Faz sentido falarmos de igualdade no mercado de trabalho?

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5 min readApr 5, 2020
Foto: NIYI FOTE/THENEWS2/ESTADÃO CONTEÚDO

Por Pris Rosso

Março se tornou um mês em que historicamente são discutidas pautas ligadas às mulheres, uma vez que o dia 08 de Março é Dia Internacional das Mulheres. Entre entrega de presentes e brindes, promoções e parabenizações realizadas por diversas lojas e pessoas bem-intencionadas, o 8M tem ganhado cada vez mais relevância também para a divulgação de reivindicações políticas e sociais, seja em forma de marchas ou de textos divulgados em diversos veículos impressos e online.

Em 2020, vimos grandes manifestações ligadas aos direitos das mulheres tomarem as ruas de capitais como Belo Horizonte, São Paulo, Manaus, Belém, Curitiba, Brasília e de cidades menores, como Santos e Mauá. No exterior, países como México, Chile e França também tiveram o dia 08 de Março marcado por grandes manifestações, sendo algumas, inclusive, desproporcionalmente reprimidas pelas forças policiais, como no caso do Chile.

Ao ver estes acontecimentos, algumas pessoas se perguntam: mas será que ainda existem tantas pautas a serem defendidas assim? Vamos debater esta pergunta tendo o mercado de trabalho como foco.

Faz sentido falarmos de igualdade no mercado de trabalho?

Quando falamos de mercado de trabalho, diversas questões veem à mente: horário trabalhado, salário, cargos de chefia, assédio, dentre tantas outras. E, embora a realidade para as trabalhadoras esteja melhorando nos últimos anos, ainda estamos longe das condições ideais.

Vamos começar falando um pouco sobre salários. Em 2016, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística) concluiu que os homens recebiam em média R$ 542 reais a mais do que as mulheres. Já em 2019, o IBGE atualizou esta pesquisa e concluiu que, embora a diferença salarial tenha caído ao longo dos anos, em 2018 as mulheres ainda recebiam em média R$ 529 reais a menos que os homens.

Isto é, a pesquisa concluiu que em 2018 as mulheres ainda ganhavam 20,55% a menos do que os homens em todos os estados brasileiros! E, pior, esta não é uma realidade isolada em alguns campos de trabalho, pois todas as ocupações consideradas para esta pesquisa demonstraram diferenças de salário consideráveis entre homens e mulheres. A menor diferença foi entre as remunerações de professores do ensino fundamental, área majoritariamente ocupada por mulheres, enquanto as maiores diferenças foram constatadas na agricultura e nos comércios varejistas.

De acordo com a pesquisa, as mulheres agricultoras recebiam em média 35,8% a menos do que os homens na mesma função, enquanto as gerentes recebiam 34% a menos.

Estes são dados difíceis de ignorar, principalmente porque 38% dos lares brasileiros são chefiados por mulheres, o que representava 87% dos lares com filhos e sem cônjuge em 2014, segundo o próprio IBGE.

Por outro lado, em 2016, o IBGE concluiu que apenas 39,1% dos cargos gerenciais eram ocupados por mulheres. Muitas são as razões para isso, incluindo a maior carga horária que as mulheres dedicam ao cuidado com familiares, com a casa e a carga de trabalho invisível, isto é, todas as atividades de gerenciamento doméstico que a mulher realiza — como saber onde estão os objetos, o que é preciso comprar, etc.

Além disso, justamente por dedicarem muito tempo às responsabilidades domésticas e familiares, as mulheres em geral têm menos tempo para dedicar as atividades relevantes para o avanço profissional, como o networking.

Ainda nesta direção, as mulheres são maior número dentre as pessoas desocupadas por diversas razões. Entre elas, o fato de que muitas empresas não contratam mães solo* ou com crianças pequenas, já que possuem a impressão de que elas não irão se dedicar ao trabalho ou faltarão muito por causa das crianças. Assim, segundo uma pesquisa realizada pela FGV em 2017 apontou que 48% das mães ficam desempregadas no primeiro ano após o parto, sendo que frequentemente são demitidas quando se completam os cinco meses de estabilidade previsto em lei (cinco meses após o parto).

Isso nos leva a outra questão importante: os viéses inconscientes, as associações que as pessoas automaticamente fazem com base no que aprenderam e vivenciaram socialmente. Muitas pessoas responsáveis pelo recrutamento e seleção nas empresas muitas vezes possuem esses viéses e acabam fazendo este tipo de associação, ao considerar que o cuidado com os filhos recai exclusivamente sobre a mãe.

Estes viéses também levam a criação de tetos de vidro, barreiras invisíveis que impedem a ascensão das mulheres, uma vez que elas já tenham conseguido uma ocupação e estejam dentro das companhias.

Quando adicionamos outras características nesta conta, os dados ficam ainda piores. As mulheres negras recebem em média 70% a menos do que as mulheres brancas, segundo pesquisas do IBGE. Além disso, o acesso a educação também é menor para homens e mulheres negros, de acordo com o IBGE.

O que podemos fazer para mudar esta realidade?

O movimento feminista vem ganhando espaço ao longo dos anos, principalmente por meio da internet, buscando mostrar que o feminismo é a busca por direitos iguais entre todas as pessoas. Com isso, ele tem sido capaz de colocar a questão das desigualdades e da interseccionalidade entre as pautas em foco. Diversas vozes femininas têm se pronunciado sobre as especificidades das opressões sofridas por mulheres negras, indígenas, imigrantes, LGBTIs, com deficiência, pessoas idosas, dentre outras questões, elencando avanços e clamando por mudanças mais profundas.

Assim, o primeiro passo para mudarmos esta realidade é conscientizamos as pessoas sobre a existência dessas diferenças. É com base em informações confiáveis e o mais atualizadas o possível que poderemos pensar em soluções para os problemas que enfrentamos.

A conscientização leva a mudanças individuais. No entanto, é preciso que estas informações se tornem ações concretas para que a mudança ocorra em níveis mais amplos, atingindo empresas e o mercado de trabalho.

Sobre a Consultoria

Somos um time especializado em Diversidade e Inclusão, em prol de grupos sub-representados (LGBTI+, gênero, raça, geração e pessoas com deficiência) e buscamos transformar o Brasil em um país verdadeiramente inclusivo e livre de discriminação para todas as pessoas.

*Mães solo recebem este nome por serem as únicas responsáveis pelas crianças, seja qual for a razão que as tenha levado a esta situação. A expressão “mãe solteira” tem caído em desuso, pois construir uma família com crianças não está relacionado ao estado civil da mãe e carrega uma carga negativa ao indicar uma insuficiência da mãe, uma incompletude decorrente da falta de um parceiro ou parceira.

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