De hoje, no aeroporto de Confins — MG (:

O Teorema da Marmita

Lara Gondim Toledo
TodaPalavra
Published in
3 min readJul 19, 2018

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Chego no restaurante com o pessoal do trabalho. Enquanto escolhem seus pratos, eu abro uma bolsa térmica, tiro alguns potinhos e organizo-os sobre a mesa. Aguardo pacientemente a chegada dos pedidos de todos e então, sob os olhares curiosos das mesas vizinhas ou os sorrisos de aprovação de meus colegas (que já estão acostumados àquela cena), começo a almoçar minhas marmitas, com meus próprios talheres.

Não demora muito para que o garçom me ofereça prato, garfo e faca do estabelecimento, achando aquilo tudo muito engraçado e até fofinho. Como agradecimento, eu peço um café duplo e pago os 10% com prazer.

Essa é a minha vida há um bom tempo. Comecei a “marmitar” há uns seis anos, quando precisei rever meus hábitos e pensamentos para ter uma rotina mais saudável (caso não conheça esta história, recomendo fortemente a leitura aqui). Eu estava cansada de colecionar viroses e de não ter energia para absolutamente nada. Decidi priorizar comida de verdade no lugar de industrializados e passei a montar pratos coloridos e variados. Diante do desafio de manter este padrão comendo fora de casa, decidi cozinhar minha própria comida. Sempre que pudesse, eu levaria minha marmita. Comidinha fresca, saudável, made by me.

E, de repente, eu vi minha relação com a alimentação ganhar um novo sentido. Muito me agradava a ideia de comer algo que eu mesma preparei, simplesmente porque ali, naquele potinho, havia AMOR. Já pensou que coisa mais gostosa é se nutrir de amor, principalmente quando ele vem de você mesmo?

E resolvi ir além. Já que estava cuidando de mim, passei a me importar com a origem e a qualidade daquilo que eu comia. Comecei a frequentar feiras orgânicas e a conhecer os produtores locais. Hoje, ao abrir um potinho, não tem como não lembrar com carinho da Fátima dos brotos ou do Sérgio do shitake, entre tantos outros. Olha aí as marmitas me ensinando sobre agricultura livre de agrotóxicos e cadeia produtiva!

E tem também a vantagem de NUNCA ser pega de surpresa. A reunião vai se prolongar e todos pedirão entrega de fast food? Eu, não! A não ser que eu queira, mas nunca quero. Questão de costume (e talvez princípios). Com a marmita, eu tenho um mundo de opções dentro daquelas caixinhas. Vou tirando comidinhas como quem tira surpresas da cartola do mágico: frutas, castanhas, lascas de coco, iogurte, granola caseira, lentilha, grão de bico, legumes, patês, compotas… Tem algo mais protagonista do que poder escolher o que vai comer? Não ficar refém de lanchonetes e delivery é uma questão de decisão!

Ao longo do caminho, muitas pessoas que convivem comigo foram, aos poucos, adotando hábitos mais saudáveis. Cansei de ouvir “Larinha, olha aqui!” e me deparar com um colega sorridente exibindo sua bolsinha térmica ou seu pote de castanhas como quem ergue um troféu. O Ministério da Saúde adverte: Marmita é contagiosa!

Marmita também é ritual: vai à feira, higieniza os alimentos, prepara refeições, organiza na bolsa, abre o potinho, come com prazer e consciência. Se você vivenciar tudo com carinho, entenderá que tem muito a ver com trazer a atenção plena ao ato de se alimentar. Esteja inteiramente presente em seu “momento marmita” e você nunca mais perceberá gosto, aroma e textura da comida da mesma forma que antes. Tudo se amplifica numa experiência sensorial.

“Mas você trabalha viajando! Como consegue levar seus potinhos?” É só lembrar de duas variáveis principais: validade e qualidade dos alimentos em temperatura ambiente. Os alimentos mais perecíveis (os mais frescos e úmidos, geralmente) são consumidos logo no início da viagem e ficam sob refrigeração no frigobar do hotel até o momento do consumo. Os mais duráveis, por sua vez, ficam para o fim da estadia. Além disso, é importante preparar receitas que fiquem igualmente saborosas se consumidas em temperatura ambiente. Afinal, não é sempre que temos um microondas disponível nessas andanças pelo país.

Eu poderia ficar horas debatendo a favor do centenário costume de trazer comida de casa. De fato, minha relação com a marmita vai além de gastar pouco e me manter “no shape”. É uma questão de escolher o que vai pra dentro do meu corpo. É comer o que gosto, quando quero e em qualquer lugar. E isso é empoderador.

Marmita, meu bem? Marmita é o poder.

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