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Jairbecil e a geopolítica [Rumo a 2022, n. 38]

Fevereiro de 2022: guerra na Ucrânia desvia as atenções do processo eleitoral e dá holofotes para a imbecilidade bolsomínion

Gustavo Laet Gomes
7 min readMar 2, 2022

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Esta é a 38ª edição da série Rumo a 2022 (conheça o nosso método). Sem grandes novidades, as posições se mantém mais ou menos as mesmas, mas as articulações estão correndo soltas.

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Faltam menos de 8 meses para as eleições…

… e agora temos a Rússia envolvida numa guerra de grandes proporções na Europa — e com o apoio do Jair Bolsonaro. Mas talvez isso mereça uma explicação melhor (se não vão dizer que é fake news).

A guerra na Ucrânia foi o grande assunto do mês de fevereiro e acabou desviando um pouco o noticiário brasileiro das eleições. Afinal, se tem guerra na Europa, a nossa imprensa colonizada passa a tratar isso como se fosse o fim do mundo. Não que não seja. Porém, guerras muito mais escrotas, com perdas imensas e desgraças indescritíveis seguem acontecendo sem despertar qualquer interesse: no Iêmen, na Síria, na Palestina, no Rio de Janeiro.

De todo modo, a guerra em si só se iniciou no dia 24, mas ao longo de todo o mês ficamos ouvindo o Joe Biden dizer que a invasão era iminente. E o grande acontecimento para a geopolítica nacional foi a visita do Jairbecil a Moscou, uma semana antes do início da guerra, visita na qual ele declarou solidariedade à Rússia e a Vladimir Putin. Como o Jair até agora não fez nenhum movimento para anular sua declaração prévia e sequer condenou o ataque à Ucrânia, segue que ele apoia Putin (em primeiro lugar) e a Rússia (em consequência disso). E isso independentemente do fato de que o Itamaraty resolveu ignorar que ele é presidente da República e fazer o jogo protocolar da diplomacia — condenar a invasão, defender a soberania etc. Como, aliás, fez o Hamilton Mourão, logo no dia seguinte, como deveria ser, e foi desautorizado pelo Bolsonaro. Ou seja, mais uma evidência de que o Jair apoia o Putin, na contramão do mundo. Os fascistas se irmanam.

Discutir a guerra na Ucrânia não é nosso escopo aqui e só tem sentido na medida em que afeta a corrida eleitoral. E neste sentido, a verdade é que não afeta diretamente em nada. O Brasil não está diretamente envolvido e o fato de o Jair fazer sua enésima cagada geopolítica não tem qualquer importância no interior de Goiás. É possível que, com o passar dos meses, haja efeitos econômicos deletérios: escalada do petróleo, do trigo e do milho, e consequentemente, mais pressão inflacionária no Brasil. Se tudo der certo, isso vai chegará a um ponto alto mais ou menos à época da eleição. Foda dizer “se tudo der certo”, parece o “quanto pior melhor”, mas do jeito que o Jair atua para destruir o país, parece que o objetivo dele é esse. Mesmo quando, do ponto de vista eleitoral, ele sai perdendo mais do que qualquer um.

A questão é a instabilidade. Embora do ponto de vista objetivo inflação alta e fome sejam péssimos para ele enquanto candidato, isso somado a um quadro de guerra na Europa, que fazem os fiscais do mundo se esquecerem completamente do seu quintal — no caso nós e o resto do Sul — , gera um microclima muito interessante para quem tem intenções golpistas: instabilidade social, muitas distrações e já estamos nós de novo ouvindo ataques a ministros do STF e à urna eletrônica. Jair viu a guerra na Ucrânia e pensou: “Tão deixando a gente sonhar [com o golpe].” É, minha gente, o risco de golpe que tinha caído ali pelo fim do ano passado ao seu menor nível desde o início do mandato, voltou a subir. Ainda não chegamos aos níveis de setembro de 2021, mas a tendência é a coisa escalar bastante até às eleições. Mais uma vez, o certo era tirar o Jair da eleição e pô-lo na cadeia. Mas as pessoas na sala de jantar…

No mais, a mídia segue cada vez mais desesperada para produzir sua “3ª Via”. Sergio Moro não decolou e já foi abandonado. Sua situação está cada vez mais bizarra, com gente no TCU pedindo bloqueio de seus bens, porque o juiz ladrão também sonegava impostos. Ora ora ora. Ciro Gomes já recuperou as intenções de voto que tinha perdido inicialmente para Moro e aparece empatado, se consolidando num empate com ele no terceiro lugar. Os números das pesquisas variam um pouco: Ciro nunca aparece na frente e, em algumas, ainda aparece bem atrás, num quarto lugar isolado, mas tudo indica que a trajetória do Moro é de queda e que ele deve assumir perder de vez o terceiro lugar para o Ciro. Não descarto que, caso a pressão judicial sobre Moro aumente, ele desista da candidatura.

Por falar em desistência, quem já começou a falar nisso é João Doria. E se começou a falar, é porque vai desistir. A questão é quando. O Alessandro Vieira que já tinha que iria desistir “em favor” do Moro, ainda não desistiu. Deve ser por vergonha, pra ver se as pessoas esquecem que ele é (ou era) morista. O Rodrigo Pacheco que tinha esquecido da candidatura, agora esqueceu que é de bom tom anunciar que desistiu.

Neste ponto, aliás, temos que falar do fato eleitoral mais relevante do mês que são os movimentos ambíguos do Gilberto Kassab, o indefectível presidente do PSD. Ele agora resolveu ressuscitar pra valer a candidatura do Eduardo Leite, tentando fazê-lo deixar o PSDB e entrar para o PSD, caso em que ele obviamente substituiria o Pacheco. Mas o Kassab faz isso num contexto em que ele segue conversando com o PT. O que ele queria inicialmente é que o Geraldo Alckmin entrasse no PSD para ser o vice do Lula, mas o caminho do Alckmin tende a ser o PSB, pois isso seria um fator importante para sacramentar a ligação entre o PT e o PSB, palanques estaduais etc. Creio que a essa altura, o Kassab já desistiu dessa ideia de trazer o Alckmin. Uma das dificuldades que ele enfrentava era justamente a resistência dos bolsomínions do PSD (que são quase todos, a maioria enrustida, claro) a apoiar o Lula. E entre um PSB (que também tem seus bolsomínions) e um PSD, que é um partido [apenas] fisiológico, o PSB é muito mais interessante porque tem alguma capacidade de militância. Então, neste ponto, Kassab não tinha muito a oferecer.

Mas o Kassab quer estar no governo Lula desde o primeiro dia. Eis que a “grande mídia” — representada pela Eliane Cantanhêde (ela falou disso no Em Pauta no dia 3) — começou a suspeitar que o Kassab tava fazendo um jogo de sabotagem: ele atuaria não para viabilizar uma “3ª Via”, mas, ao contrário, para inviabilizá-la, dificultando a sua aglutinação em torno de um nome que, a essa altura, já deveria estar começando a preparar uma campanha para se fazer conhecido. O movimento de tentar ressuscitar a candidatura do Leite, além de acabar de vez com o PSDB e com a candidatura do Doria, seria o seu mais recente movimento no sentido de postergar a definição do nome desta “3ª Via”. Seu objetivo, claro, seria manter um candidato até os momentos finais, quando o retiraria em troca do apoio do PT a candidatos a governador, notadamente à candidatura do Otto Alencar na Bahia, Omar Aziz no Amazonas entre outras. Também entraria na conta a reeleição de Pacheco à presidência do Senado. Em troca, ele aumentaria as chances de o Lula vencer no 1º turno, o que é bom não só para o Lula, como para o país: porque a única chance de o golpe do Bolsonaro dar certo é se tiver 2º turno.

Eu mencionava a mídia que segue desesperada. Voltou com toda força ao discurso “escolha muito difícil” — a Folha, notadamente agora tenta atrair de volta os racistas-fascistas-raiz; surpreendentemente chega a estar pior do que o Estadão e a Globo — e o faz mesmo com o mercado financeiro já vendo com bons olhos a vitória do Lula. O que torna tudo ainda mais patético. No seu desespero, tem dado mais espaço para Simone Tebet, mas a situação dela é muito difícil. É muito inviável sair candidata pelo MDB, onde metade quer apoiar o Lula antes da eleição e a outra metade quer apoiá-lo depois da eleição. O único sujeito que apoia a Tebet no MDB é o Baleia Rossi, aquele que foi candidato a presidente da Câmara pelo MDB e não teve apoio do próprio partido, lembra? Então…

Sobre aquele André Janones, não há nada a ser dito. A candidatura dele é tão inviável quanto foi a do Cabo Daciolo em 2018. Ele só entra na contagem porque sua presença massiva nas redes sociais consegue lhe garantir intenções de voto melhores que as do Doria, o que é uma vergonha — para o Doria. Ele não vai sair disso e provavelmente vai largar essa pré-candidatura perto da época do registro. Duvido que ele vai deixar a boquinha na Câmara.

O mês de março deve ter movimentos interessantes. Possivelmente veremos a filiação do Alckmin ao PSB e a confirmação da sua candidatura a vice do Lula, o que não necessariamente virá com uma federação PT–PSB, que nem faz tanta diferença assim. Haverá também o processo de desincompatibilização de ministros de Estado, governadores etc. Embora rigorosamente o prazo seja 2 abril, o grosso provavelmente sairá já em março, para evitar eventuais embaraços.

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