Challengers! era mesmo a melhor opção pro Kennerspiel?

Spiel des Jahres, Prêmio Ludopedia e a falta de critérios mais nítidos nas premiações de board games ao redor do mundo

Anderson Butilheiro
The Meeple Kingdom
7 min readJul 21, 2023

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Logo oficial da premiação alemã Spiel des Jahres, a mais prestigiada no mundo dos jogos de tabuleiro.

Neste domingo, 16, foram anunciados os vencedores do prêmio Spiel des Jahres — do alemão “jogo do ano”, hoje considerada a principal premiação de jogos de tabuleiro do mundo. O prêmio é entregue por uma associação independente alemã desde 1979 e já premiou jogos como Catan, Carcassonne, Ticket to Ride e Azul. O vencedor anual costuma ser um jogo considerado familiar, de regras fáceis, porém inovador e que traz para o mercado algo de novo e que ajuda a trazer novos jogadores (conforme descrição oficial no site da premiação).

Desde 2011, a associação também passou a premiar os jogos considerados “expert”, ou jogos para conhecedores do hobby, especialistas, ou como você preferir chamar o Kennerspiel. Nessa categoria, já venceram jogos como 7 Wonders, Village e Wingspan. Acontece que essa categoria sempre foi alvo de diversas críticas, visto que muitas vezes o jogo vencedor não era exatamente um jogo “expert”.

Gráfico demonstrando os valores de complexidade dos vencedores do Spiel (em azul) e do Kennerspiel (em vermelho) ao longo dos anos. Por tpcordeiro, usuário da Ludopedia, em 30/07/20

Jogos como The Crew, Paleo e o vencedor desse ano, Challengers!, são notavelmente jogos mais leves que seus concorrentes. Challengers! é o jogo mais leve a ganhar o Kennerspiel desde que o prêmio foi criado, inclusive é considerado um jogo party game, com seu peso avaliado em 1.83 no BGG (o peso é o nível de complexidade de um jogo em uma escala de 1 a 5). O jogo chega a ser mais leve que muitos dos vencedores da categoria principal.

Essa queda no quesito complexidade vinha já sendo notada ao longos dos anos e, em 2020, eu cheguei a falar sobre ela num texto em que questionei o fato de Concordia não ter vencido o Kennerspiel de 2013 (que você pode ler aqui). Pessoalmente, acho que um jogo com complexidade tão baixa ganhar o Kennerspiel des Jahres tira o “peso” da premiação (trocadilho não intencional), sua relevância, e evidencia que há outros interesses por trás, sejam eles de mercado, indústria ou o que for.

Challengers!, Z-Man Games / 1 More Time Games, 2022

Veja bem, em momento algum estou questionando se Challengers! é ou não um bom jogo. E mais, não digo que ele não é inovador, ou que ele não traz algo de novo e que mais gente seria atraída para o hobby por causa de jogos como ele. Talvez ele teria sido uma ótima escolha como o Spiel des Jahres. Mas não para a categoria de jogo “para conhecedores”, “expert”, como a categoria alega ser.

Mas isso só acentua uma crítica que tenho feito de forma geral às premiações recentes. O mesmo já havia acontecido no Golden Geek Awards em 2019 (premiação do site BoardGameGeek) quando o vencedor da categoria “expert” foi um jogo considerado um “family” por muitos (no caso, Wingspan). E também levou como melhor “card game”, melhor “jogo solo”, melhor “jogo familiar” e “jogo do ano”. Ou seja, uma total falta de critérios. A principal diferença no Golden Geek é que se tratava de uma premiação do público, não da indústria e, como tal, está sujeita ao gosto popular, ou como dizem, ao voto de “popularidade” do jogo. E, vamos combinar, Wingspan foi de longe o jogo mais popular daquele ano.

Esse ano, o Prêmio Ludopedia também foi alvo de críticas pelo fato de não haver uma distinção nítida nas categorias de “designer nacional”, que acabou incluindo autores de jogos que não são brasileiros e deixando de fora autores brasileiros que fizeram jogos fora do Brasil. No site da premiação, as categorias estão bem definidas, indicando quem pode concorrer como “jogo infantil”, “jogo familiar” e “jogo expert”, mas em nenhuma delas há uma explicação do que se trata o “designer nacional”. A ambiguidade levantou a discussão sobre se o termo “designer” aqui se refere ao autor do jogo ou ao fato do jogo ter sido feito e publicado no Brasil.

Claro, críticas aos vencedores das premiações não são exclusividade do mundo dos board games. Quem não lembra daquele caso fatídico do VMA de 2009 em que o Kanye West subiu no palco reclamando que a cantora Beyoncé merecia mais que a vencedora Taylor Swift? A questão aqui é que, pelo menos de uma forma geral, as premiações de board games tendem a ser menos subjetivas, ter seus critérios de escolha mais abertos e transparentes do que, por exemplo, as escolhas do VMA ou do Emmy, Oscar, ou qualquer outra premiação que você imaginar que passe por um júri, mas que você não faz ideia de quem eles sejam.

Um dos momentos mais icônicos da história do VMA.

As premiações de jogos de tabuleiro acontecem hoje de três formas:

  1. Prêmios que são dados por um júri, formado por pessoas da comunidade ou da indústria, criadores de conteúdo e etc. O Spiel des Jahres é um destes, em que o júri é composto por membros da indústria de jogos alemã. O Jogo do Ano, dado pelo grupo Spiel Portugal, é uma premiação da comunidade, mas também composta por um juri de 10 pessoas.
  2. Premiações baseadas em voto popular. Caso do Golden Geek Awards.
  3. Premiações de canais específicos, como o caso do The Dice Tower Awards, ou do Dragão de Ouro, do canal brasileiro Covil dos Jogos, mas que acabam sendo premiações subjetivas, baseadas nas opiniões e gostos dos criadores dos canais.

O Prêmio Ludopedia se divide em duas categorias: uma dos jurados e outra do voto popular e as duas, muitas vezes, acabam premiando os mesmos jogos.

Cada vez mais, tenho percebido que o “gosto” do público tem migrado de preferências e recomendações de premiações mais populares para as menos populares, ou seja, de deixar de se interessar pela premiação de júri e se interessar mais pelas premiações dos canais. Ou de debater mais os resultados das premiações de voto popular, como aconteceu no caso do Wingspan em 2019 que acabou por mudar a forma como a votação acontecia no ano seguinte. Entendo que isso acontece porque existe mais clareza nessas duas formas de premiação do que existe na primeira.

E qual seria a solução? Vou tentar apontar dois caminhos aqui, um para o Spiel des Jahres e outro para o Prêmio Ludopedia, ambos no quesito de definir melhor as categorias para que os votantes, sejam um júri ou a comunidade, tenham um melhor norte do que estão votando.

  1. Spiel des Jahres — o problema da premiação alemã já está além do mero “critério”, mas também passa pela credibilidade da premiação que muitos ainda insistem em dizer que está inabalável (e editoras ainda ostentam o logo gigantesco “enfeitando” a capa do jogo). Além dos critérios serem mais claros, eles precisam refletir o que a comunidade enxerga como jogos “infantil”, “familiar” e “expert”. O que provavelmente nunca irá acontecer justamente porque insistem em achar que está tudo bem. No final, o ideal mesmo seria deixar o Spiel em segundo plano, tirar dele toda essa atenção que existe hoje e deixar ele ser o que ele é: uma premiação da indústria alemã que só interessa a indústria alemã. Se o Spiel já foi considerado o “Oscar dos board games”, esse tempo passou e está na hora de encontrarmos um novo prêmio principal.
  2. Prêmio Ludopedia — aqui a solução é bem mais simples. O Prêmio Ludopedia é e provavelmente continuará sendo a premiação mais importante do Brasil, levando em conta ser concedida pelo maior portal do gênero em língua portuguesa. E é bem mais factível que o portal aceite uma mudança de regras pois é formado por uma comunidade que se interessa pelo tema. Nesse caso, minha sugestão seria para que as categorias fossem divididas em “jogos licenciados”, ou seja, aqueles que não foram criados, desenvolvidos ou publicados primeiramente no Brasil, mas sim localizados, traduzidos e lançados no Brasil pelas editoras brasileiras (ou que alguma dessas premissas seja verdadeira). A segunda categoria seria a de “jogos autorais brasileiros”, que iria abranger somente jogos criados desenvolvidos e publicados no Brasil por uma editora brasileira em sua totalidade, antes de uma publicação internacional (ou simultaneamente). Assim, nós deixaríamos claro que a premiação seria para valorizar o produto nacional feito no Brasil, por brasileiros. Seria uma forma de valorizar nossa indústria e nossos criadores, e não para discriminar somente certas etapas do processo.

Uma última solução, mais drástica em ambos os casos, seria criar novas premiações que sejam equivalentes a essas, mas que tenham o foco na comunidade e não na indústria. Essas novas premiações teriam que passar pelo crivo de um júri qualificado que ouça a comunidade e não só os fabricantes/editoras e queiram agradar uns mais que outros.

As premiações precisam refletir a comunidade que joga os jogos, que opina sobre eles, que diz se um jogo é leve ou pesado, “familiar” ou “expert”. Também precisa deixar seus critérios o mais claros o possível pra quem as acompanha ter uma noção mais clara do que significa um jogo receber tal distinção. É muito mais interessante para a comunidade saber que o jogo venceu o prêmio “melhor jogo para 2 jogadores lançado no Brasil em 2023 segundo um júri formado pela comunidade” do que “jogo do ano segundo um grupo de empresários do ramo que tem outros interesses e provavelmente nem jogaram outros jogos”.

Acredito que no final das contas todo jogo que ganhou uma premiação tem seus méritos. Em nenhum momento quero dizer o contrário disto. A grande questão que fica é que os critérios não são claros para o grande público. Um jogo vencer um prêmio no qual ele parece não se encaixar pode mais afastar o público do que o aproximar de tal jogo.

Enquanto escrevia essa texto, rolou uma discussão interessante em um grupo do qual participo e comentaram deste texto do Dicebraker, da semana passada, antes dos resultados deste ano. Concordo demais com o posicionamento do autor no texto.

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