Resposta breve para barrar o medo

Fernanda Stange
Toda Palavra
Published in
2 min readJun 1, 2020

Vitória, primeiro de junho de 2020

Natalia,

São dias e dias. Hoje, especialmente hoje, animada pelas últimas manifestações, quando finalmente alguém resolveu sair de casa, não para visitar um amigo, não para correr na praia, furando bobamente o isolamento social, mas para soltar passos fortes, revolucionários e antifascistas, resolvi te escrever em tom de comemoração. Eu sei, eu sei… pareço até otimista. Não se deixe enganar tão fácil. Mas se por um lado temo pela vida e pelos efeitos de conflitos inevitáveis a esses protestos, por outro lado eu sinto, francamente, que chegamos ao ponto de que a pandemia não é o mais grave. Está cada vez mais claro que se a pandemia mata tanto, é porque o seu descontrole fala de outro perigo, ainda maior, mais antigo e inaceitável.

Antes de começar a te escrever esta carta, reli a que recebi e que motiva esta resposta, e não pude deixar de notar a ambiguidade de seu início. Com a sua Carta breve pro medo destruir, penso que queria — e conseguiu — amenizar o meu mal estar. Trazer a memória de nossa amizade e os jagunços de Guimarães Rosa só poderia ter um bom efeito. E teve. São palavras lindas, revigorantes e eu confesso que reli de tempos em tempos para me abastecer de energia. É provável até que ainda o faça mais algumas vezes. Entretanto, o título que você escolheu (me diga se deliberadamente ou se pelo mais sincero lapso) abre espaço para que o medo, que sabemos destruidor, tome para si essa função. Eu escrevo hoje para dizer que espero, com todas as minhas forças, que o medo não destrua nada. Nem a sua carta e nem a possibilidade de acreditarmos que é possível ver coisas acontecerem, as coisas mudarem.

São esses os sentimentos com que quero te contagiar hoje.

Um abraço forte (para o medo não destruir).

Nanda Stange

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