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ALM: Asset-Liability Management

Thomas Freud
thomasfreud
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5 min readMay 10, 2020

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Gestão de ativos e passivos — ou ALM, do inglês — é um processo voltado para o gerenciamento de riscos dos ativos e passivos estocásticos de uma organização — tal como um banco, seguradora ou fundo de pensão — com o objetivo de manter seu equilíbrio, minimizando o risco de liquidez da instituição, garantindo que haja ativos disponíveis para liquidar os passivos sempre que esses forem vencendo. Em suma, é um processo gerencial que busca garantir o casamento entre ativos e passivos, sobretudo do ponto de vista da liquidez.

Gerenciar ativos e passivos estocásticos é algo bastante comum no cotidiano de bancos e seguradoras, não chega a ser um novo conhecimento ou área do saber, mas simplesmente a aplicação de boas práticas gerenciais e de indicadores específicos, visando minimizar riscos de liquidez. Nos bancos esse risco é tangível, afinal, são instituições que recebem depósitos e emprestam esses depósitos para outros clientes, nesse processo, a ALM minimiza os riscos de que um grande cliente precise fazer um saque e o banco não consega atender a sua demanda pois o dinheiro está emprestado — isso é um exemplo extremo. Ainda assim, é um bom exemplo, os bancos concedem empréstimos de curto e longo prazo, eles precisam gerenciar bem as taxas praticadas nesses negócios, buscando garantir a liquidez necessária para honrar suas obrigações, NO TEMPO EM QUE ELAS FOREM VENCENDO.

Vejamos a seguinte anedota.

Imagine que Bartolomeu pretende fundar um restaurante, ele cozinha divinamente bem, mas não tem dinheiro para dar início ao negócio. Depois de muito refletir, ele decide ir ao banco, mas antes ele junta os números — calcula o investimento inicial, uma projeção para os lucros, um prazo estimado a partir do qual o fluxo de caixa há de permitir a amortização de um eventual financiamento — e vai ao banco. O gerente acha os números atrativos, a análise financeira sóbria e o perfil de crédito de Bartolomeu não é nada mal, negócio fechado. Bartolomeu consegue um financiamento de 100.000,00.

Ficou acordado que Bartolomeu teria um prazo de carência de 10 anos para começar a pagar pelo financiamento. Bartolomeu começou as atividades, alugou um excelente ponto comercial, comprou móveis e equipamentos, reformou o ponto, contratou funcionários, enfim, cumpriu com todos os requisitos necessários para dar início aos serviços. Em um ano ele começa as atividades.

Considerando o negócio em continuidade, Bartolomeu tem uma série de pagamentos a serem feitos todos os dias, assim como compras, tem a folha de pagamento, etc., mas para simplificar tudo, vamos desconsiderar isso e focar em uma única coisa: o pagamento do financiamento que deverá ser feito daí a dez — nove, na verdade — anos.

Vejamos, ele conseguiu um financiamento de 100.000,00, como foi dito. Suponhamos que a taxa de juros do financiamento seja de 5% ao ano e que ele se comprometeu em quitar a dívida em dez parcelas anuais, considerando ainda a carência de 10 anos — o banco de Bartolomeu faz todo tipo de negócio pra ver seus clientes prosperarem.

Dez anos depois de ter feito o financiamento, Bartolomeu terá uma dívida de 100.000,00*(1,05)¹⁰=162.889,46 a ser para em dez parcelas de 21.094,93.

Hoje, depois da inauguração do restaurante, Bartolomeu sabe o quando deverá pagar no futuro — isso é um privilégio!!! Se o financiamento houvesse sido negociado sob uma taxa de juros flutuante, ele teria que se preocupar com a possibilidade de a taxa mudar radicalmente e ele não conseguir honrar o compromisso. Mas para facilitar a vida de Bartolomeu, e a nossa, deixemos assim. Essa mudança na taxa de juros representa um risco e um dos riscos que a ALM ajuda a controlar: risco de mudanças de taxas de juros.

Como o financiamento foi contratado sob uma taxa de juros fixa, não há riscos no lado do passivo, a dívida é conhecida e determinada, logo, é importante controlar os riscos do lado do ativo.

Bartolomeu investiu o dinheiro e montou o negócio, agora ele precisa garantir que tenha recursos disponíveis para pagar as parcelas no momento em que elas forem vencendo. Ele pode separar parte dos fluxos de caixa em uma reserva de amortização, reinvestindo esse recurso a uma taxa tal que, em alguns anos, ele terá um fundo para cobrir as parcelas da dívida. Ou ele pode não fazer nada disso e apostar que em dez anos o negócio vai gerar um fluxo de caixa que o permita pagar as parcelas sem que tenha feito uma reserva para isso.

O dilema de Bartolomeu — vamos chamar assim — é objeto direto do que trata a ALM — gestão de ativos e passivos.

Em se tratando de fundos de pensão, ALM é também procedimento comum. A organização possui o conjunto de passivos, as pensões a serem pagas no curto e no longo prazo. Esses passivos têm prazo indeterminado — risco de longevidade — e serão pagos com os recursos oriundos das contribuições dos participantes, do patrocinador e da rentabilidade obtida a partir do investimento desses recursos. Como sempre há o crescimento anual do passivo — a depender do método de custeio atuarial adotado, esse crescimento será maior ou menor — a cada ano haverá um déficit que precisará ser equilibrado, a estratégia de equilíbrio está em buscar uma taxa de rentabilidade que iguale os ativos disponíveis, mais as contribuições a serem recolhidas no período, ao valor total do passivo acumulado no final do período de análise. Risco de taxa de juros, risco de insolvência do patrocinador, risco de não obter uma rentabilidade no nível da meta atuarial e risco de longevidade são alguns dos riscos de interesse os quais o instituto precisa gerenciar.

Um fundo que investe os recursos em títulos de renda fixa, com uma taxa SELIC no patamar de 3% ao ano, supondo que a meta atuarial anual é de, no mínimo, 6%+ IPCA, certamente não conseguirá atingir essa meta, caso não seja feita uma alteração na carteira de investimentos com o objetivo de maximizar a rentabilidade. A ALM, realizada continuamente, possibilita ao fundo acompanhar esses riscos e tomar decisão em tempo hábil para contornar as dificuldades decorrentes dessas variações.

ALM é uma prática que deve ser exercida continuamente em fundos de pensão. Esse processo envolverá seleção de investimentos, otimização de carteira, cálculo de medidas de risco — tais como VAR e TVAR — e acompanhamento de desempenho da carteira selecionada, identificando, inclusive, oportunidades de ajustar os investimentos sempre que necessário.

Leitura Recomendada:

MARCAILLOU, P.N, Defined benefit pension schemes in the United Kingdom: asset-liability management. Oxford, 2016.

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Thomas Freud
thomasfreud

PhD Student, Actuary and master in statistics and probability | Accounting bachelor's degree.