3.912 AMIGOS — DIGO, DISCOS — E CONTANDO.

Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro
Published in
6 min readJan 29, 2020

‘That’s ’cause he’s only got about ten records. CDs.’
‘And that makes him an awful person, does it?’
‘In my book, yes. Barry, Dick, and I decided that you can’t be a serious person if you have — ‘
‘Less than five hundred. Yes, I know. You’ve told me many, many times before. I disagree. I think it’s possible to be a serious person even if you have no records whatsoever.
’ — Nick Hornby, em High Fidelity.

Existe um site brasileiro de música bem legal, com um nome mais legal ainda: Tenho Mais Discos que Amigos. A expressão sempre me intrigou. É possível ter mais amigos que discos? Mesmo que a pessoa tenha uma quantidade bem pequena de discos — sei lá, uns 10, como o personagem citado por Hornby? É possível ter mais de 10 amigos?! Hoje em dia, na era do streaming e das redes sociais, é muito possível ter um monte de amigos e disco nenhum. Quando quase toda a música já gravada na história está disponível na internet (legal ou ilegalmente), para quê ter discos?

A não ser por um breve momento no comecinho de minha trajetória de colecionador, no distante ano de 1986, eu sempre tive mais discos que amigos. E olha que me considero uma pessoa razoavelmente sociável (apesar de preferir a qualidade à quantidade). O Facebook me informa que tenho 1.086 ~amigos~, dos quais considero amigos MESMO apenas uma minoria bem mínima. E, admito, já cheguei a uma altura da vida na qual a tendência é perder amigos antigos, e não ganhar novos. Quanto aos discos…

Quanto aos discos, um outro site, o Discogs, me informa que atualmente sou o o orgulhoso detentor de (quase) exatos 3.912 títulos, entre LPs, CDs, boxsets e EPs/singles de 7, 10 e 12 polegadas. (Cassete, nenhum.) Digo “quase” exatos, porque nem todos os discos da minha coleção estão cadastrados na base do Discogs; calculo que uns 5%-10% do total não estejam no site. Eu poderia, claro, me dar ao trabalho de incluir os títulos faltantes, subindo fotos, código de barras, digitando nomes das músicas, informações de lançamento etc. etc…. mas quem tem tempo pra essa porra? Eu não. Só o trabalho de identificar cada disco que possuo consumiu literais anos — ok, enrolei pacas e só no fim de 2019 fiz uma “maratona” de cadastros para encerrar a pendenga de vez.

Agora, graças ao app do Discogs, posso dizer que carrego minha coleção no bolso. Isso evita uma inconveniência que vinha se tornando cada vez mais frequente: comprar por engano discos que eu já possuía. (Aconteceu mais vezes do que eu gostaria de admitir.) Não que eu me importe muito com conveniência: nenhum colecionador de discos se importa. Juntar um monte de vinis & CDs que ocupam espaço, acumulam poeira e necessitam aparelhagens frágeis e caras para serem desfrutados corretamente… nada menos conveniente que isso.

Enfim, acabei o levantamento e o breakdown dos 3.912 títulos catalogados, por formato, é o seguinte:

Sim, há muito mais CDs que vinis (proporção de quase 3 para 1). E era pra ter bem mais, ainda que, há algum tempo, eu venha comprando muito mais LPs do que CDs. Escrevi profissionalmente sobre música por mais de uma década, e por conseguinte recebi, de gravadoras e assessorias de imprensa, muito mais CDs do que eu conseguiria dar conta. Se tivesse guardado todos os discos que recebi por motivos profissionais, meu acervo de CDs teria pelo menos o dobro do tamanho. Desfiz-me de enormes baciadas de compact discs, a maior parte trocada por títulos que me interessavam de verdade, outros vendidos, dados ou mesmo descartados (para reaproveitar as caixinhas de acrílico). Ainda compro CDs sempre que possível; o problema é que praticamente não existem mais lojas que ofertem o formato no Rio de Janeiro.

Com os vinis, a história é outra. Nunca me desfiz de qualquer LP. Quando comecei a coleciona-los, cada álbum adquirido era uma pequena vitória: eu precisava juntar todo e qualquer trocado que sobrasse, e ainda por cima tinha de me deslocar de São Gonçalo para Niterói (ou para o Centro do Rio, se houvesse grana sobrando) para garimpar discos. Por isso, o apego. Quando todo mundo começou a trocar seus LPs por CDs, eu os mantive. (Há diversas instâncias de álbuns repetidos na minha coleção, em formatos diferentes.) Mesmo quando as lojas de vinil desapareceram, a partir dos anos 90, eu continuei correndo atrás. E fui, afinal, alcançado pelo retorno da modinha do vinil. Deu trabalho (ainda dá), mas consegui manter praticamente todos os LPs, EPs e compactos que pesquei desde 1986. Um ou outro desapareceram — caso do primeirão, o Dois da Legião Urbana, comprado em uma filial do supermercado Sendas.

*Funk, r’n’b, soul. **Blues, folk, trilhas sonoras/coletâneas com gêneros misturados, country, erudito, ska/reggae/dub, comédia, world music, latinidades.

No gráfico ao lado, vê-se a divisão da minha discoteca pelos gêneros mais recorrentes. O rock ocupa pouco mais da metade do total (e sim, eu diferenciei rock e rock brasileiro. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.), e em seguida eletrônica, pop e MPB meio que se equilibram, com hip hop e black music vindo logo atrás. Note-se que, para efeitos de simplificação, coloquei sob a rubrica “MPB” todo tipo de música brasileira fora do universo pop-rock, de Egberto Gismonti a Beto Barbosa. Jazz eu comecei a ouvir mais tarde, mas é um estilo que vem aumentando sua presença cada vez mais nos últimos anos (a mais recente adição à coleção foi um disco de jazz, arrematado por dez pilas numa feira de antiguidades).

E a seguir, a lista dos artistas mais presentes na coleção (20 títulos ou mais). Frank Sinatra, com 19, bateu na trave.

Surpresa nenhuma aqui, todos os citados estão entre meus favoritos de todos os tempos. Ainda assim, escarafunchar as profundezas da coleção através do Discogs sempre rende algum espanto. Não lembro, por exemplo, como e quando adquiri sete discos da Kate Bush. Gargalhei ao descobrir que alguém pôs a venda (por cerca de R$ 630!) um singelo compacto 7 polegadas do Bowie que por acaso também faz parte do meu acervo. Aliás, a coisa mais louca do Discogs é a avaliação dada à coleção, com base nos valores pedidos pelos discos no marketplace do site. Minha modesta discoteca foi cotada em mais de R$ 182 mil — isso considerando apenas os discos que já foram colocados à venda por outros usuários.

Não que eu tenha a menor intenção de vender meus discos. Como já deve ter ficado claro, trata-se de uma coleção “curada”, na qual cada título tem sua razão para estar ali. Não tenho qualquer pendor para o arquivismo; se eu tenho o disco, é porque eu vou ouvi-lo de novo. Mesmo que, durante a revisão da discoteca para o cadastro no Discogs, eu tenha me deparado com um ou outro CD que despertava a pergunta: “Mas isso aqui é o quê mesmo?” Não tem problema. É como reencontrar aquele velho amigo a quem não via há anos.

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Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro

Dono do medium.com/telhado-de-vidro. Escrevo coisas que ninguém lê, desde 1996 (Jornal do Brasil, Extra, Rock Press, Cliquemusic, Gula, Scream & Yell, Veja Rio)