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O amor venceu o ódio [Rumo a 2022, n. 46]

Outubro de 2022: foi difícil, mas vencemos.

Gustavo Laet Gomes
6 min readNov 1, 2022

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Foi difícil, mas vencemos.

Uso o plural porque essa foi uma vitória coletiva. De cada eleitor, cada pessoa que não se deixou intimidar e foi votar, especialmente daqueles para quem se deslocar envolvia custo financeiro e mesmo perigo de vida. Esses são os grandes heróis dessa eleição, mas também cada pessoa que apertou 13, mesmo que contrariada ou envergonhada. Vocês fizeram a coisa certa. Estão do lado certo da História.

Das pessoas com quem converso, há algumas que se mostram céticas quanto à possibilidade de o Lula conseguir fazer um governo que solucione os grandes problemas do país ou mesmo gere impactos duradouro na vida das pessoas. Além do Congresso coalhado de extremistas, eles acham que haverá uma grande rebordosa reacionária e que, em quatro anos (ou menos), o fascismo retornará atropelando tudo, numa espécie de exacerbação final e fatal do ciclo de alternância de poder, que culminará com a morte definitiva da democracia.

É impossível negar que este possa ser um dos desfechos possíveis. Mas há outros e este cenário pessimista nem me parece ser dos mais prováveis.

Aqui é tudo especulação e o máximo que eu poderia dizer para o pessimista é: prepare-se, então, para a catástrofe. De minha parte, estou um pouco mais otimista e esperançoso diante das muitas possibilidades que se abriram. Quero apenas colocar aqui, para encerrar esta série, dois elementos do contexto que me levam a me sentir assim.

1. O fascismo no espelho

Seria muito ingênuo se aferrar à ideia de que a eleição do Lula representa o começo do fim da onda neofascista que assola o Brasil e o planeta. Pode até ser um marco importante e quem sabe até um marco que eventualmente passará a ser considerado historicamente como tal. No entanto, ainda há muito jogo a ser jogado, muito suor, muitas lágrimas e provavelmente até sangue a ser derramado na luta antifascista.

Minha impressão, porém, é a de que o fascismo se vence com um certo tipo de espelho. Mas não adianta eu ser espelho do outro. O fascista não se reconhece enquanto tal quando eu digo na cara dele que ele é fascista. Voltamos a falar de coisas como ‘lavagem cerebral’ e, de fato, é isso o que temos visto. Este processo é realizado por meio de um tipo de comunicação via redes sociais, papel que, no século XX, foi exercido pelo rádio. O refluxo do fascismo passará necessariamente por aprendermos a lidar de maneira definitiva com esses novos meios de comunicação, do mesmo modo que aprendemos a lidar com o rádio e a TV. As soluções não serão as mesmas, pois eles têm diferenças profundas. Mas haverá — me parece inevitável — alguma solução análoga. Ela surgirá nos 4 anos de Lula? Não sei. Mas já há movimentação no sentido de se procurar uma solução e os primeiros resultados estão chegando.

Em todo caso, o simples ataque direto a este problema já terá o efeito de afetar a capacidade do fascismo de realizar e manter o processo de lavagem cerebral. Isso será importante do ponto de vista sistêmico. Por outro lado, a queda de Bolsonaro e a subsequente onda judiciária que atingirá a ele e sua família, certamente terão grande impacto na capacidade de financiamento da rede de lavagem cerebral deste núcleo. Ela pode se reorganizar em torno de outros nomes, como o senadora eleita da Damares Alves, de modo que o fim do clã Bolsonaro, que é plenamente factível no horizonte próximo, não representa nem de longe a vitória definitiva sobre o fascismo. Ainda assim, será um golpe importante e pode nos ajudar a enfrentar os refluxos.

Mas o que eu chamo de espelho é ainda outra coisa. É análogo ao que se chama no Teatro de “quebra da ilusão cênica”. Duas coisas certamente contribuirão para isso. A primeira é a redução do assédio via redes sociais (pela quebra do financiamento e engajamento) que eu mencionei há pouco. A segunda é mudança do discurso governamental em todas as esferas — acompanhada de publicidade e propaganda adequadas. O país deve retornar a um estado parecido com o da Nova República. Ao ver-se de novo lidando com coisas normais, com um presidente normal com discursos normais, parte das pessoas poderá ver, no espelho da normalidade, o quanto caiu nos últimos quatro anos em um estado de insanidade. Outras questões surgirão é óbvio, mas a percepção de que havia uma normalidade que foi perdida com a ascensão do bolsonarismo ficará bastante evidente para muita gente que estava cega até aqui. Tenho esperança de que isso atinja uma parcela significativa das pessoas que votaram em Bolsonaro no 2º turno e que boa parte delas se torne menos permeável ao fascismo daqui 4 anos.

2. A crise climática

No geral, política externa tem pouco impacto interno. Vimos isso claramente durante o governo Bolsonaro. O Brasil se isolou completamente, viramos uma Coreia do Norte praticamente, mas isso não teve qualquer efeito perceptível na aprovação do Bolsonaro ou na estabilidade do seu desgoverno. Sendo um governo de destruição, a remoção de investimentos externos direcionados, como o Fundo Amazônia, até ajudava Bolsonaro em seu projeto.

Mas o problema da crise climática tem ramificações muito diferentes dos casos usuais de política externa, e o Brasil tem uma posição muito peculiar nessa teia, por abrigar alguns dos maiores e mais mais biodiversos biomas do planeta, e especialmente a maior parte do mais vistoso deles: a Floresta Amazônica.

A excelente recepção que Lula vem recebendo entre os governantes do Ocidente setentrional, não só agora, mas desde o início da pré-campanha, demonstra não só o tipo de soft power que o Brasil — e Lula em especial, por seu carisma — é capaz de exercer, mas sobretudo o quanto EUA e Europa estão carentes de uma referência icônica para se venderem para suas próprias populações como políticos engajados na luta contra a crise climática.

É verdade que, até aqui, a água ainda não bateu na bunda dessas populações, que vivem uma preocupação fingida. Mas os primeiros respingos estão começando a chegar. Para muitos destes governantes, mandar uns trocados (em dólar e euro) para o Brasil e, com isso, associar-se à imagem de Lula e da preservação da Amazônia pode trazer muitos dividendos de imagem no curto prazo, mesmo que as ações em si nem sejam lá tão radicais e efetivas. Esse afluxo de prestígio e recursos — se bem administrado — pode ser muito útil e até decisivo para financiar e aprovar políticas sociais que têm o potencial de consolidar uma maioria em torno de uma proposta democrática e antifascista para o Brasil em 2026.

E sem falar na própria possibilidade de o engajamento ser a sério e não mandar para cá só alguns trocados. Se o afluxo de recursos for grande, se o Itamaraty de Lula tiver a habilidade de vender o Brasil como a linha de frente do combate à crise climática, podemos fazer uma verdadeira revolução energética, de saneamento e — de quebra — de infraestrutura por aqui. E isso significa crescimento econômico enorme com baixa pegada de carbono. A chance de essa boa confluência de concausas se manifestar existe e não é pequena. Demanda habilidade política e isso nosso novo governo terá. E ainda temos Marina Silva.

Esses são dois exemplos que me tornam otimista, a partir dos percalços que ainda enfrentaremos daqui até o fim do ano e das dores de cabeça que teremos com os fascistas que foram eleitos para o Legislativo. Não será fácil, haverá muita luta, especialmente na área ambiental e de povos indígenas e outros povos tradicionais. Mas o leque de possibilidades se abriu. O fascismo está vivo ainda, mas está no chão e estamos com o pé no seu pescoço.

Termina aqui a série Rumo a 2022 , que comecei em janeiro de 2019 como uma forma de observar as possíveis saídas para o lamaçal no qual afundamos com a eleição de Jair Bolsonaro. A ideia era observar o ambiente político e verificar o surgimento de forças e nomes capazes de fazer frente ao bolsonarismo. Quem acompanhou sabe que eu fui eleitor do Ciro Gomes no 1º turno de 2018 e, por isso, entendia inicialmente que ele tinha condições de organizar um movimento em torno de si, mesmo porque não tinha qualquer expectativa de que Lula tivesse seus direitos políticos restaurados.

Quando, porém, em novembro, Lula é libertado, imediatamente entendi que somente ele seria capaz de organizar uma frente política de enfrentamento ao fascismo bolsonarista. A restauração dos direitos políticos era questão de meses, como se verificou.

O resto é a história que todos vocês conhecem, que foi documentada aqui, a partir das minhas impressões. Agradeço a quem leu parte desse material. Eu não reli. Sei que eu mudei muito nesses quatro anos. Aprendi muitas coisas. Tenho certeza que vocês também (e que isso não tem nada a ver comigo).

Não vou escrever uma série Rumo a 2026.

Porque o futuro chegou.

O futuro é agora.

Bora pra luta!

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