Futebol fora do armário: iniciativas buscam trazer mais segurança no esporte para pessoas LGBTI+

TODXS
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4 min readJul 11, 2018
Reprodução: Facebook Unicorns Brazil

Nas quadras e campos de futebol, ser LGBTI+ é conviver com um clima de hostilidade e desconforto na maior parte do tempo. Xingamentos envolvendo orientação sexual e identidade de gênero ou o reforço de estereótipos do tipo “gay não gosta de esporte” ou “gay não joga bola bem” afastam a comunidade de práticas esportivas coletivas. Foi isso que aconteceu com Bruno Host, Eddie Prim e Pablo Joseph. Os três, apaixonados por futebol e esportes, cansaram da situação e criaram times voltados para pessoas LGBTI+; o grupo poliesportivo Unicorns (São Paulo), os Sereyos (SC) e Alligaytors FC (RJ).

Bruno: O Unicorns nasceu de uma vontade minha e do Lipe [co-fundador] de jogar bola, não nasceu pra levantar nenhuma bandeira. Só que, quando começamos a buscar amigos gays para jogar bola, eles falavam que futebol não era um esporte de gay. Acabou que, mesmo que fosse algo para diversão, virou uma ‘catequização’, da gente ter que mostrar que aquele era um ambiente seguro [para LGBTIs]. Caiu no nosso colo uma bandeira e uma luta: a gente não queria que o futebol voltasse para o armário.

A criação de times ou grupos como esse tem tido um efeito exponencial: o Sereyos, por exemplo, surgiu a partir de um convite de de São Paulo para participar de um campeonato nacional. Em dois meses, através da mobilização das redes sociais, os jogadores já estavam em campo, disputando com outras equipes no Rio de Janeiro. Em janeiro de 2018, o Sereyos organizou e promoveu a 1ª Copa Sul Gay em Florianópolis. A 2ª está marcada para julho.

Eddie: Configuram-se quase 40 times de futebol pelo Brasil, e os mais consolidados possuem outras modalidades, como nós do Sereyos. Hoje temos futebol, vôlei, funcional, grupo de corrida e um programa chamado Sereyos FIT, junto a uma academia parceira. Acho que o mais importante é criarmos um ambiente acolhedor, seguro e familiar para que esses atletas se sintam bem, confortáveis em um ambiente que possivelmente antes lhe foi negado, para se sentirem fortes o suficiente para encarar outros ambientes e ocupá-los. Só o fato dos times existirem já é um ato político e resistência.

Reprodução: Facebook Sereyos Sport Club

E isso não é segregação?

Para algumas pessoas, o fato de esses times existirem pode representar uma segregação entre heterossexuais e pessoas LGBTI+. Para Bruno, no entanto, esses espaços prezam pelo acolhimento e para aproximar pessoas que vivem realidades próximas. Pablo traz inclusive que, com o aumento da representatividade LGBTI+ no esporte, a convivência melhora, de maneira geral.

Pablo: Acredito no aumento de espaços esportivos com maior representatividade LGBTI — falo na oportunidade de interação em espaços já existentes que têm como maior parte o público hétero. Um exemplo claro disso é o campo que utilizamos para realizar nossos treinos de sextas feiras, o Mania de Bola. Este é um campo de futebol administrado pelo André Lazanha, que, após ver uma entrevista dos Alligaytors, na TV, gostou e se interessou pelo projeto. Como patrocinador, nos disponibilizou um horário concorrido para realizarmos os treinos em seu campo. Hoje temos um respeito enorme desde os funcionários até dos peladeiros [heteros]. Já fizemos churrasco com eles, jogos mistos e, sempre que temos jogos amistosos, em sua grande maioria são times heteros e em nenhuma das vezes houve nenhum problema no que tange à convivência e respeito mútuo.

Reprodução: Facebook Alligaytors

Como tornar o esporte mais inclusivo?

Para Eddie, o apoio é essencial: isso passa por financeiro, através de patrocínios, e também por apoio psicológico, para que as pessoas LGBTI+ saibam encarar ataques, se qualifiquem e recebam orientação relacionada à saúde. “Deixando essas pessoas embasadas e seguras, elas poderão encarar e mostrar que são capazes, assim como estão mostrando e deixando muitos boquiabertos com a qualidade do nosso futebol, por exemplo”, ressalta.

Há o que melhorar?

No caso do Unicorns, Bruno ainda vê que, apesar das tentativas, a aproximação do grupo é com homens gays cis — a letra G da sigla. “Ainda patinamos muito para agregar as outras letras. Temos trabalhado essa dinâmica de comunicar que todos são bem vindos no Unicorns, acho que talvez isso seja ainda nosso grande problema, de chegar a esse público. Temos um menino trans, já tivemos algumas meninas lésbicas, mas não ficaram. Temos que aprender e ter uma visão mais ampla, aprender sobre todas as faces do LGBTI+”, reconhece.

Com essa movimentação, é cada vez mais comum a organização de competições voltadas para a comunidade. O Champions Ligay, por exemplo, teve sua primeira edição em 2017 no Rio de Janeiro com a participação de oito times. E está crescendo: a segunda edição teve 12 e a próxima, marcada para outubro, já tem 16 times registrados.

Pablo: Todas as edições foram um sucesso, acompanhadas e cobertas por vários veículos midiáticos de todo o Brasil. Hoje temos cerca de 38 times e este número só aumenta (Alô Alô, graças a Deus) e, para as próximas edições da LIGAY, já temos uma fila de espera. É muito close, senhor!

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