros, mas não por todos). Shall we?

1) Apagamento e pré conceitos

No meio LGBT+, sabemos que há um imaginário acerca de privilégios que pessoas monodissidentes usufruem, como por exemplo sermos "passáveis" como pessoas hétero. Acredito que as pessoas que afirmam isso vêem apenas o aspecto mais raso da nossa sexualidade, e trazem em suas falas um pré conceito moldado dentro da própria sigla.

Essa ideia de "passabilidade" remete imediatamente à necessidade que muitas pessoas têm de pedir nossa carteirinha de LGBT+ (sei que esse fato não se aplica somente às pessoas bi/pan/poli, mas vamos abranger apenas esse segmento por hora). Mulheres que estão em situação afetiva com homens e vice versa tem sua sexualidade questionada e negada pelo simples fato de estarem exercendo uma das possibilidades do espectro de possibilidades que ela oferece. Aliás, nossa sexualidade é questionada mesmo quando não estamos em relações específicas.

O B na sigla frequentemente é de Borracha, de tanto apagamento.

Em contraste com esse fato, não podemos nos esquecer jamais do estigma de infidelidade que permeia a nossa existência na sigla. Certo dia uma pessoa me perguntou "Apesar de você ser bissexual, você mantém fidelidade?". É muito hipócrita considerar que pela nossa condição jamais seremos capazes de levar a sério nossas relações. Ora, traição ou não diz respeito a diversas coisas, entre elas CARÁTER, CAPACIDADE DE SE ATER A ACORDOS e MOMENTO AFETIVO, não à sexualidade. E é impressionante a quantidade de pessoas que reforça esse estereótipo diariamente.

Paralelo a isso, há uma cobrança exagerada acerca da nossa condição. Nunca somos pertencentes o suficiente para estar na sigla. Somos indecises, continuamos nos armários, somos covardes: e nada disso é verdade. O guarda-chuva bi conta com a segunda maior taxa de suicídios dentro da sigla. Isso quer dizer que não é fácil suportar as pressões de dentro e de fora dela diariamente. Isso significa também que precisamos de um olhar mais compadecido de pessoas que se dizem igualmente oprimidas por serem quem são. Isso também quer dizer que precisamos nos conhecer melhor e nos apoiar mutuamente, para que essa realidade fique cada vez mais distante e nós, mais fortalecidos.

2) Imposição patriarcal

Todes sabemos que o patriarcado impõe condições cruéis para todas as pessoas. No trato com pessoas monodissidentes, percebemos que há o mesmo comportamento, no que tange a forçar que haja aí uma escolha. Há uma ideia de que ela é "meio a meio" (como comentei no meu texto “½ G + ½ Ht = B?”), e nunca alguém completo que pode usufruir na totalidade de sua orientação sexual.

Penso que uma das origens dessa concepção fora da realidade é o famoso ideal romântico de que as pessoas precisam de outra pra se sentirem completas. Metades de laranjas e tampas de panela contribuem imensamente pra pensar que algo com mais de uma realidade possível não seja inteiro em si e que esteja errado.

Esse pensamento fomenta nossa ideia de inadequação social diariamente. Por quantos anos pensei que esse meu "ser" era algo fora do normal, invenção da minha cabeça. A gente se mutila psicologicamente para encaixar em padrões sociais todos os dias e algumas instâncias da nossa vida fazem com que isso seja intensificado. Ser bi/pan/poli é uma delas.

“Rolei tanto meus olhos que vi meu cérebro” — Me poupe, se poupe, nos poupe.

3) E a não monogamia?

Agora chegamos em um ponto importantíssimo. Vamos falar de "vantagens" que as pessoas monodissidentes tem enquanto pessoas não monogâmicas.

O primeiro ponto que eu gostaria de ressaltar é o direito que nós é negado, principalmente por homens cis hetero (este é o Sol. ☀️ Nada de novo sob ele), de optar por não nos relacionar sexual ou afetivamente com alguém. Ora, se você é não monogâmica, deveria fazer sexo com todo mundo, certo? Errado. Mas passamos por isso com frequência absurda e quem cobra isso de nós JURA que funciona dessa forma.

O segundo ponto que devemos considerar é que as pessoas alegam que temos mais opções já que nos atraímos por mais de um gênero. Eu adoraria que, quando alguém escrevesse isso no Google, ele sinalizasse: "você quis dizer: MAIS CHANCES DE PASSAR POR REJEIÇÃO DOS GÊNEROS PELOS QUAIS SE ATRAI? Retornando resultados de busca para esta pesquisa". Porque a realidade é exatamente essa.

Se eu ganhasse um real pra cada asneira sobre opção que eu já ouvi, estria rhyca nas Bahamas.

Na não monogamia, se relacionar com mais pessoas está diretamente proporcional à quantidade de vezes que você será rejeitade, trocade, colocade de lado, considerade uma opção pior. Não consigo contar nos dedos quantas vezes isso aconteceu comigo EXATAMENTE POR SER NM. "Nossa você é perfeite MAS...": quem é NM e nunca ouviu isso que atire a primeira pedra.

É óbvio que pessoas são rejeitadas por diversos outros motivos que não este, mas ter mais um amplia os sentimentos ruins sobre isso em muito. Esse medo da rejeição/troca é algo que ainda me assombra inclusive nas minhas relações atuais. Eu tenho relações muito boas nas quais o diálogo é bom e aberto, mas ainda assim esses fantasmas vez ou outra aparecem para assombrar a vida.

Voltando ao segundo ponto, todes sabemos que pessoas podem ser péssimas e cruéis e etc, independente de gênero. Imagine estar potencialmente mais exposte a essas pessoas diariamente só por ser quem você é. E em dose dupla: garanto que se fosse só por ser NM OU monodissidente as chances seriam reduzidas. É muito cruel. Mas o que esperar das pessoas? Bom senso? Empatia?

O terceiro ponto que desejo apontar nesse artigo é um dos preconceitos mais horríveis sofridos por pessoas monodissidentes: a ideia de que somos vetores de ISTs por conta da nossa orientação sexual. Esse conceito é muito cruel e errado. Pessoas estão expostas a contágio se não se cuidam, TODAS ELAS. Não existe exatamente uma predileção das doenças por determinada orientação até onde eu saiba, e não há nada no campo da ciência que comprove que haverá ou já houve. E por mais que eu tente olhar de outros ângulos, por outros viés, sempre acabo na mesma triste e inevitável conclusão: as pessoas tentam mascarar de todas as formas e maneiras, mas de alguma forma vai dar pra sentir aquele cheiro podre de preconceito. Lembrando que é dever de TODES fazer a prevenção para manter a si e às suas relações saudáveis.

Privilegiade who?

Mulheres são atingidas diariamente por uma infinidade de tipos de agressões. A nossa essência primordial, ser mulher, já é suficiente pra que nos menosprezem, maltratem e odeiem. Quanto mais nos aproximamos da aceitação plena de quem somos, compreendendo as nossas liberdades, desejos e anseios, mais expostas ficamos. Não interessa se você faz caridade mensalmente, se ajuda pessoas idosas, se gosta de cachorros ou se tem um Instagram pra mostrar as fofuras do seu gato. "O QUE" nós somos sempre vai saltar mais aos olhos do que "QUEM" nós somos. Por isso, convido a todas nós a se unirem e serem mais. Mais livres, mais fortes, mais autênticas, mais vocês. A sociedade não está preparada para nós, e o elemento surpresa pode ser nossa maior vantagem.

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Beatriz Torres ~ Bia❤

Bissexual, feminista, não mono. "O modo como você reúne, administra e usa a informação determina se vencerá ou perderá." ~ Bill Gates