Cris Vector

DesMoroNey [Rumo a 2022, n. 39]

Março de 2022: com o fim do prazo de desincompatibilização e troca da partidos, a disputa entra em seu momento crucial. E o marreco refuga.

Gustavo Laet Gomes
9 min readApr 1, 2022

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Esta é a 39ª edição da série Rumo a 2022 (conheça o nosso método). Num mês de movimentações intensas, tivemos Alckmin se filiando ao PSB para ser vice do Lula, um escândalo de grandes proporções no MEC com Bolsonaro implicado até o pescoço, a novela mexicana de Eduardo Leite, Doria enterrando o PSDB de vez e a grasnada final de Sergio Moro.

Gráficos

Faltando 7 meses para as eleições…

… encerra-se hoje (1 de abril) o prazo para a chamada desincompatibilização das pessoas em cargos públicos, que precisam renunciar a eles para poder concorrer nas eleições em outubro. Encerra-se também a chamada janela de troca de partidos, quando os parlamentares das casas legislativas eleitas por voto proporcional (ou seja, excetuando-se o Senado) podem trocar de partido imunes a eventuais punições previstas em lei e nos estatutos dos partidos. Este é um marco importante da corrida eleitoral, dado que define, por exemplo, se governadores deixarão seus mandatos para disputar cargos distintos, como ocorreu com João Doria, que protagonizou o espetáculo mais patético da história do PSDB, superando, inclusive Aécio Neves, quando este resolveu questionar as eleições de 2014 “só para encher o saco”. Começou ali o fim do PSDB e também a crise atual da Nova República, período que talvez até já deva ser considerado findo em 2018. Falta-nos claro, o nome do novo período, coisa que os historiadores provavelmente resolverão nos próximos dez anos.

No penúltimo dia do prazo limite para a desincompatibilização, no qual ele havia programado, inclusive, uma festa de despedida convocando os prefeitos do estado de São Paulo (e compareceram impressionantes 619 prefeitos, mostrando a influência que o PSDB ainda mantém no maior estado do país, embora seja o único em que isso se preserva, sinal claro de decadência), Doria resolveu ventilar que tinha desistido de concorrer à Presidência da República, que não iria renunciar ao governo do estado e que, de quebra, mantinha a possibilidade de concorrer à reeleição. Esta rasteira, que supera em muito a que ele passou em Geraldo Alckmin em 2018, ao lançar o BolsoDoria e cagar para o palanque do correligionário, basicamente enterra não só a sua candidatura ao Planalto, que de todo modo nunca chegou a brotar de verdade, mas também a de seu vice Rodrigo Garcia ao governo de São Paulo. E não importa se ele voltou atrás (ontem ainda). O estrago já foi feito.

Tenho para mim que este movimento foi uma contra-ataque à ofensiva de Aécio Neves e Eduardo Leite, que tramavam dar um golpe em Doria e tirá-lo da disputa um pouco mais adiante, quando ele estaria enfraquecido por já não mais controlar a máquina do estado de São Paulo (ouvi esta teoria, se não me engano, da Julia Duailib; só não tenho link, porque foi na TV). O papelão de Doria é o tiro de misericórdia no PSDB, porque também uma candidatura de Leite fica inviabilizada. Resta ver o que fará o Rodrigo Garcia, se seguirá mesmo de volta ao União Brasil, ou se se manterá no PSDB para tentar se aproveitar melhor da máquina do partido. Mas ele também sai muito enfraquecido e abre uma avenida para Tarcísio de Freitas, o candidato que representará o bolsonazismo, nas eleições de São Paulo. No fim das contas, o BolsoAécioDoriaLeite segue funcionando como em 2018.

Mas todo esse mês foi quente, cheio de movimentações importantes. Logo no início, Rodrigo Pacheco lembrou que precisava “desistir” de sua candidatura fake. E o idiota usou a mesa do Senado para fazer um discurso absurdo dizendo que desistia da candidatura para focar no seu trabalho como presidente da casa: como assim o sujeito trata de um assunto privado na tribuna do Senado falando como presidente da casa? É um inepto. Não faz ideia do que é o cargo que ele ocupa. A melhor declaração sobre a saída dele foi do Noblat:

Pacheco desiste de candidatura que nunca, em tempo algum, existiu.

Antes mesmo da desistência do Rodrigo Pacheco, Gilberto Kassab já falava abertamente em lançar Eduardo Leite como candidato pelo PSD. Durante algumas semanas a mídia tradicional, desesperada por encontrar a sua “3ª Via”, transformou essa patacoada em uma novela, entrevistando ambos quase todos os dias. Leite tinha receio de ir para o PSD com medo de tomar uma rasteira, afinal, o que Kassab quer mesmo é apoiar o Lula, apesar dos bolsonaristas que infestam seu partido. No fim, ele decidiu não ir para o PSD, mas mesmo assim renunciar ao governo do Rio Grande do Sul, porque Aécio Neves o convenceu de que dá para passar a rasteira no Doria (a história que vimos acima).

Por falar em Lula, houve acontecimentos importantes também no campo da esquerda. A negociação para a formação de uma federação entre PT e PSB falhou. O PSB queria garantir algumas cabeças-de-chapa estaduais que o PT não topava e vice-versa. De todo modo, ficou acertado o apoio de todos os palanques do PSB à candidatura de Lula e também que o PSB indicará o candidato a vice — Geraldo Alckmin, que finalmente se filiou ao PSB, com um discurso cheio de simbolismos. Há campos minoritários na esquerda (especialmente de São Paulo, como não poderia deixar de ser) que seguem atacando a possibilidade de Alckmin ser vice na chapa de Lula. Essa posição não tem como prosperar, de modo que não vale a pena perder muito tempo com isso. O que estamos vendo nessa chapa é a boa política enfrentando o nazismo. Fico feliz que essa concertação tenha ocorrido e lamento que o Alckmin não tenha conseguido levar o PSDB a fazer este movimento. Não porque eu nutrisse qualquer simpatia pelo PSDB, mas porque o impacto simbólico seria maior, um efetivo resgate da Nova República. Talvez o maior símbolo do fim da Nova República seja mesmo o fim do PSDB, pois a Nova República era basicamente a história de uma alternância de poder entre bipartidária entre PT e PSDB.

O PT, de todo modo, acertou uma federação com o PCdoB e o PV, e, além disso, parece que vai sair uma federação entre a Rede e o PSOL, que por sua vez apoiará a candidatura de Lula, a despeito de alguns esperneios dentro do PSOL. Aliás, fato relevante também é Guilherme Boulos ter desistido sair candidato ao governo de São Paulo, abdicando da candidatura em favor de Fernando Haddad. Boulos sairá candidato a deputado federal, o que é ótimo, pois ele tem potencial de puxar muitos deputados do partido. Torço muito para que Sônia Guajajara, que sairá deputada pelo PSOL de São Paulo entre também. Lula também aproveitou para lançar a candidatura de Boulos à prefeitura de São Paulo em 2024, sinalizando a possibilidade de que Boulos ganhe o apoio da máquina do PT (ou que ele migre para o PT; a ver).

Outro caso pitoresco é o de Alessandro Vieira, que anunciou desfiliação do Cidadania porque Roberto Freire não quis abrir mão do comando do partido que comanda há 34 anos, o que o Vieira considerou um absurdo. Pelo visto o limite dele é esse, 34 anos, porque quando ele se filiou ao partido o Freire já governava o Cidadania há 30 anos e isso não lhe pareceu um problema na época. Vieira, então, se filiou ao PSDB (que fase!), e poucos dias depois o Cidadania aprovou uma federação com o … PSDB. Ha! Pegadinha do malandro! Alessandro, finalmente, está fora, e deve disputar o governo de Sergipe.

Sergio Moro é outro que está fora da disputa. Num passo patético, a altura de sua insignificância, ele anunciou (no mesmo dia da patacoada do Doria), que estava se filiando ao União Brasil (sem nem dizer nada para ninguém no Podemos). Aliás, o primeiro anúncio sequer foi feito por ele. Moro assinou a ficha de filiação escondido, junto com sua mulher, e o presidente do partido em São Paulo (que eu não sei nem quem é) publicou uma nota dizendo que Moro havia se comprometido a ser “um soldado do União Brasil”. Para não ficar muito feio, disseram que o partido avalia lançá-lo como candidato a “senador ou deputado federal”, mas todo mundo sabe que ele vai sair candidato a deputado e olhe lá. O Octávio Guedes acha, inclusive, que a única preocupação dele é garantir um foro privilegiado, pois teme que será processado e pode vir a ser preso num eventual governo Lula ou Bolsonaro.

Jair Bolsonaro está em franca campanha e ao mesmo tempo que tem o que comemorar, pois há pesquisas mostrando uma recuperação importante (veja a última do Poder360). Provavelmente o que está acontecendo é uma tomada de posição por parte de eleitores que se declaravam indecisos (a quantidade de indecisos caiu substancialmente), aguardando para ver se saía a tal “3ª Via” de direita e viram que isso não vai acontecer. Por outro lado, o escândalo dos MEC, com pastores indicados por Bolsonaro para fazer a intermediação entre prefeitos e verbas do FNDE em troca de propina, os quais pautavam basicamente toda a atuação do sinistro Milton Ribeiro (aliás, você conhece a Galeria dos Sinistros?), e precipitou a sua queda, ainda dará muita dor de cabeça a Jair e Carluxo. Vários prefeitos já confirmaram o esquema e tudo indica que esse escândalo vai se arrastar até as eleições, inclusive, com a possibilidade de uma CPI. É um ótimo material de campanha, que deve ser explorado por Lula e o que restar da “3ª Via”.

Quem acompanha essa série deve ter notado que eu reduzi a pontuação de Lula de 10 para 9. Isso se deve ao fato da recuperação do Jair e de a mídia tradicional (de direita) já estar chegando à conclusão de que não vai ter “3ª Via”. Com isso, aqueles articulistas e editorialistas que estavam fingindo se importar com o nazifascismo de Bolsonaro já começaram a pôr as asinhas de fora e sinalizar que talvez prefiram votar de novo em Bolsonaro. Embora eu não acredite que isso seja suficiente para virar o jogo, é uma indicação de que o caminho para Lula será mais difícil.

Os poucos que ainda resistem falando de “3ª Via” sonham com algum tipo de concertação entre Eduardo Leite e Simone Tebet. Embora prefiram Leite, já vejo alguns sugerindo a possibilidade de uma chapa Tebet-Leite, pensando em tentar ganhar alguma parcela do voto feminino. Uma chapa como essa, acreditam eles, teria o potencial de atrair eleitoras de Bolsonaro que se incomodam (só de leve) com a sua misoginia e talvez eleitoras de Lula que não são lulistas, mas que abominam o genocida. Não acho que cola, mas é o que restou para essa turma se agarrar.

Outros trazem agora o nome de Luciano Bivar, que era o dono do PSL e agora comprou o DEM e chamou tudo de União Brasil. Falam que ele — que foi quem efetivamente viabilizou a eleição de Bolsonaro — seria um bom vice (para Leite ou Tebet) e agora estão inflando a proposta (patética) de uma nova rodada de prévias (tipo as do PSDB que eles promoveram e foi um fiasco) envolvendo União Brasil, MDB e PSDB, para a escolha de uma chapa única. O nome do União Brasil para a disputa seria Bivar. Uma importante pedra no caminho de Tebet chama-se Renan Calheiros e o MDB nordestino que quer apoiar o Lula logo no primeiro turno. Eu sinceramente acho inviável qualquer candidatura do MDB, como ficou provado pelo Henrique Meirelles em 2018.

Bivar aliás, também foi cortejado por Ciro Gomes, na única articulação que se tem notícia vindo do que Octávio Guedes (de novo ele) chama de “centro desgovernado”. E é claro que não deu em nada. Restou para Ciro fazer lives com o Cabo Daciolo, seu potencial vice. Os ciristas acreditam que ele herdará intenções de voto de Moro (que tava com cerca de 6%), o que levaria Ciro a, quem sabe, tocar o patamar de dois dígitos. Acho isso improvável. Os fãs, quer dizer, os eleitores de Moro são todos fascistas e eram todos bolsonaristas até anteontem. A maioria deles provavelmente se sentirá aliviada de poder votar no Bolsonaro em paz agora que o Moro não está mais na disputa. Também duvido que Ciro possa herdar os resíduos de intenção de voto de Vieira e Doria (cerca de 3%). Os eleitores deles também são bolsonaristas no armário e já ficou mais do que provado que Ciro não consegue atrair eleitores bolsonaristas.

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