Vitor Garcia de Oliveira
TODXS
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6 min readApr 8, 2020

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Neste Dia Mundial da Saúde, conversamos com o psicólogo Rigle Guimarães sobre como o isolamento social pode agravar problemas de saúde mental na população LGBTI+

Hoje acordei com o coração acelerado. Quer dizer, mais do que o normal, já que ele anda acelerado desde o início do meu isolamento social. Acho que me excedi no consumo de notícias ontem antes de dormir. Número de infectados, número de mortos, número esperado de vítimas, número esperado de desempregados, número de máscaras e álcool gel…números, números, números. E no meio dessa agonia toda, para completar, temos aquela questão a mais: de sermos pessoas LGBTI+.

Para nós, é tudo um pouco diferente e complicado, né?

Para começar, há muito mais chance de nós, pessoas LGBTI+, termos começado esse período de isolamento social já com algum tipo de doença mental. Seja ela ansiedade, depressão ou outras. É o meu caso e pode também ser o seu.

A recorrência delas entre nós é muito mais alta se comparado a pessoas cis e heterossexuais. Estudo da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, indicou por exemplo que uma pessoa não-hétero tem cinco vezes mais chances de tentar suicídio do que uma hétero. Já falamos aqui também sobre pessoas bissexuais serem mais propensas a desenvolverem problemas de saúde mental do que pessoas monossexuais.

Logo em seguida vem a questão da família. Para uma grande parte de nós, esse é um conceito bem diferente do tradicional: para LGBTI+, família acaba sendo muito mais as pessoas que escolhemos ter ao nosso lado, sem que para isso seja necessário vínculo sanguíneo.

Agora imagine nós, pessoas LGBTI+, confinadas por dias em um mesmo lugar com familiares que não sabem ou, se sabem, não aceitam a nossa orientação sexual ou identidade de gênero. Acabamos ficando sempre alertas, com medo — mais do que geralmente já ficamos. São situações difíceis para nós. Para uma parte de nós, os momentos de socialização fora de casa são também um escape dessa turbulência — e do nada nos vemos sem isso.

Sem contar que agora começou aquele surto coletivo de que temos que ser trinta vezes mais produtivo na quarentena: você já fez aquele curso online que não tinha tempo para fazer antes? Já leu a sua pilha de livros que estava parada? Fez o exercício físico do dia, com a aula disponível em tal canal? Ah, e as receitas culinárias, tá fazendo? Já respirou, meditou e falou “gratidão”? Não esqueça de limpar a casa todo dia…

Mas calma! Repita comigo:

Tá tudo bem não fazer nada disso!

Ansiedade, medo e falta de disposição são esperados no momento que passamos. Ouça seu corpo e seus sentimentos, afinal…

“Está tudo bem não estar no seu momento mais produtivo em uma porra de uma pandemia global.”

Neste Dia Mundial da Saúde, 7 de abril, decidimos conversar com o psicólogo e sexólogo Rigle Guimarães sobre as situações delicadas que alguns de nós podem estar enfrentando durante o isolamento em casa.

Como diz o Rigle em seu perfil no Instagram, ele busca trazer “Biscoitos recheados de reflexões”. Vale acompanhar!

“Em um momento em que a humanidade está completamente voltada para buscar um tratamento capaz de barrar a pandemia do novo coronavírus, não podemos deixar de pensar nas condições que pessoas LGBTI+ podem estar vivenciando no enfrentamento da crise, a começar pela medida adotada como forma de evitar a propagação do vírus: o isolamento social.”

Como o isolamento social pode complicar o quadro de doenças mentais, como ansiedade e depressão, de nós, pessoas LGBTI+?

O isolamento ainda é o método mais eficaz para que o vírus não se alastre entre as pessoas e deve ser seguido. Contudo, outras questões importantes surgem para a população frente a essa nova realidade, principalmente no que diz respeito à comunidade LGBTI+: pessoas que já são estigmatizadas e experimentam em seus cotidianos intolerância social e preconceitos dos mais diversos, com resultados danosos à saúde tanto psicológica quanto física.

É como se gays, lésbicas, transsexuais, bissexuais e intersexuais vivessem um outro tipo de isolamento estruturado pela rejeição e falta de aceitação social, o que gera culpabilização por não se enquadrarem no padrão de heteronormatividade tido como “normal”, elevando assim as chances de desenvolverem transtornos dos mais diversos como ansiedade e depressão, além do aumento no número casos de tentativas de suicídio.

Com o confinamento como modus operandi muitos LGBTI+ precisam enfrentar uma nova configuração de existir que já era dura desde antes. Se um indivíduo vive tentando equilibrar seu psicológico, seja para escapar de sofrer bullying ou algum outro tipo de violência na escola ou no trabalho, seja para esconder sua orientação dos amigos ou da família, imagine para o caso daqueles que por motivos financeiros ou de saúde necessitam passar a quarentena ao lado de parentes tóxicos que não sabem ou não respeitam sua orientação sexual ou identidade de gênero

O que podemos fazer para minimizar esses riscos?

Mais do que combater a ansiedade gerada pelas notícias da pandemia, filtrando informações e evitando excessos, ou do que tentar driblar o difícil convívio diário com familiares preconceituosos, buscando manter contato virtual com amigos ou grupos de identificação, muitas pessoas LGBT têm outros problemas ainda mais diversificados no enfrentamento da crise. Existem as que estão em situação de vulnerabilidade vivendo nas ruas, profissionais do sexo, as que foram expulsas de casa e não têm pra onde ir ou mesmo as que já estiveram em alguma dessas situações, se reergueram, entraram para o excludente mercado de trabalho formal e agora se vêm assustadas com a possibilidade de não ter como pagar as contas e voltar para a situação anterior.

Para todas essas pessoas é interessante, se houver possibilidade, ficarem antenadas às redes de apoio LGBTI+ espalhadas pelo país e encontradas em perfis nas redes sociais, pois muitas oferecem auxílio através de doações de roupas ou cestas básicas, produtos como álcool gel e máscara, e algumas até atendimento psicológico gratuito.

Como podemos ajudar essas outras pessoas?

Cada um, independentemente de ser LGBTI+ ou não, pode ajudar oferecendo um pouco do que tem. Como nos casos de serviços de stream (Netflix, Now, etc.), que podem ser compartilhados para o entretenimento, ou mandando mensagem para aquele amigo maior de 60 anos e pra colega que pode estar doente ou apresentando sintomas de COVID-19 e não tem como ir ao mercado fazer compras ou buscar um medicamento no posto ou na farmácia. Mandar uma mensagem, fazer uma ligação de vídeo, saber se a pessoa está bem, faz toda a diferença.

E o que fazer quando a ansiedade bater muito forte?

Tentar trazer os pensamentos para o aqui e agora ajuda a impedir que previsões catastróficas ou enganosas sobre o futuro moldem nosso bem-estar. Entender que apesar de ser uma fase extremamente difícil, ela vai passar cedo ou tarde. Esse controle e racionalização dos pensamentos pode auxiliar na diminuição do sentimento de ansiedade e depressão gerado pela situação estressora atual.

Por fim, alguns de nós estão com os desejos à flor da pele (rs). Como sobreviver a esse período de uma maneira segura?

Não há como falar de isolamento sem citar que as práticas sexuais que exigem encontro com uma outra pessoa também devem ser suspensas. Não se sabe se o vírus pode ser transmitido por via sexual, mas só o fato de estar em intimidade com outra pessoa aumenta os riscos de contaminação já que a troca de fluidos corporais, como saliva, está presente.

Nesse caso, a recomendação é de masturbação, uso de brinquedos eróticos higienizados e sexo virtual como as melhores saídas para manter-se seguro e manter a outra pessoa segura. Lembre-se que a troca de nudes e a conversa picante pode ser um caminho para um possível encontro depois que isso tudo passar.

UM EXTRA: Manual de sobrevivência para pessoas LGBTI+ na quarentena

Nós da TODXS preparamos uma lista de dicas para essa quarentena, focada em pessoas LGBTI+. Vem dar uma olhadinha!

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