Como saber se sou assexual?

Compreendi minha sexualidade quando vi que tudo bem não querer transar

Camila Nishimoto
TODXS
Published in
8 min readOct 25, 2020

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Tudo bem. Está tudo bem. Está acontecendo, você está no quarto, na cama desse garoto. Você gosta dele, mas não necessariamente está certa do que está prestes a acontecer. Você realmente tem vontade de que isso aconteça? Todas as pessoas que você conhece já passaram por isso, 18 anos já é atrasada demais, já devia ter rolado, só demorou tanto porque ninguém demonstrou interesse em você antes, certo? Certo? Ao entrar nesse universo você finalmente vai entender o segredo, o motivo que leva todas as pessoas a quererem fazer isso o tempo todo, vai se sentir parte de um grupo, querida, amada. Finalmente pertencente…

SPOILER: mesmo depois da minha primeira vez, o pertencimento não veio — ainda que para a eu de 18 anos isso não estivesse claro. Durante quase toda a minha vida estive tentando me encaixar num molde que não me comportava.

Afinal, quem é que não gosta de sexo? De contato físico, de flerte, de beijar e transar casualmente? O que tinha de errado comigo?

“Só gente problemática, traumatizada e estranha não gosta de sexo. Gente ‘normal’ transa”. Eu não queria parecer nada disso, então sempre fingia, ainda que inconscientemente, que sentia as mesmas coisas.

Mas o que diabos era essa estranheza? Por que não conseguia me conectar com minhas amizades ou estar à vontade quando o assunto sexo/namoro surgia — e invariavelmente surgia?

Eu não me identificava com esses desejos e comportamentos de quase todas as pessoas ao meu redor. O problema era comigo? O que eu era, então? Havia lugar para o que eu estava sentindo?

Não tem nada de errado com você

Sempre carreguei todas essas perguntas comigo e, em um dado momento, decidi buscar respostas. Me lembro que o primeiro contato que tive com qualquer informação sobre assexualidade foi em meados de 2015, quando pesquisei e me deparei com o termo demissexualidade.

À época, já me identifiquei com ele de certa forma. Mas, naquele momento, não quis sair da minha zona de conforto e explorar mais a fundo. Esse sentimento de que algo não está “certo” é uma constante quando falamos de pessoas assexuais se descobrindo. Conversei com a Vitória Fernandes, assexual estrita e birromântica, e ela descreve algo muito parecido com o que eu senti.

“Perguntas começaram a surgir, pessoas querendo me obrigar a ficar com alguém dizendo que ‘só queriam me ajudar’, fazendo comentários cruéis sobre como eu só poderia ser uma pessoa fria por não querer dar uma chance a ninguém. Eu me sentia cada vez mais pressionada, cada vez mais culpada e sentindo que tinha algo de errado comigo”, explica ela.

Hoje entendo que toda e qualquer interação sexual que tive foi com o objetivo de me conectar emocionalmente, de preencher um vazio. De agradar.

Para Vitória, a demissexualidade também foi o primeiro contato com a assexualidade. “A maioria de nós acaba vendo algum conteúdo perdido pela internet e comigo foi assim também. Eu tinha lido algum artigo sobre demissexualidade e me identificado com ele e desde então nunca parei de pesquisar”.

Até então, ela acreditava que a atração sexual não era algo real. “Descobrir a assexualidade fez com que eu descobrisse que atração sexual existia, porque como eu nunca tinha sentido nada daquilo, eu pensava que era uma invenção das pessoas”, conta ela.

O ensino médio sempre parece ter uma aura catártica para a maioria das pessoas, especialmente quando a gente fala de despertar sexual e romântico. Para Vitória não foi diferente: “Eu imaginava que o ensino médio seria minha chance de mudar e de finalmente começar a me interessar por tudo isso também. Eu esperava entrar nele, conhecer algum garoto bonito por quem eu me apaixonaria, beijaria e com quem faria sexo. Mas nada disso aconteceu, eu não mudei nada”.

Diferente da Vitória, que diz sentir o ímpeto de se afastar à menção de interações sexuais, comigo não necessariamente era assim. Mas hoje, com 25 anos, olhando em retrospecto, eu consigo entender que toda e qualquer interação sexual que tive foi com o objetivo de me conectar emocionalmente, de preencher um vazio. De agradar.

De provar que nada havia de “errado” comigo, que eu só precisava de mais tempo que as outras pessoas para sentir essa vontade, esse ímpeto. Mas eles nunca deram as caras por aqui. Agora adulta e muito mais independente — especialmente nas ideias — não podia mais ignorar que eu não era como as outras pessoas.

O entendimento da minha sexualidade veio muito mais tardio do que o “esperado”. Só compreendi realmente que era assexual em 2020. Após muita leitura, pesquisa e eventualmente identificação com outras pessoas como eu.

Mas você que está lendo este texto e não sabe NADA sobre assexualidade deve estar se perguntando o que é.

Numa definição breve, assexualidade é a ausência total, parcial ou condicional de atração sexual.

Ainda que a explicação seja curta e caiba em uma frase, a grande maioria das pessoas ainda têm imensa dificuldade em entender que um mundo sem atração sexual é possível. Quem é que não quer transar por transar?

Bem, eu. E tantas outras milhões de pessoas no mundo. Já foram realizados alguns estudos, desde 1940, que estimam que pessoas assexuais representam 1% da população do mundo — em média 70 milhões de pessoas!

(Esse dado me ajudou muito a não me sentir tão sozinha. É gente pra CARAMBA!).

“Acho que sou assexual. E agora?”

Essa pergunta ficou pairando sobre a minha cabeça durante um bom tempo antes de eu finalmente entender que era isso. Era ISSO!

No fundo, sempre me senti diferente. Desde o ensino fundamental, há muitos anos atrás, quando as interações românticas e sexuais começam a aflorar (ao menos para a maioria das pessoas).

Quando me veio a compreensão, a sensação foi de alívio imenso. Existiam outras pessoas como eu? Não estava mesmo sozinha? Ufa!

Assim que me aceitei, o próximo passo foi ler. Pesquisar, ir atrás de informações, livros e vídeos que me ajudassem a elaborar melhor o que era isso que sentia — ou não sentia.

Mas a grande virada, sem dúvidas, foi me sentir parte de uma comunidade. Aqui na TODXS temos um espaço seguro e com pessoas assexuais que me ajudou bastante a me sentir incluída dentro da comunidade ace e da LGBTI+.

Seguir e acompanhar os relatos e as vivências de pessoas ace diversas nas redes sociais transformou tudo para mim.

A descoberta da assexualidade, assim como no meu caso, também trouxe muitas coisas boas para Vitória. “Compreendi melhor os meus limites e a como me respeitar, entendi melhor como eu funciono e descobri que sinto atração romântica por todos os gêneros (sou birromântica), e o melhor: fiz várias amizades com outras pessoas aces que me fizeram sentir menos sozinha, fazendo de todo esse processo algo do qual eu me orgulho”.

Graças à comunidade, eu também pude entrar em contato com os conceitos de diferentes tipos de atração, descrições detalhadas de experiências de outras pessoas assexuais e, infelizmente, todas as dificuldades que enfrentamos por sermos desviantes da norma social hiperssexualizada.

Esse incômodo e dificuldades também apareceram para Vitória. “Ser assexual não é fácil. Ainda tenho medo do que posso ouvir da minha família, dos meus amigos e até de profissionais da saúde. Ainda tenho medo de nunca conseguir estar em um relacionamento por ser assexual e de estar sozinha para sempre”, diz ela.

Eu me identifico como assexual e lésbica, diferente da Vitória, mas existem também pessoas arromânticas (aros, carinhosamente), uma comunidade sempre muito próxima da ace, já que várias pessoas aro também são ace.

Se você ainda está se perguntando se é possível que a sua ausência de atração sexual seja patológica, a resposta é não.

A assexualidade é uma orientação sexual, como a homossexualidade, bissexualidade, pansexualidade, etc.. E a gente já sabe há um tempão que orientação sexual não é escolha e nem patologia.

Existem condições físicas que podem interferir no desejo sexual, mas aí não estamos mais falando de assexualidade.

Não existe um jeito certo ou errado de ser assexual

Ao falar sobre assexualidade, sempre nos referimos a um espectro. Até mesmo a nossa bandeira reflete a existência de áreas que não são nem pretas ou brancas quando o assunto é atração sexual.

Preto: Assexualidade
Cinza: Grayssexualidade(Demi, Fray, Lito, etc.)
Branco: Allossexualidade (sexuais)
Roxo: Comunidade Assexual

Existem espectros da assexualidade em que a atração sexual é condicionada a outros fatores. A demissexualidade, por exemplo, é quando uma pessoa sente atração sexual apenas tendo uma conexão emocional forte com a outra.

Já assexuais estrites são aquelas pessoas que não sentem atração sexual em nenhuma circunstância e ficam em uma das extremidades do espectro.

Aqui embaixo tem uma thread super explicativa sobre os espectros da assexualidade e vale demais conferir para entender melhor onde você se encaixa.

Mas lembre que também está tudo bem não saber ou não se encaixar em qualquer dessas definições. Se somente o termo assexual basta para você, ele bastará também às outras pessoas.

Por muito tempo fiquei na dúvida se era mesmo assexual, já que não sentia repulsa com relação a sexo. Mas entendi que nossos comportamentos e práticas não determinam a nossa sexualidade.

Me reconhecer como assexual também me permitiu desvincular o afeto de interações românticas e sexuais. Não existe uma única forma de amar e para amar não necessariamente precisamos transar ou sequer ter envolvimento romântico.

Mas existem pessoas ace que engajam em relações sexuais por diversos motivos e isso não as torna menos ace, já que a ausência de atração sexual não significa ausência de libido ou de interesse e curiosidade pelo ato sexual em si.

A Todas as Letras realizou um bate papo super completo com Allen S. Ximenes sobre assexualidade e vale demais a pena conferir, ele aborda muito bem essa questão da diferença entre atração sexual e comportamentos sexuais.

Entender que eram coisas diferentes foi fundamental para que eu me sentisse válida dentro da minha identidade e pode mudar as coisas para você também.

Para entender mais sobre assexualidade

Tudo o que eu queria quando finalmente entendi que era assexual era uma listinha de conteúdos para me aprofundar.

Por isso, faço uma aqui para você, pessoa querida, que talvez esteja precisando para finalmente compreender que você não está sozinha e que está tudo bem ser ace!

Sites, textos e vídeos

[Site] AVEN (The Asexuality Visibility and Education Network)

[Texto] O que significa ser uma pessoa assexual?

[Texto] Dicionário da Assexualidade

[Vídeo] Como saber se você é assexual

Perfis ace para acompanhar

@Cakeacelovers (Twitter) @VitoriaUva (Twitter)

@AdeAbacate (Twitter) @aroaceiros (Twitter)

@peridootstyle (Twitter) @morfeusdm (Twitter)

@gryposouza (Twitter) @seaflawless (Twitter)

@ColetivoAbrAce (Twitter) @anaksness (Twitter)

@allen_pancake (Twitter) @aven.pt (Instagram)

@orgulho_assexual (Instagram) @assexualidade_ (Instagram)

Eu sei bem como falar sobre isso pode ser dolorido e até mesmo desolador. Por isso, uma última vez gostaria de reiterar: se você acabou de se descobrir assexual, saiba que não está sozinhe! Eu — e toda nossa comunidade — enxergamos você e te acolhemos.

Sinta-se à vontade para me mandar uma mensagem no Twitter ou continuar esse papo aqui nos comentários, vou ler e responder com todo carinho ❤

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Camila Nishimoto
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sinto grande e escrevo poesia | assexual e sapatão, voluntária na @TODXSBrasil // ela/ella/she