Como fazer sucesso nas rádios brasileiras: entendeu ou quer que eu faça um infográfico (edição 2019)?

Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro
Published in
6 min readJan 6, 2020
Tchê-tcherê-rê-rê-rê-tcherê-rê-rê-rê, Gusttavo Lima e você, e sua mãe, sua tia, seu irmão, seu vizinho etc.

Este é o quinto apanhadão-análise que publico a respeito das músicas mais executadas no ano nas rádios brasileiras. (Clique nos anos adiante para ler os posts sobre 2014, 2016, 2017 e 2018.) Como nos quatro anos anteriores, não houve surpresa alguma com o conteúdo da lista com os 100 maiores hits radiofônicos de 2019. Não houve sequer espanto com a revelação do nome no topo da relação: Gusttavo Lima, repetindo o feito de 2018. Mas segue a percepção de que a hegemonia dos caipiras vem encolhendo, ainda que continue proporcionalmente massacrante.

Se não há novidade (à primeira vista) na lista das mais tocadas nas FMs, a gente por aqui tenta dar uma esquentada nas coisas. Além da tradicional análise das 100 mais tocadas, este ano produzi um anexo incluindo dados de execução de streaming e da TV aberta. Não foi possível uma comparação direta entre todos os meios, que possuem alcances e métricas diferentes, mas foi interessante analisar as particularidades de cada um em vista do panorama radiofônico.

Sertanejo mantém dominação— mas com novas companhias

Sim, a monocultura sertaneja persistiu nas paradas radiofônicas em 2019. Mas a dominação ficou um tiquinho menor: um ponto percentual, na comparação com 2018. A diferença pode ser ainda maior, se formos mais rigorosos na delimitação das fronteiras entre os gêneros (mais detalhes na legenda abaixo do gráfico). Em termos percentuais, a lista das 100 músicas mais executadas nas FMs ficou assim:

*Considerando Wesley Safadão (três músicas entre as 100 mais) dentro do gênero sertanejo. Se ele for alocado no forró eletrônico, o percentual do sertanejo cai para 81%.

Não apenas a presença do sertanejo caiu, como a variedade de estilos tocados nas FMs aumentou em comparação com 2018. Vale notar a ascensão do forró eletrônico e a resistência do pagode. Confira a série histórica:

Outro sinal do (relativo) aumento da força dos outros gêneros: se no ano passado a melhor posição de um hit não-sertanejo foi o 56º lugar (“O Sol”, Vitor Kley), em 2019 a mais tocada de outro estilo foi “Drive Thru”, de Marcia Fellipe, em 43º. (OK, a canção tem participação do campeão Gusttavo Lima, o que sem dúvida deu uma ajudinha.) Desde 2013, quando Anitta ficou em 3º lugar com “Show das Poderosas”, os não-sertanejos ficavam a cada ano mais distantes do topo. Por outro lado, pela primeira vez na década, nenhuma canção internacional ficou entre as 100 mais executadas no ano.

Vamos problematizar as letras?

Como nos anos anteriores, eu também me debrucei sobre as letras do Top 100 para tentar capturar o zeitgeist poético do Brasil em 2019 — o ano em que foi oficializada a playboycracia no país. Vejamos quais foram a temáticas que mais fizeram sucesso no ano:

Nada diferente dos anos anteriores. O amor, bem sucedido ou fracassado, continua a ser o assunto único. As canções de sofrência (68% do total) deram uma ênfase especial às menções ao consumo de álcool. Dois dos hits — “Amor e Cerveja”, d’Os Parazim, e “Zé da Recaída”, de Gusttavo Lima — chegam a citar explicitamente marcas específicas de bebidas alcoólicas. O machismo declarado dominou três das canções, algo contrabalançado por duas letras de puro empoderamento feminino. É possível que seja reflexo do acirramento das questões de gênero, tão discutidas nas redes sociais?

As figurinhas repetidas, quero dizer, carimbadas

O top 10 dos artistas que mais tiveram músicas na lista das 100 mais tocadas ficou assim (considerando todas as aparições dos artistas na relação, inclusive em participações especiais):

Há nomes novos no Top 10, incluindo dois dos campeões do ano (Marília Mendonça, tinha sido a segunda neste ranking em 2018, com seis músicas). É interessante notar a inclusão do pagodeiro Dilsinho no empate tríplice da primeira posição (contando duas participações em faixas alheias). Outro pagodista, Ferrugem, emplacou quatro hits, repetindo o desempenho de 2018 e melhorando sua posição absoluta no Top 100 (sua faixa “Chopp Garotinho” ficou no 51º lugar, o samba mais tocado no ano). Coincidência?

Sertanejo, um negócio global (no mau sentido)

Na análise do ano de 2017, uma realidade evidente e inconveniente se firmou: as carreiras dos artistas mais bem-sucedidos estavam nas mãos de um número muito restrito de gravadoras e empresários. A Som Livre, gravadora do Grupo Globo, foi responsável por 31 das 100 músicas mais tocadas em 2019. Porém, o percentual sobe para 70% quando o recorte fica apenas nas 10 mais tocadas.

E nos outros meios, como foi o ano?

Para ter uma visão mais ampla da hegemonia sertaneja no cenário em 2019, analisei à parte as paradas de sucesso nos serviços de streaming (considerando Spotify, Deezer e YouTube) e na TV aberta (anotando os artistas que foram convidados ao programa Só Toca Top, da Globo). Verifiquemos, pois, como foi a presença sertaneja nesses outros canais, em comparação com as FMs.

*Considerando as 10 mais tocadas no Deezer, Spotify e YouTube em 2019. **Considerando os artistas convidados em todas as edições do Só Toca Top em 2019.

Claro que falta uma base de dados mais completa para podermos fazer uma comparação direta entre o hit parade radiofônico e seus correlatos na internet e na TV. (Os dados sobre a TV aberta são particularmente limitados, decerto; mas creio que o Só Toca Top é um termômetro decente do que anda sendo executado nos programas de auditório, principal vitrine da música popular na televisão.) Mas é possível tirar algumas conclusões interessantes, ainda que preliminares.

Como se vê, a dominação sertaneja nas FMs se repete nos outros meios, e de forma até mais intensa na internet. Surpreendentemente, mesmo sendo a Globo a dona da Som Livre, a exposição sertaneja na TV é bem menor (em termos proporcionais) do que nas rádios e no streaming. Até o rock, varrido há anos das rádios populares, ganhou espaço razoável no Só Toca Top. Pode se dizer que quem acompanha os rumos da música brasileira pela TV aberta está exposto a uma variedade maior de estilos e de artistas — mesmo considerando a óbvia intersecção sonora/temática entre o sertanejo e o forró eletrônico.

Pelo segundo ano, assistimos a uma leve diminuição do poder sertanejo nas paradas FM. O pagode segue em bom momento e é possível prever, em 2020, um aumento dos crossovers entre sertanejo e forró eletrônico, em uma sinergia visando aproveitar a clara similaridade entre os dois públicos. Lembremos que o precursor dessa sinergia, Wesley Safadão, é artista Som Livre e tem espaço garantido na tela da Globo. No entanto, a força demonstrada pelos caipiras ortodoxos (sofrência, cachaça etc.) nos serviços de streaming e no YouTube — que, cada vez mais, desbancam o rádio na preferência dos ouvintes casuais — também faz supôr que eles ainda vão dar as cartas por muito tempo.

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Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro

Dono do medium.com/telhado-de-vidro. Escrevo coisas que ninguém lê, desde 1996 (Jornal do Brasil, Extra, Rock Press, Cliquemusic, Gula, Scream & Yell, Veja Rio)