Vitor Garcia de Oliveira
TODXS
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7 min readNov 8, 2020

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Nos últimos anos, a população LGBTI+ do Brasil vem conquistando uma série de importantes direitos, que eram reivindicados há muito tempo pelo movimento. Ao mesmo tempo, porém, os espaços de poder apresentam, ainda hoje, pouca representatividade para nós. E isso nas mais diversas esferas: no governo, nas empresas, em organizações.

Especialmente em cargos políticos, ainda são poucas as pessoas que ocupam cadeiras e representam os nossos anseios. Seja no legislativo ou no executivo. Em nível federal, estadual e municipal.

Ainda assim, a cada ano, vemos o número de pessoas candidatas da nossa comunidade (e de outros grupos minorizados em direitos) tentando se eleger. O que já pode ser visto como uma mudança que traz esperanças para esse cenário.

Com a chegada de mais uma eleição, dessa vez para prefeituras e cargos legislativos municipais, temos a oportunidade de intervir na situação política no nível mais próximo a nós.

Mas precisamos mesmo eleger pessoas LGBTI+ para cargos políticos?

Nos últimos dez anos, alcançamos grandes conquistas para o movimento: o direito à união e ao casamento homoafetivo, o direito de identidade de gênero, a criminalização da LGBTIfobia, a derrubada da portaria que proibia algumas pessoas LGBTI+ de doarem sangue.

Não podemos deixar de lado, no entanto, que todas essas vitórias — ao menos, as em nível federal — se deram pelo reconhecimento do Supremo Tribunal Federal (STF) e não pelo caminho legislativo. Ou seja, atualmente, temos sim esses direitos reconhecidos, mas nenhuma lei federal relacionada aos direitos LGBTI+, votadas por pessoas que ocupam cargos na Câmara ou no Senado e seguindo todos os trâmites do Congresso

Além disso, mesmo com essas vitórias, persiste o mesmo desafio: precisamos continuar trabalhando para que esses direitos sejam realmente incorporados em nosso dia-a-dia. Criminalizamos a LGBTIfobia no Brasil, mas continuamos sendo um dos países que mais matam pessoas LGBTI+ no mundo. Aprovamos a união civil entre pessoas do mesmo gênero, mas algumas pessoas ainda enfrentam dificuldade em realizar seus casamentos.

Para isso é importantíssima termos pessoas nos representando nos três níveis de governo, inclusive o municipal. E é justamente aqui que está a centralidade das eleições que ocorrem na próxima semana.

Mas afinal, como construir um cenário político mais representativo?

Para isso, é importante estudarmos muito o nosso voto. E, com isso, elegermos pessoas que estão realmente alinhadas com a luta pelo avanços nos direitos LGBTI+.

A cada ano — ainda que muito lentamente –, temos ganhado cada vez mais espaço no cenário político, com o aumento das candidaturas de pessoas da comunidade: em setembro, eram ao menos 569 pré-candidates, segundo levantamento da Aliança Nacional LGBTI+. De acordo com um mapeamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), além disso, até o momento, já se contabiliza um recorde de 281 candidaturas de pessoas trans no Brasil.

Ao mesmo tempo, porém, não podemos esquecer que, em todo o cenário político, há o aumento dos espaços ocupados por representantes conservadores, que atuam contrariamente a muito dos direitos reivindicados por grupos minorizados.

Mas, para nos vermos representades, basta apenas elegermos representantes LGBTI+? Nem sempre. Isso porque muitas pessoas candidatas, mesmo fazendo parte desse grupo minorizado, nem sempre estão alinhadas com a luta por melhores direitos.

Ao mesmo tempo, diversas pessoas que não são LGBTI+ vêm trabalhando e se propõem a lutar para que nossos direitos avancem. Não podemos esquecer aqui, por exemplo, de pessoas candidatas de outros grupos minorizados, como as pessoas negras, indígenas e mulheres, que embora ligadas mais fortemente a outras pautas, também atuam no sentido de incluir outros grupos socialmente oprimidos.

Além disso, vivemos ainda em um cenário no qual nem sempre os partidos políticos abrem espaço e (menos ainda) apostam e investem em candidaturas de pessoas LGBTI+. Por sinal, aqui se abre um importante caminho na luta para campo político mais representativo: pressionar os próprios partidos para que sua base de pessoas candidatas seja a mais diversa possível, dando mais coerência e concretude para as bandeiras que os partidos dizem defender.

Em grandes capitais, o número de pessoas LGBTI+ concorrendo a cargos políticos é relativamente alto se comparado a cidades do interior do país. Nesses locais, muitas pessoas que se candidatam ainda não podem ou conseguem expressar abertamente sua identidade por conta de preconceitos arraigadas. Por isso, nesses espaços, a votação em pessoas que lutam pela causa, mesmo não se identificando como uma pessoa LGBTI+, torna-se ainda mais central.

Nesses espaços, além disso, a vitória de pessoas LGBTI+ que talvez não estejam tão ligados à causa também não pode passar em branco. Como apontado por Renan Quinalha, advogado e militante de direitos humanos, em uma live sobre o assunto, “o fato de um corpo LGBT ocupar um espaço de poder já é muito simbólico, ainda mais em cidades pequenas do interior e em contextos rurais do país. Ela já é um corpo que desestabiliza o olhar, já que as pessoas não esperariam que uma pessoa LGBT tivesse no lugar de prefeito, de vereador, de vereadora. Mas ao mesmo tempo eu acho muito importante olhar os programas dos candidatos”

Mas como faço para escolher a pessoa “certa” para votar?

Pensando nessa pergunta e levando em conta que ainda temos algum dia antes do primeiro turno das eleições municipais, preparamos alguns pontos para você levar em consideração na hora de escolher a pessoa em quem você votará.

Vem com a gente!

1. Pesquise a história e a trajetória da pessoa

Temos visto nos últimos anos cada vez mais holofotes voltados para a questão da diversidade, nos mais diversos campos da sociedade. Porém, sabemos que nem sempre o discurso é coerente com a prática. Basta vermos os diversos casos de empresas que dizem ser diversas e inclusivas, através de suas campanhas, mas que, quando analisadas mais a fundo, nada fazem nesse sentido.

E é claro que o mesmo pode acontecer entre as pessoas que buscam ser eleitas, usando a causa LGBTI+ apenas para benefício próprio. Nem sempre é fácil de se perceber em um primeiro olhar esse descompasso entre discurso e prática, mas um bom caminho para isso é buscar conhecer a história e trajetória dessas pessoas.

Para isso, tente pensar nas seguintes perguntas:

  • A pessoa já fez parte de algum movimento social organizado?
  • O que ela disse nos anos anteriores sobre temas relacionados à questão LGBTI+?
  • Qual a opinião dela sobre qestõesu importantes para a comunidade?
  • A campanha dessa pessoa é de fato inclusiva?
  • Quem são as pessoas e organizações que a apoiam?
  • Se essa pessoa já ocupava algum cargo político, como ela votou, elaborou projetos ou governou durante o seu mandado?

2. Veja como a pessoa tem se posicionado também sobre outros assuntos

Uma sociedade só pode ser verdadeiramente inclusiva se todas as pessoas caminharem juntas na conquista de direitos. As diversas reivindicações de grupos minorizados se cruzam e não podem ser conquistadas e discutidas apenas separadamente.

Sabemos que a realidade das pessoas muda de acordo com a posição que ela ocupa no mundo e todos os marcadores sociais que ela carrega consigo. Dessa forma, focar o olhar apenas na parcela de homens homossexuais, branco e de classe média, por exemplo, traz avanços, como o casamento homoafetivo, mas atinge apenas a superfície do problema. Nossos problemas são estruturais e só é possível mudá-los se olhar para além das pessoas que acabam sendo privilegiadas dentro do próprio grupo minorizado.

Avalie então se a pessoa que está tentando se eleger tem propostas e visões que levem em consideração outras letras da sigla LGBTI+ que não a sua. Além disso, é importante avaliar como a pessoa se posiciona sobre outros temas que envolvem populações oprimidas: como o genocídio da população negra no Brasil; a luta das mulheres pelo direito ao próprio corpo, contra a cultura do estupro e o feminicídio; a resistência dos povos indígenas; as reivindicações das pessoas com deficiência, etc.

3. Verifique se a pessoa se compromete publicamente com a luta LGBTI+

Desde as últimas eleições, algumas organizações LGBTI+ têm divulgado uma lista de compromissos públicos em favor dos direitos dessa população que os candidatos podem assinar.

O “Programa Voto Com Orgulho — Eleições Municipais 2020” da Aliança Nacional LGBTI+, por exemplo, estabelece uma série de compromissos e esforços para combater as questões que envolvem preconceito e violência, além da garantia de direitos previstos em leis e na Constituição Federal para a cidadania LGBTI+.

Entre os compromissos para a prefeitura, podemos destacar:

  • a garantia de implantação e funcionamento do “Tripé da Cidadania LGBTI+”;
  • a promoção de parcerias com ONGs LGBTI+ para execução de ações de promoção da cidadania e dos direitos de LGBTI+;
  • a apresentação/sanção de projetos de lei de garantia, defesa, promoção e proteção da cidadania e dos direitos humanos de LGBTI+, o veto;
  • o veto a leis que firam, propositadamente ou não, a igualdade de direitos da população LGBTI+ garantida pela Constituição Federal;
  • a promoção e o fortalecimento da atenção à população LGBTI+ nos serviços públicos municipais, por meio da capacitação de agentes públicos e divulgação de campanhas de respeito à identidade de gênero e orientação sexual.

Já para os cargos legislativos municipais, está entre os compromissos:

  • organizar mandados populares abertos a toda comunidade LGBTI+, que tenham como regra uma política de empatia, não apenas antiLGBTfóbica, mas também antimachista e antirracista;
  • promover esforços para aprovar projetos de lei de garantia, defesa, promoção e proteção da cidadania e dos direitos humanos de LGBTI+ apresentados pelo Executivo;
  • apresentar ou promover esforços para aprovar projetos de lei ou outras proposições a favor da garantia, defesa, promoção e proteção da cidadania e dos direitos humanos de pessoas LGBTI+.

Se engana, porém, quem acha que seu trabalho termina na urna!

Tá bem. Fomos lá, votamos e elegemos as pessoas que gostaríamos que ocupassem os cargos. Agora podemos descansar, certo?

Jamais! Muito pelo contrário: agora precisamos trabalhar ainda mais!

A pessoa que assumiu posições e compromissos durante sua campanha precisa ser acompanhada e cobrada. Para isso, precisamos manter contato com o gabinete e assessores das pessoas eleitas para a prefeitura e cargos legislativos municipais.

Do outro lado, a pessoa que foi eleita precisa também prestar conta do que tem feito conforme seu mandato avança e continuar em contato diário com a comunidade e as pessoas que a elegeram.

Para finalizar, aqui vão algumas dicas de sites e perfis que podem te ajudar a decidir seu voto e acompanhar as pessoas após eleitas

  • #Vote LGBT: coletivo que desde 2014 busca aumentar a representatividade de LGBT+ em todos os espaços, principalmente na política.
  • Me Representa: a plataforma opera como um espaço de encontro digital entre pessoas candidatas e eleitoras que priorizam as mesmas pautas que você.
  • M0nabot: 1º bot a acompanhar o trâmite de Projetos de Lei da causa LGBTQIA+ nas Assembleias Legislativas e Câmara do DF.

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